terça-feira, 29 de setembro de 2020

Borboleta pequenina

 Vi uma lagarta escalando a parede

a passos curtos, cheia de pernas - 

sem pressa e sem preguiça.

Saiu de sua casa engraçada

querendo virar borboleta

indócil, mestiça.

Sem não e sem pare ela vinha

Deslizava pela pedra fria

Atravessava.

Sem barreira ela não se detinha

Pés descalços em marcha de um dia

Direcionava.

Vai nascer bicho livre na rede,

sem fome e sem sede,

sem vida comum.

Vai-se embora num sopro da noite

sem coro e sem dono

sem pesar algum.







domingo, 27 de setembro de 2020

SubstanDIVA

 Olha só que coisa: tive que assistir a umas mais de cinquenta lives, ler uns 8 livros e milhares de comentários no youtube pra entender que é possível listar dez motivos diários para agradecer. Em alguns dias, confesso que é bem difícil chegar ao dez. Lá pelo quatro já começo a espremer cada momento em busca de algo bom. Agora vem o mais intrigante: percebi que na verdade nossos motivos pra agradecer encheriam uma folha em poucos minutos a cada hora em que decidíssemos fazer isso... e a dificuldade está intimamente ligada ao peso que damos às situações ruins, ao que não aconteceu como o esperado, ao que nos tirou do prumo, da tranquilidade que tentamos construir logo de manhã, com uma meditação, uma prece, uma lista de tudo o que faz com que nos sintamos abençoados. A pedra no sapato afeta mais que o vento fresco atravessando uma onda de calor; mais que as roupas leves e os calçados mais confortáveis que contam um pouquinho de você e te levam pra passear do melhor jeito... dói e você se esquece do dia de sol, do chá com bolo, de que você está voando solo porque, diferente da andorinha, você é capaz de fazer verão e correr pro abraço da primavera.

Curioso pensar que fiz terapia minha vida inteira pra tentar me convencer de que sou uma pessoa boa. Esses tais defeitos trucando coerentes julgamentos... Uma vez fui chamada de inofensiva. Até hoje me vejo às voltas com esse adjetivo! É fato que não causo ofensa ou mal aos outros (pelo menos não deliberadamente), mas (será que sou só eu? Pensem aí vocês:) essa palavra me dá um certo desconforto porque me passa a impressão de submissão, de passividade. Minha tranquilidade foi muitas vezes confundida com uma submissividade (submissão + passividade) que não me habita, não me pertence e definitivamente não me representa. Outro dia, durante uma constelação, precipitei-me a responder "quem é você?" com adjetivos - e descobri que a nossa raiz é, de fato, substantiva. Sou filha de alguém, neta de alguém, bisneta de alguém. Sou parte de uma engrenagem que vem girando muito antes de eu entender que precisava nascer e honrar essas pessoas que me abriram o caminho pra crescer na dor e na luta. Não me disseram que seria fácil ou que eu teria que suportar isso ou aquilo. Suportar não me cabe - entala no quadril, aperta o joanete. Suportar não me atende. Em sincerês trivial: tenho vergonha do que já suportei, do que já me permiti viver, e me invade um incômodo pesaroso até cada vez em que penso no que já ouvi, no que deixei acontecer. Engoli o antinatural como alguém sem referência, sem essência de lutadora, vencedora, doadora de boas energias e suaves memórias. Carrego no sangue a escaldante fervura de mulheres à frente de seu tempo que desconhecem suas sete léguas de vantagem. Corro na contramão do improvável procurando pouso, cansada de arremessos, tropeços, contínuos e incansáveis recomeços. 

Se chama de dentro, procura sua essência de óculos até encontrar. Olha bem...até se enxergar substantiva aumentativa singular.