quinta-feira, 27 de abril de 2017

Nada

Hoje cheguei em casa pensando em você. Meio estranho. Caminhei pela casa e constatei que é casa de mulher solteira - as fotos, as cores, as coisas. Pensei em tudo o que já te dei e você perdeu. Fotos na parede, no porta-retratos da sala principal que passaram ao outro quarto e depois foram jogadas fora. As roupas, as gavetas, a chave de casa. O que ficou foi uma falta de fé que tira meu sono. Pensei na proposta cruel que você se fez e que tanto se assemelha a uma hora de natação: competir consigo mesmo, ser melhor que ontem, pior que amanhã. Uma merda isso de estar na posição de quem tem que virar o jogo, e me vejo como uma espectadora que te observa nadar e beber água, nadar e dizer que vai bater o próprio recorde, nadar e se deixar afogar só pra não ter que nadar mais. Só por hoje. Só mais uma vez. Só... Pensei na árvore frondosa que plantei na esquina da sua vida e que foi, às vezes aos poucos e às vezes de uma vez, dando as folhas ao azar, ao egoísmo, à incerteza, à ironia, à raiva. O que restou não tampa o sol forte que nos faz olhar pequeno e querer procurar uma sombra pra descansar. Pra descansar. Meu cansaço me angustia. Minha angústia me paralisa. Quero vender tudo e ir pra Itália, ir pra Brasília, ir pra longe dessa bagunça tão solitária. Naquele exercício do teatro de fechar os olhos e se deixar cair nos braços de alguém, naquele exercício de confiança, caí no chão e fiquei insegura, dura, peito contraído, cheio de caroço ao redor do coração. Câncer é doença da alma, sabia? Minha alma fica embolada, doída dentro desse corpo que prioriza o dinheiro ao alimento, ao repouso. Onde é que eu estou nessa nossa equação que não se equaliza, nesse balé desencontrado em que cada um vai pra um lado e insiste em dar a mão? Não sei o que você quer de mim, mas em mim tudo dói, dentro e fora. Tá tudo errado aqui dentro também. Olho pros lados e não sei o que fazer. Coloco os dedos longos dentro dos meus pequenos bolsos e penso em tudo que eu não pude ter. Vontade de chorar até e mandar todo o resto à merda. Hoje foi pesado, amanhã acordo cedo. É assim que acabam minhas reflexões.