quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Dia 206

Pois é, meus amigos: contrariando todas as expectativas - inclusive as minhas - peguei uma mala, joguei nela meia dúzia de roupas que não combinam nem umas com as outras nem com a situação, uns poucos sapatos que dispensam comentários, peguei uma carona e cá estou, brincando de ET na terra de minha mãe. Não conheço mais ninguém, comprei um convite para uma festa da qual não sei nada a respeito e deixei meus amigos e meus ensaios de reveillons promissores na minha terra. Minha terra... Olho em volta e não reconheço as ruas, as pessoas, as baladas, as bandas, as coisas que me faziam sair de casa com prazer e obstinação. Deixei o caos para trás e vim atrás do desconhecido que outrora fez meus olhos brilharem, meu coração bater com força. Conheço cada banco de praça, cada rua, cada igreja. Ando, paro em frente a um desses lugares cheios de lembrança e fecho os olhos para imaginar as coisas que ali há tanto tempo aconteceram. A casa da dona Juraci, palco de espetáculos inesquecíveis estrelados pela turma do Punk's Not Dead; a avenida com seus bares e gente trançando pra cima e pra baixo, naquela coisa adolescente de notar e ser notado; todas as praças onde brinquei quando criança e mais tarde participei de luais e serenatas, troquei juras sinceras, comecei ou terminei um dia de bebedeira resoluta, contei casos, ouvi histórias. As casas das tias, as igrejas lotadas de pecadores comedidos, de pessoas que não estão nem aí pro que acontece fora do seu perímetro. Vou caminhando pela rua e vejo um monte de olhares curiosos, porque se já me conheceram algum dia, não me conhecem mais. O mundo caminha e um sujeito da capital vem misticamente acompanhado das tendências mundiais; mesmo que isso não seja verdade, essa lenda ainda paira no interior. Acho engraçado pensar que a gente vai pra uma cidade maior que a nossa e se sente constrangido, atrasado, cheio de medo de estar por fora e cheio de certeza que todo mundo andou, menos nós. Não sei bem o que esse ano novo me reserva. O que sabia é que precisava sair, precisava respirar, precisava de tempo pra saber o que eu quero fazer da minha vida que já não é mais tão longa assim. Continuo pensando em minha amiga Madame Bovary, na busca incessante pelo amor apaixonado, pela felicidade verdadeira. Ela foi uma vítima do sarcasmo, e eu corro para não ser, e escrevo para não pensar que algumas páginas arrancadas à força do meu livro vão acabar pousando na minha janela. Em algum lugar não muito longe daqui, alguém ri de todos nós. Preciso me lembrar disso.

Se eu só lhe fizesse o bem
talvez fosse um vício a mais
você me teria desprezo por fim
porém não fui tão imprudente
e agora não há francamente
motivo pra você me injuriar assim
dinheiro não lhe emprestei
favores nunca lhe fiz
não alimentei o seu gênio ruim
você nada está me devendo
por isso, meu bem, não entendo
porque anda agora

Nenhum comentário:

Postar um comentário