sábado, 30 de outubro de 2010

Essence

I don't care who you think you are;
I don't care what you think you've done;
I've seen through you, I've told you so.
Your soul has spoken to me
in dreams
and has revealed
the most beautiful scenes
priceless landscapes
the best bits of you
unique indeed...
I knew what I had to know.
Then your dreams
spoke to your soul
told her to hide it all away -
you chose to go with the flow
and now you think you're safe...
and sound.
Well, sorry to let you down
when I so eagerly tried to show
that I loved you without  a cause;
you've been trying to make sense
out of why and because
but if you check deep inside
you shall see a rose in your heart
which my own bare hands have grown.

Essence

I don't care who you think you are;
I don't care what you think you've done;
I've seen through you, I've told you so.
Your soul has spoken to me
in dreams
and has revealed
the most beautiful scenes
priceless landscapes
the best bits of you
unique indeed...
I knew what I had to know.
Then your dreams
spoke to your soul
told her to hide it all away -
you chose to go with the flow
and now you think you're safe...
and sound.
Well, sorry to let you down
when I so eagerly tried to show
that I loved you without  a cause;
you've been trying to make sense
out of why and because
but if you check deep inside
you shall see a rose in your heart
which my own bare hands have grown.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Ser ou...?

Só passei pra dizer que a vida cansa. Estou cansada de querer ter, fazer e ser outra coisa, outra pessoa que provavelmente me desagradaria porque ela não é diferente. Quero ter um filho por medo de não poder ter um; quero me divertir por medo de em breve não querer mais; quero saber por medo de um dia não me lembrar. Acho que só vivo por medo de a vida acabar de repente e eu me achar aqui, num canto escuro onde  há tempos apagaram a luz. Brigo pelo presente porque o passado me dói; sofro porque percebo. Um dia me disseram que minhas habilidades detetivescas eram um fiasco. Pode até ser: pode ser que viver não seja nada disso  - mesmo assim engulo todo o resto com o único propósito de amar direito. 

Ser ou...?

Só passei pra dizer que a vida cansa. Estou cansada de querer ter, fazer e ser outra coisa, outra pessoa que provavelmente me desagradaria porque ela não é diferente. Quero ter um filho por medo de não poder ter um; quero me divertir por medo de em breve não querer mais; quero saber por medo de um dia não me lembrar. Acho que só vivo por medo de a vida acabar de repente e eu me achar aqui, num canto escuro onde  há tempos apagaram a luz. Brigo pelo presente porque o passado me dói; sofro porque percebo. Um dia me disseram que minhas habilidades detetivescas eram um fiasco. Pode até ser: pode ser que viver não seja nada disso  - mesmo assim engulo todo o resto com o único propósito de amar direito. 

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Head shoulders knees and toes por Érika Amâncio

Da cabeça só falta mesmo sair fumaça. Os ombros viraram tábua de bater bife. Os joelhos têm aquele básico problema de junta: junta tudo e joga fora! Tocar os dedos do pé dá direito a uma torta de limão ao final do dia. Esse é o retrato de várias mulheres do século XXI, que devido à insistência burra em direitos iguais, agora choram por carregar meio mundo nas costas. E obviamente a diversão não acaba aí. Tem também as ites e as ias. Vamos a um bem comum: miopia. É muito engraçado esse negócio de não enxergar direito, principalmente se, como eu, você é aquela pessoa que acredita no 0.01% de chance de uma cirurgia dar errado. Por esse motivo não retirei um cisto das cordas vocais, que foi detectado há alguns anos como um brinde no pacote de nome Érika Amâncio - nasceu, cresceu, casou-se, teve filhos e não quer morrer de jeito nenhum. Fico possessa com as infelicidades que consigo produzir oralmente em várias ocasiões, mas não poder produzi-las at all transformaria meu coração num tumor maligno. Trato, controlo, mas está lá. O mesmo acontece com os olhos - minha miopia pede óculos, chegamos a esse ponto. Mas quem? Onde? Por quê? E nessa onda a gente vai driblando as limitações com descontração, jogo de cintura... e lentes de contato. Posso dormir com as minhas por cinco dias, mas no quinto dia impreterivelmente devo retirá-las, fechar os olhos e reencontrá-las alegremente na manhã seguinte. Devo repetir esse procedimento nove vezes, e ao final de quarenta e cinco dias, é necessário descartá-las e usar outras. O primeiro problema é a matemática. Você calcula quanto tem por mês pra gastar no supermercado, quantas vezes deve comer por quantas horas, quantas calorias o dia te oferece, quanto tempo falta para tomar a próxima pílula e ainda tem que calcular quantos dias você tem para tirar, pôr e mandar a lente pro inferno sem direito a purgatório. O segundo e não menos importante é o sofrimento para colocá-las. Se ao menos vendessem aquele aparato do Laranja Mecânica para abrir os olhos... Mas não: é o seu-vizinho da mão esquerda puxando a pele do olho embaixo, o fura-bolo segurando a lente e o pai-de-todos da mão direita abrindo o olho em cima. Em outras palavras: ninguém merece. Quando nossa amiga finalmente se acopla ao olho, após várias lágrimas e a vontade constante dela de ir embora, é hora de repetir o procedimento para o olho esquerdo. Isso significa que quando estou atrasada saio porta afora e só enxergo o que Deus quiser. E quer saber? Por incrível que pareça, ter que falar menos e não enxergar direito nos dias de hoje pode ser ideal - pense nisso... Com bons ouvidos e um nariz que fareja confusão, você está mais que preparada para dias de chuva e tardes de sol :)

Head shoulders knees and toes por Érika Amâncio

Da cabeça só falta mesmo sair fumaça. Os ombros viraram tábua de bater bife. Os joelhos têm aquele básico problema de junta: junta tudo e joga fora! Tocar os dedos do pé dá direito a uma torta de limão ao final do dia. Esse é o retrato de várias mulheres do século XXI, que devido à insistência burra em direitos iguais, agora choram por carregar meio mundo nas costas. E obviamente a diversão não acaba aí. Tem também as ites e as ias. Vamos a um bem comum: miopia. É muito engraçado esse negócio de não enxergar direito, principalmente se, como eu, você é aquela pessoa que acredita no 0.01% de chance de uma cirurgia dar errado. Por esse motivo não retirei um cisto das cordas vocais, que foi detectado há alguns anos como um brinde no pacote de nome Érika Amâncio - nasceu, cresceu, casou-se, teve filhos e não quer morrer de jeito nenhum. Fico possessa com as infelicidades que consigo produzir oralmente em várias ocasiões, mas não poder produzi-las at all transformaria meu coração num tumor maligno. Trato, controlo, mas está lá. O mesmo acontece com os olhos - minha miopia pede óculos, chegamos a esse ponto. Mas quem? Onde? Por quê? E nessa onda a gente vai driblando as limitações com descontração, jogo de cintura... e lentes de contato. Posso dormir com as minhas por cinco dias, mas no quinto dia impreterivelmente devo retirá-las, fechar os olhos e reencontrá-las alegremente na manhã seguinte. Devo repetir esse procedimento nove vezes, e ao final de quarenta e cinco dias, é necessário descartá-las e usar outras. O primeiro problema é a matemática. Você calcula quanto tem por mês pra gastar no supermercado, quantas vezes deve comer por quantas horas, quantas calorias o dia te oferece, quanto tempo falta para tomar a próxima pílula e ainda tem que calcular quantos dias você tem para tirar, pôr e mandar a lente pro inferno sem direito a purgatório. O segundo e não menos importante é o sofrimento para colocá-las. Se ao menos vendessem aquele aparato do Laranja Mecânica para abrir os olhos... Mas não: é o seu-vizinho da mão esquerda puxando a pele do olho embaixo, o fura-bolo segurando a lente e o pai-de-todos da mão direita abrindo o olho em cima. Em outras palavras: ninguém merece. Quando nossa amiga finalmente se acopla ao olho, após várias lágrimas e a vontade constante dela de ir embora, é hora de repetir o procedimento para o olho esquerdo. Isso significa que quando estou atrasada saio porta afora e só enxergo o que Deus quiser. E quer saber? Por incrível que pareça, ter que falar menos e não enxergar direito nos dias de hoje pode ser ideal - pense nisso... Com bons ouvidos e um nariz que fareja confusão, você está mais que preparada para dias de chuva e tardes de sol :)

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

SHOW SERGIO DI NAPOLI 05/11/2010


Ei, pessoal,

Estou passando pra divulgar o show de um amigo meu extremamente talentoso chamado Sergio Di Napoli. O show é maravilhoso, tem poesia, dança e muitas canções italianas tradicionais, vale muito a pena! Os ingressos estão sendo vendidos a 25,00, mas somente essa semana a venda antecipada acontece, com ingressos a 15,00. Fica aqui a minha dica para quem gosta de programas culturais de qualidade e espetáculos de encher os olhos...

Data: 5/11/2010
Local: Teatro Izabela Hendrix
Horário: 20.30

Outras informações no http://www.sergiodinapoli.com

Abraço a todos,

Érika

SHOW SERGIO DI NAPOLI 05/11/2010


Ei, pessoal,

Estou passando pra divulgar o show de um amigo meu extremamente talentoso chamado Sergio Di Napoli. O show é maravilhoso, tem poesia, dança e muitas canções italianas tradicionais, vale muito a pena! Os ingressos estão sendo vendidos a 25,00, mas somente essa semana a venda antecipada acontece, com ingressos a 15,00. Fica aqui a minha dica para quem gosta de programas culturais de qualidade e espetáculos de encher os olhos...

Data: 5/11/2010
Local: Teatro Izabela Hendrix
Horário: 20.30

Outras informações no http://www.sergiodinapoli.com

Abraço a todos,

Érika

Alice

That morning she woke up with a funny feeling. She had felt sick for the past twenty and something days, but hadn't told anybody. Her body was somehow strange, but again she kept it to herself. Her period was late, and it was simply not supposed to be. Then it happened: the night before she had a dream. She saw an angel's face; her body; her tiny  little self. How cute she was! How curious... She wanted to do everything at the same time. Her name was Alice. The next day she knew it: no matter what people would say, there was life inside of her. The idea of having been chosen to show somebody the way filled her with joy, with purpose. There was nothing to worry about - suddenly she had decided to give herself a chance, she had spotted some light at the end of the endless dark night her life had become. She dreamed about Alice, her lively colours and her fluffy hands, her pink cheeks and such a sweet smile... Needless to say, she took a pregnancy test and  the result was a bit... let's say... unclear. She was confused. It was time to share the whole thing. There was only one person she felt like calling, the least accessible, the furthest, the least interested - in other words, the most important. There was no phone number, no address: she sent an email. A couple of days went by, and then another. Alice is here anyway, full of light, ready to show me how to live. She looked for a doctor and had a blood test - nobody was there. Nothing. Absolute emptiness. She couldn't understand that it was not the right man or the right time. She stopped believing and never smiled  again. Her beauty was gone, and  little by little she gave herself away, till her heart no longer felt like beating. All she ever wanted was all she never needed. Her name was Alice.

Alice

That morning she woke up with a funny feeling. She had felt sick for the past twenty and something days, but hadn't told anybody. Her body was somehow strange, but again she kept it to herself. Her period was late, and it was simply not supposed to be. Then it happened: the night before she had a dream. She saw an angel's face; her body; her tiny  little self. How cute she was! How curious... She wanted to do everything at the same time. Her name was Alice. The next day she knew it: no matter what people would say, there was life inside of her. The idea of having been chosen to show somebody the way filled her with joy, with purpose. There was nothing to worry about - suddenly she had decided to give herself a chance, she had spotted some light at the end of the endless dark night her life had become. She dreamed about Alice, her lively colours and her fluffy hands, her pink cheeks and such a sweet smile... Needless to say, she took a pregnancy test and  the result was a bit... let's say... unclear. She was confused. It was time to share the whole thing. There was only one person she felt like calling, the least accessible, the furthest, the least interested - in other words, the most important. There was no phone number, no address: she sent an email. A couple of days went by, and then another. Alice is here anyway, full of light, ready to show me how to live. She looked for a doctor and had a blood test - nobody was there. Nothing. Absolute emptiness. She couldn't understand that it was not the right man or the right time. She stopped believing and never smiled  again. Her beauty was gone, and  little by little she gave herself away, till her heart no longer felt like beating. All she ever wanted was all she never needed. Her name was Alice.

sábado, 23 de outubro de 2010

Quis dizer

Deixei-a falando sozinha, aquela moça tão bela quanto uma pintura antiga. Eram sete horas - dei- lhe a mão, ela tomou-me pelo braço. Fazia frio e ela olhava ao redor, como se ansiasse por um espetáculo à beira do lago para compor a noite branca que caía sobre nossas cabeças. Olhava para ela, e dentro daqueles olhos fundos e tristes encontrava a resposta.  Não conseguia ler o que seus lábios me diziam - só queria vê-la, seus cabelos negros cintilando ao vento, a pele clara, mãos que se mexiam e tentavam edificar castelos interminados, intermináveis... Como fazia saltar meu coração a presença daquela alma incompleta! Não conseguia saber o que ela sabia, o que faria, não queria, não mais, não valeria a pena. Não tinha forças para sair do lugar, braços dados, aroma de noite de lua cheia - chega. Sua falta de pureza era pura demais; personagem de um filme dirigido por mim, feito por nós dois. Tínhamos uma história que já havia-me roubado tantas noites de sono bom, tantos sonhos, tantas realidades. Podia ser suficiente. Disse-me que tinha sono, e  recostou-se em meu ombro já cansado. Fiquei ali, imóvel, perplexo. Tudo em mim era mito e eu precisava saber. Te amo, eu disse. Eu disse que a amava e me levantei. Caminhei sem olhar para trás, a passos largos, sem esperar o que viria depois, as mãos nos bolsos, sem mais ou alguém., tudo girando por dentro. Ainda hoje guardo na memória essa lembrança, e sinto uma coisa estranha a cada lua cheia. Eu só queria poder dizer.

Quis dizer

Deixei-a falando sozinha, aquela moça tão bela quanto uma pintura antiga. Eram sete horas - dei- lhe a mão, ela tomou-me pelo braço. Fazia frio e ela olhava ao redor, como se ansiasse por um espetáculo à beira do lago para compor a noite branca que caía sobre nossas cabeças. Olhava para ela, e dentro daqueles olhos fundos e tristes encontrava a resposta.  Não conseguia ler o que seus lábios me diziam - só queria vê-la, seus cabelos negros cintilando ao vento, a pele clara, mãos que se mexiam e tentavam edificar castelos interminados, intermináveis... Como fazia saltar meu coração a presença daquela alma incompleta! Não conseguia saber o que ela sabia, o que faria, não queria, não mais, não valeria a pena. Não tinha forças para sair do lugar, braços dados, aroma de noite de lua cheia - chega. Sua falta de pureza era pura demais; personagem de um filme dirigido por mim, feito por nós dois. Tínhamos uma história que já havia-me roubado tantas noites de sono bom, tantos sonhos, tantas realidades. Podia ser suficiente. Disse-me que tinha sono, e  recostou-se em meu ombro já cansado. Fiquei ali, imóvel, perplexo. Tudo em mim era mito e eu precisava saber. Te amo, eu disse. Eu disse que a amava e me levantei. Caminhei sem olhar para trás, a passos largos, sem esperar o que viria depois, as mãos nos bolsos, sem mais ou alguém., tudo girando por dentro. Ainda hoje guardo na memória essa lembrança, e sinto uma coisa estranha a cada lua cheia. Eu só queria poder dizer.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Telefone mudo não pode chamar*

Por que a gente não pode simplesmente não atender ao telefone? Por que a gente não pode dizer que não, que não teve forças para alcançar o danado do bicho que tocava sem parar? Que o cansaço nos jogou no sofá de roupa e tudo e por lá nos deixou, imóveis, desatentos, desalmados? Por que parece um pecado mortal ver o telefone vibrar, acender, cantar o hino do seu time e preferir não se manifestar? Será que algum dia alguém vai entender se você disser que não atendeu porque falou tanto durante o dia que naquela hora não queria mais? A vida muda se você desligar o telefone e doar aquele tempo para você? E o banheiro, o jantar, a discussão em casa, a visita, a aula particular... vão para a caixa do "ela não atende"? E a dor de cabeça, a hora de ler um bom livro, um fechar de olhos para encontrar um lugar distante, são meras moedas jogadas no poço dos desesperançosos que um belo dia você tomará seu lindo aparelho nas mãos e atenderá sorrindo, em êxtase, pronta para ouvir o que der e vier, para estar em qualquer lugar em dois minutos? Você tem momentos pra você?  Você tem comido bem? O que é que você anda sentindo? Do que você precisa? Quem você é e que lugar você ocupa no mundo? Dentro de você? Você tem que pagar pra falar sobre isso? É pra isso que as pessoas te ligam? Não? O que é que elas te perguntam? POR QUE É QUE VOCÊ NÃO ATENDE O TELEFONE? POR QUE É QUE VOCÊ NÃO LIGA DE VOLTA? É importante para as pessoas separar as pessoas em caixas com etiquetas de padrões recorrentes? Por que é que tanta gente gasta tanto dinheiro com telefone? Por que o ser humano é tão sozinho e tem tanto medo de ser? Por que esse paradoxo de você não colocar créditos no seu celular pra evitar de usá-lo ao máximo e precisar ligar pra tanta gente que pede pra você dar um toquinho a cobrar mesmo sabendo que você não suporta a idéia e que vão te jogar isso na cara depois? Por que sua própria companhia é tão insuportável pra você e deve ser agradável para os outros? E quem disse que é isso o que você quer? Será que eu poderia estar jogada no sofá de roupa e tudo numa hora dessa, sentindo-me um peixe frito à milanesa bem temperado e pensando no barulho do mar? Hum... acho que poderia, sim...
*inspiração do Trio Parada Dura

Telefone mudo não pode chamar*

Por que a gente não pode simplesmente não atender ao telefone? Por que a gente não pode dizer que não, que não teve forças para alcançar o danado do bicho que tocava sem parar? Que o cansaço nos jogou no sofá de roupa e tudo e por lá nos deixou, imóveis, desatentos, desalmados? Por que parece um pecado mortal ver o telefone vibrar, acender, cantar o hino do seu time e preferir não se manifestar? Será que algum dia alguém vai entender se você disser que não atendeu porque falou tanto durante o dia que naquela hora não queria mais? A vida muda se você desligar o telefone e doar aquele tempo para você? E o banheiro, o jantar, a discussão em casa, a visita, a aula particular... vão para a caixa do "ela não atende"? E a dor de cabeça, a hora de ler um bom livro, um fechar de olhos para encontrar um lugar distante, são meras moedas jogadas no poço dos desesperançosos que um belo dia você tomará seu lindo aparelho nas mãos e atenderá sorrindo, em êxtase, pronta para ouvir o que der e vier, para estar em qualquer lugar em dois minutos? Você tem momentos pra você?  Você tem comido bem? O que é que você anda sentindo? Do que você precisa? Quem você é e que lugar você ocupa no mundo? Dentro de você? Você tem que pagar pra falar sobre isso? É pra isso que as pessoas te ligam? Não? O que é que elas te perguntam? POR QUE É QUE VOCÊ NÃO ATENDE O TELEFONE? POR QUE É QUE VOCÊ NÃO LIGA DE VOLTA? É importante para as pessoas separar as pessoas em caixas com etiquetas de padrões recorrentes? Por que é que tanta gente gasta tanto dinheiro com telefone? Por que o ser humano é tão sozinho e tem tanto medo de ser? Por que esse paradoxo de você não colocar créditos no seu celular pra evitar de usá-lo ao máximo e precisar ligar pra tanta gente que pede pra você dar um toquinho a cobrar mesmo sabendo que você não suporta a idéia e que vão te jogar isso na cara depois? Por que sua própria companhia é tão insuportável pra você e deve ser agradável para os outros? E quem disse que é isso o que você quer? Será que eu poderia estar jogada no sofá de roupa e tudo numa hora dessa, sentindo-me um peixe frito à milanesa bem temperado e pensando no barulho do mar? Hum... acho que poderia, sim...
*inspiração do Trio Parada Dura

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Anjos e demônios

Tenho uma blusa muito bonitinha, que tive até trabalho pra comprar. Ela é bem simples, cinza escuro, com um diabinho de um lado e um anjinho do outro. No dia em que eu a vi, soube de imediato que a idéia era boa demais pra ser verdade. Passei a usá-la com frequência, e, coincidência ou não, comecei a notar uma coisa: sempre que eu me deparava com qualquer situação, ouvia dois conselhos, total e completamente opostos. Se uma amiga tomava uma decisão infeliz e pedia minha opinião, uma vozinha me dizia para ser sincera, enquanto a outra queria que eu fosse delicada. Se alguém falava o que não devia, o lado de lá me persuadia a apontar o problema, enquanto o de cá me ensinava a fingir que não vi, porque a pessoa há de se tocar sozinha. Se um colega de trabalho se gabava em cima da idéia do outro, era prontamente orientada a quebrar o pau e a aceitar que é assim que o mundo gira, com a esperança de que a próxima volta  fosse mais interessante. Por fim, presenciei uma série de alfinetadas desagradáveis que doeram como picadas de marimbondo. Meus amigos foram categóricos: mostre o dedo pra esse palhaço!/ reze pela alma dele. Tirei a blusa e a guardei no fundo mais fundo do meu guarda-roupa, cheia de medo do escuro.  O problema foi um só: por mais que tenha tentado, jamais consegui distinguir quem era o anjo e quem era o demônio.

Anjos e demônios

Tenho uma blusa muito bonitinha, que tive até trabalho pra comprar. Ela é bem simples, cinza escuro, com um diabinho de um lado e um anjinho do outro. No dia em que eu a vi, soube de imediato que a idéia era boa demais pra ser verdade. Passei a usá-la com frequência, e, coincidência ou não, comecei a notar uma coisa: sempre que eu me deparava com qualquer situação, ouvia dois conselhos, total e completamente opostos. Se uma amiga tomava uma decisão infeliz e pedia minha opinião, uma vozinha me dizia para ser sincera, enquanto a outra queria que eu fosse delicada. Se alguém falava o que não devia, o lado de lá me persuadia a apontar o problema, enquanto o de cá me ensinava a fingir que não vi, porque a pessoa há de se tocar sozinha. Se um colega de trabalho se gabava em cima da idéia do outro, era prontamente orientada a quebrar o pau e a aceitar que é assim que o mundo gira, com a esperança de que a próxima volta  fosse mais interessante. Por fim, presenciei uma série de alfinetadas desagradáveis que doeram como picadas de marimbondo. Meus amigos foram categóricos: mostre o dedo pra esse palhaço!/ reze pela alma dele. Tirei a blusa e a guardei no fundo mais fundo do meu guarda-roupa, cheia de medo do escuro.  O problema foi um só: por mais que tenha tentado, jamais consegui distinguir quem era o anjo e quem era o demônio.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Listen

É preciso ouvir as pessoas como se não houvesse amanhã. Porque se você parar pra pensar, já era. O mal do século não é o global warming nem a AIDS: é o egocentrismo. A todo momento surge alguém dos lugares mais incríveis pra falar de suas realizações sensacionais. É uma necessidade tão grande que hoje em dia não existe sequer aquele alerta para o bom senso, aquela tentativa de "pseudo-preocupação" com o outro, nem que seja para suprir padrões sociais. Se você planta uma árvore e conta para um amigo, ele não pensa em nada a não ser na ligação da palavra "árvore" com um feito próprio. Deixe-me ver... árvore... ah, sim, claro! Subi em uma árvore em 1977 e quase quebrei o braço! Seu dia foi ruim? Ih, nem queira saber do meu! Foi bom? Ah, mas isso é porque você ainda não ouviu o que aconteceu comigo hoje... Foi muito interessante aquela propaganda da tesourinha da Disney (eu tenho, você não tem) ter sido censurada. Que isso, temos que censurar pra termos o direito de ensinar  o egocentrismo em casa sem a ajuda de ninguém! A única coisa que se escuta hoje é a própria voz, ecoando pelas paredes do corpo como faixas do Itunes - tão diversas, tão estimulantes, tão minhas que poderia entreter-me para o resto da vida. Então por que o outro? Para que o outro? Porque contar pra mim não tem a menor graça. Preciso que alguém me ouça, somente me ouça no mais puro silêncio e com muita atenção enquanto eu capto cada nuance do meu timbre, enquanto eu entretenho minha platéia cálida e ansiosa,  enquanto eu não acredito no quanto sou interessante. Mas e aquele que me ouve? Aquele que me ouve sorri com apreço, não se arrisca a dizer que não tenho razão. Sempre me ouve, mas só escuta as batidas do seu próprio coração.

Listen

É preciso ouvir as pessoas como se não houvesse amanhã. Porque se você parar pra pensar, já era. O mal do século não é o global warming nem a AIDS: é o egocentrismo. A todo momento surge alguém dos lugares mais incríveis pra falar de suas realizações sensacionais. É uma necessidade tão grande que hoje em dia não existe sequer aquele alerta para o bom senso, aquela tentativa de "pseudo-preocupação" com o outro, nem que seja para suprir padrões sociais. Se você planta uma árvore e conta para um amigo, ele não pensa em nada a não ser na ligação da palavra "árvore" com um feito próprio. Deixe-me ver... árvore... ah, sim, claro! Subi em uma árvore em 1977 e quase quebrei o braço! Seu dia foi ruim? Ih, nem queira saber do meu! Foi bom? Ah, mas isso é porque você ainda não ouviu o que aconteceu comigo hoje... Foi muito interessante aquela propaganda da tesourinha da Disney (eu tenho, você não tem) ter sido censurada. Que isso, temos que censurar pra termos o direito de ensinar  o egocentrismo em casa sem a ajuda de ninguém! A única coisa que se escuta hoje é a própria voz, ecoando pelas paredes do corpo como faixas do Itunes - tão diversas, tão estimulantes, tão minhas que poderia entreter-me para o resto da vida. Então por que o outro? Para que o outro? Porque contar pra mim não tem a menor graça. Preciso que alguém me ouça, somente me ouça no mais puro silêncio e com muita atenção enquanto eu capto cada nuance do meu timbre, enquanto eu entretenho minha platéia cálida e ansiosa,  enquanto eu não acredito no quanto sou interessante. Mas e aquele que me ouve? Aquele que me ouve sorri com apreço, não se arrisca a dizer que não tenho razão. Sempre me ouve, mas só escuta as batidas do seu próprio coração.

domingo, 17 de outubro de 2010

Grave

Emagreci e encompridei - meu cabelo cresceu. A chuva caiu e molhou mais coisas  do que de costume dessa vez (achei engraçado). O caminho das minhas palavras se estendeu também: preciso lutar para que elas possam driblar obstáculos fisiológicos e nascer, mesmo que logo em seguida se percam pelas esquinas cheias de gente... Ando cantando pouco e falando demais, e todos os dias quando acordo sinto meu corpo mais magro, meu cabelo mais comprido e minha  voz mais grave. Há quem diga que é natural, que deveria me cuidar, que isso ou aquilo vai ajudar, mas ninguém diz que está bom assim. Emagreci e encompridei, meu cabelo cresceu... e nada mudou. Só tenho a minha voz para contar-me em passos roucos o que se passou, para dizer-me em notas graves que eu não posso me importar.

Grave

Emagreci e encompridei - meu cabelo cresceu. A chuva caiu e molhou mais coisas  do que de costume dessa vez (achei engraçado). O caminho das minhas palavras se estendeu também: preciso lutar para que elas possam driblar obstáculos fisiológicos e nascer, mesmo que logo em seguida se percam pelas esquinas cheias de gente... Ando cantando pouco e falando demais, e todos os dias quando acordo sinto meu corpo mais magro, meu cabelo mais comprido e minha  voz mais grave. Há quem diga que é natural, que deveria me cuidar, que isso ou aquilo vai ajudar, mas ninguém diz que está bom assim. Emagreci e encompridei, meu cabelo cresceu... e nada mudou. Só tenho a minha voz para contar-me em passos roucos o que se passou, para dizer-me em notas graves que eu não posso me importar.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Suddenly

When I met him
from out of nowhere
the world became a better place.
I was sitting here
he was standing there;
I looked up and could no longer
stand the pace.
There I was, the wild thing
hungry and charmless
easy and careless
eager to learn how to tie his lace
full of loveburns all over my face
till the day I closed the door.

Suddenly I was out of time or space;
life was no more than a filthy rat race!
Gambling with luck
or escaping from grace?
I could never tell which hurts more.

Suddenly

When I met him
from out of nowhere
the world became a better place.
I was sitting here
he was standing there;
I looked up and could no longer
stand the pace.
There I was, the wild thing
hungry and charmless
easy and careless
eager to learn how to tie his lace
full of loveburns all over my face
till the day I closed the door.

Suddenly I was out of time or space;
life was no more than a filthy rat race!
Gambling with luck
or escaping from grace?
I could never tell which hurts more.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Lugar-comum

Como é ruim a sensação de não pertencer a lugar nenhum! Falta de amarras gera tanta culpa e angústia... Culpa por não pensar no que faz parte da minha vida agora como o que deveria fazer; angústia ao estender o mapa mundi sobre a mesa, olhar para todos aqueles lugares e não saber para onde ir, porque nenhum deles me sorri, nenhum deles me convida a largar tudo e me entregar. Um outro lugar não pode te prometer uma outra vida, mas estou cheia de tentar sair do lugar que eu insisto em ocupar dentro de mim... exausta!  Entendo mas não acho que consigo aprender - não dá tempo! Sinto-me perdida  em meio a tanta opinião, tanta pressão, tantas bocas cheias de razão proclamando o absurdo aos quatro ventos  sobre minha vida sem que eu  ao menos peça... Convivo vinte e quatro horas comigo mesma e ainda não sei o que fazer. Trabalho, trabalho, durmo e acordo pensando no trabalho sem ver a cor do dinheiro. Trabalho sabendo que não vou ascender, trabalho para pagar, para esquecer, para sobreviver nessa capitania tão provinciana quanto longe da praia. Trabalho e engulo sapos que me deixam rouca - mas insisto em cantar. Trabalho e quando chego em casa trabalho mais, e não consigo dormir pensando no trabalho - mas insisto em acordar e dançar. Trabalho para bancar meus luxos, meus caprichos, e às vezes penso que com um pouco mais de vontade poderia guardar o dinheiro dessas pequenas anestesias diárias e deixar-me sofrer muitíssimo, até que esse sofrimento forçasse uma mudança. Um projeto audacioso: botar a vida na mala e ir de encontro ao destino como em um casamento arranjado; dar o seu melhor num lugar melhor, e ter a esperança que qualquer lugar no mundo deve ser mais interessante que esse em que você trabalha, reclama e vê televisão.Tenho medo, mas afinal, a gente sempre tem medo quando sabe que tem que mudar. Seja como for, na alegria ou na tristeza, na saúde ou na doença, não acredito mais em sorrir sem sair do lugar.  Dói o peito ao pensar no que não poderei levar comigo. Egoista, desculpadamente humana... capricorniana, uai! Pode deixar que darei o primeiro passo assim que tiver pra mim que o preço é justo.

Lugar-comum

Como é ruim a sensação de não pertencer a lugar nenhum! Falta de amarras gera tanta culpa e angústia... Culpa por não pensar no que faz parte da minha vida agora como o que deveria fazer; angústia ao estender o mapa mundi sobre a mesa, olhar para todos aqueles lugares e não saber para onde ir, porque nenhum deles me sorri, nenhum deles me convida a largar tudo e me entregar. Um outro lugar não pode te prometer uma outra vida, mas estou cheia de tentar sair do lugar que eu insisto em ocupar dentro de mim... exausta!  Entendo mas não acho que consigo aprender - não dá tempo! Sinto-me perdida  em meio a tanta opinião, tanta pressão, tantas bocas cheias de razão proclamando o absurdo aos quatro ventos  sobre minha vida sem que eu  ao menos peça... Convivo vinte e quatro horas comigo mesma e ainda não sei o que fazer. Trabalho, trabalho, durmo e acordo pensando no trabalho sem ver a cor do dinheiro. Trabalho sabendo que não vou ascender, trabalho para pagar, para esquecer, para sobreviver nessa capitania tão provinciana quanto longe da praia. Trabalho e engulo sapos que me deixam rouca - mas insisto em cantar. Trabalho e quando chego em casa trabalho mais, e não consigo dormir pensando no trabalho - mas insisto em acordar e dançar. Trabalho para bancar meus luxos, meus caprichos, e às vezes penso que com um pouco mais de vontade poderia guardar o dinheiro dessas pequenas anestesias diárias e deixar-me sofrer muitíssimo, até que esse sofrimento forçasse uma mudança. Um projeto audacioso: botar a vida na mala e ir de encontro ao destino como em um casamento arranjado; dar o seu melhor num lugar melhor, e ter a esperança que qualquer lugar no mundo deve ser mais interessante que esse em que você trabalha, reclama e vê televisão.Tenho medo, mas afinal, a gente sempre tem medo quando sabe que tem que mudar. Seja como for, na alegria ou na tristeza, na saúde ou na doença, não acredito mais em sorrir sem sair do lugar.  Dói o peito ao pensar no que não poderei levar comigo. Egoista, desculpadamente humana... capricorniana, uai! Pode deixar que darei o primeiro passo assim que tiver pra mim que o preço é justo.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

O dia em que eu andei pela estrada afora bem sozinha

Hoje por acaso acabei reparando nas coisas em que eu escrevo. Passei pelo fundo do poço, pela beira do rio, sujei os pés e pulei do alto mais alto, foi mais ou menos isso o que eu fui sentindo. Sorvi o feio e o bonito, absorvi os estragos da tristeza que sempre purifica, redesenhei minha estrada com a ajuda das migalhas graúdas salpicadas por essa saga de incontáveis peripécias. Banhei-me em minha própria alma, nesse emaranhado de idéias longas, confusas, e o gosto foi suave. Ando devagar e presto mais atenção, novas virtudes simpáticas que vieram para me dizer uma coisa - e eu ouvi porque agora ouço e por isso sei de onde vêm as histórias. Por tantas vezes abri os braços em meus contos, por tantas vezes fechei os olhos em meus poemas... como esperei! Mas em que plano isso acontece? À sombra da vida eu vou assim: braços junto ao corpo, mãos nos bolsos ou em um lugar seguro; sorrisos curtos, olhos abertos presos ao nó na garganta, olhos que não sonham mais. Medo de esperar. Medo de você. Medo de mim e dessa luz que me obriga a escolher pão ou vinho. Como eu queria, mas não, não espero; não abro os braços; não fecho os olhos - ando devagar e presto mais atenção, novas virtudes simpáticas que me convenceram a ficar e, quando o coração apertar... escrever. 

O dia em que eu andei pela estrada afora bem sozinha

Hoje por acaso acabei reparando nas coisas em que eu escrevo. Passei pelo fundo do poço, pela beira do rio, sujei os pés e pulei do alto mais alto, foi mais ou menos isso o que eu fui sentindo. Sorvi o feio e o bonito, absorvi os estragos da tristeza que sempre purifica, redesenhei minha estrada com a ajuda das migalhas graúdas salpicadas por essa saga de incontáveis peripécias. Banhei-me em minha própria alma, nesse emaranhado de idéias longas, confusas, e o gosto foi suave. Ando devagar e presto mais atenção, novas virtudes simpáticas que vieram para me dizer uma coisa - e eu ouvi porque agora ouço e por isso sei de onde vêm as histórias. Por tantas vezes abri os braços em meus contos, por tantas vezes fechei os olhos em meus poemas... como esperei! Mas em que plano isso acontece? À sombra da vida eu vou assim: braços junto ao corpo, mãos nos bolsos ou em um lugar seguro; sorrisos curtos, olhos abertos presos ao nó na garganta, olhos que não sonham mais. Medo de esperar. Medo de você. Medo de mim e dessa luz que me obriga a escolher pão ou vinho. Como eu queria, mas não, não espero; não abro os braços; não fecho os olhos - ando devagar e presto mais atenção, novas virtudes simpáticas que me convenceram a ficar e, quando o coração apertar... escrever. 

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Um coração simples

Tem dias em que a gente fica assim: não sabe se olha pra um lado ou pro outro, não entende muito bem se são duas ou cinco, quinta ou segunda. Tem dias em que a gente coloca o livro na mesa, prepara o terreno e não consegue reunir forças suficientes para abri-lo. Aí a gente liga a tevê e não tem nada bom. Checa o calendário para ter certeza de que os dias têm passado, de que o futuro tem se tornado menor a cada manhã. Sempre ansiei pelo simples, até ler uma obra-prima de Flaubert chamada "Um coração simples" e ser dilacerada pelo valor atribuído à mediocridade. Concluí que talvez por nunca tê-lo percebido, acabo me esgueirando  pelo complicado. É aí que começa nossa história.

Ao cair da noite, sempre me enamorava daquela luzinha pequena bem no alto da montanha. Por noites incontáveis fiz o pedido à primeira estrela, por anos e anos. Não sei mais quando comecei com isso, ou quem havia profetizado o ritual. Apenas aconteceu de alguém me dizer que era de praxe fazer um pedido à primeira estrela a surgir no céu - assim o fiz. Todas as noites esperava que ela aparecesse, para, então, recitar minha prece - num segundo nada doía: estava salva. Outro dia me disseram que a  minha estrela  é sempre a mesma: o planeta Vênus. Jamais havia me ocorrido que o simples pudesse ser assim tão  idiota.  Respirei com dificuldade e decidi abrir os braços para a novidade; precisava do imprevisível. 

Hoje um bicho enorme chegou fazendo muito barulho pela janela da frente - caiu no chão e não fez mais barulho nenhum. Senti uma pontada na boca do estômago, um incômodo físico indescritível que sempre vem  junto com a presença inesperada de um bicho enorme. Dei-me um banho de pânico; mergulhei de cabeça em todas as dores e os dissabores de um encontro inoportuno. Levantei-me da mesa com a sensação de que iria desmaiar a qualquer momento e caminhei trêmula até a porta da varanda. É esse o meu pedido de hoje, Senhor: só peço para conseguir fechar essa porta sem que esse bicho me engula viva ou me paralise para sempre com um toque gélido de horror! Por conta principalmente da idade, não achei que seria capaz de manobra tão audaciosa. Agarrei-me à porta como ao último copo de cerveja da festa e as duas metades se encontraram em fração de segundos.  Sentei-me devagar e tentei, com o pouco de classe que restava, ajeitar o cabelo e me recompor. O bicho continuava lá, aquele ser absolutamente intragável dentro da minha casa! Um animal vil,  capaz de tolher minha liberdade, invadir  completamente meu espaço. Lembrei-me  de um tio muito interessante que me respondeu quando eu o convidei para uma visita: Olha, Érika, isso eu não vou prometer, porque visita é tão chata para quem faz quanto para quem recebe. Você está na sua casa tranquilo, com sua cueca velha e sua blusa furada, quando o interfone toca e a visita forçosamente alegre anuncia que resolveu dar uma passadinha. Nada mais inconveniente. Pensei muito nisso até, sem saber exatamente como, chegar ao seguinte raciocínio: a tal criatura poderia ser ingênua, quem sabe até amiga? Poderia ter se perdido ao voltar para casa, poderia estar triste ou machucada. Imaginei-me naquela cena clássica: a menina que ama o natural, que não tem medo da relva, que estabelece com os amigos do campo uma espécie de comunhão, pegando o bichinho pela mão e devolvendo-o à natureza selvagem... Desse pensamento veio a idéia  de que  talvez ele tivesse algo a me dizer - talvez eu devesse respirar fundo e deixá-lo entrar. Afinal, ele poderia ser minha conexão com o mundo espiritual, e certamente eu contaria essa história para algum conhecedor do assunto e ele me diria com ar desolado que esse tipo de contato só se dá a cada duzentos anos, e que a cigarra-besouro-louva-deus era na verdade um dos mil disfarces de Jesus. A essa altura, já não sabia que horas eram; o telefone tocava e eu não queria atender - e se eu atrapalhasse o fluxo de energia? Ouvi um barulho na porta - ah, não, agora não! Rezei, pedi a Deus perdão por não ter sabido conduzir a situação  de forma a praticamente boicotar meu enlace cósmico, e já ia me levantar novamente quando me dei conta que a porta abrindo era a do vizinho. Assustei-me e espirrei. 

Nesse momento, nosso irmão camarada, talvez por causa do barulho, talvez porque estava na hora, começou a se mexer. Vou dizer uma coisa a vocês, bem entre nós, e que Deus me perdoe: se esse bicho era Jesus, é fácil compreender porque o inferno está cheio. A mosca geneticamente modificada - que com meus invejáveis conhecimentos botânicos classifiquei como cigarra por causa dos gritos - ressuscitou das cinzas e começou a debater-se furiosamente contra o vidro da porta. Ao constatar que não conseguia entrar, ela caiu no chão e emitiu um gemido de dor, de tédio, de qualquer coisa que demonstrasse a mais profunda insatisfação. A cada episódio, eu entrava em transe - fazia um saco com as próprias mãos e respirava desordenadamente, tentando resgatar qualquer outro tipo de reação sem qualquer tipo de sucesso. Imaginei as inúmeras vezes em que acampei, os banhos de rio, os mergulhos em cachoeiras, os pés descalços em terras desconhecidas... ONDE FOI QUE EU ARRUMEI CORAGEM? Fechei todas as portas e janelas, entrei debaixo do cobertor sem sequer sentir os nossos vinte e nove graus, liguei a televisão no máximo  e trouxe o telefone comigo, caso precisasse contactar o SAMU. Tomara que esse bicho morra ou desapareça - o importante é ele não estar aqui amanhã, pensei com meus botões.  Acomodei-me em meu travesseiro macio e pensei em Flaubert. Consegui enfim enxergar a beleza de ser medíocre.

Um coração simples

Tem dias em que a gente fica assim: não sabe se olha pra um lado ou pro outro, não entende muito bem se são duas ou cinco, quinta ou segunda. Tem dias em que a gente coloca o livro na mesa, prepara o terreno e não consegue reunir forças suficientes para abri-lo. Aí a gente liga a tevê e não tem nada bom. Checa o calendário para ter certeza de que os dias têm passado, de que o futuro tem se tornado menor a cada manhã. Sempre ansiei pelo simples, até ler uma obra-prima de Flaubert chamada "Um coração simples" e ser dilacerada pelo valor atribuído à mediocridade. Concluí que talvez por nunca tê-lo percebido, acabo me esgueirando  pelo complicado. É aí que começa nossa história.

Ao cair da noite, sempre me enamorava daquela luzinha pequena bem no alto da montanha. Por noites incontáveis fiz o pedido à primeira estrela, por anos e anos. Não sei mais quando comecei com isso, ou quem havia profetizado o ritual. Apenas aconteceu de alguém me dizer que era de praxe fazer um pedido à primeira estrela a surgir no céu - assim o fiz. Todas as noites esperava que ela aparecesse, para, então, recitar minha prece - num segundo nada doía: estava salva. Outro dia me disseram que a  minha estrela  é sempre a mesma: o planeta Vênus. Jamais havia me ocorrido que o simples pudesse ser assim tão  idiota.  Respirei com dificuldade e decidi abrir os braços para a novidade; precisava do imprevisível. 

Hoje um bicho enorme chegou fazendo muito barulho pela janela da frente - caiu no chão e não fez mais barulho nenhum. Senti uma pontada na boca do estômago, um incômodo físico indescritível que sempre vem  junto com a presença inesperada de um bicho enorme. Dei-me um banho de pânico; mergulhei de cabeça em todas as dores e os dissabores de um encontro inoportuno. Levantei-me da mesa com a sensação de que iria desmaiar a qualquer momento e caminhei trêmula até a porta da varanda. É esse o meu pedido de hoje, Senhor: só peço para conseguir fechar essa porta sem que esse bicho me engula viva ou me paralise para sempre com um toque gélido de horror! Por conta principalmente da idade, não achei que seria capaz de manobra tão audaciosa. Agarrei-me à porta como ao último copo de cerveja da festa e as duas metades se encontraram em fração de segundos.  Sentei-me devagar e tentei, com o pouco de classe que restava, ajeitar o cabelo e me recompor. O bicho continuava lá, aquele ser absolutamente intragável dentro da minha casa! Um animal vil,  capaz de tolher minha liberdade, invadir  completamente meu espaço. Lembrei-me  de um tio muito interessante que me respondeu quando eu o convidei para uma visita: Olha, Érika, isso eu não vou prometer, porque visita é tão chata para quem faz quanto para quem recebe. Você está na sua casa tranquilo, com sua cueca velha e sua blusa furada, quando o interfone toca e a visita forçosamente alegre anuncia que resolveu dar uma passadinha. Nada mais inconveniente. Pensei muito nisso até, sem saber exatamente como, chegar ao seguinte raciocínio: a tal criatura poderia ser ingênua, quem sabe até amiga? Poderia ter se perdido ao voltar para casa, poderia estar triste ou machucada. Imaginei-me naquela cena clássica: a menina que ama o natural, que não tem medo da relva, que estabelece com os amigos do campo uma espécie de comunhão, pegando o bichinho pela mão e devolvendo-o à natureza selvagem... Desse pensamento veio a idéia  de que  talvez ele tivesse algo a me dizer - talvez eu devesse respirar fundo e deixá-lo entrar. Afinal, ele poderia ser minha conexão com o mundo espiritual, e certamente eu contaria essa história para algum conhecedor do assunto e ele me diria com ar desolado que esse tipo de contato só se dá a cada duzentos anos, e que a cigarra-besouro-louva-deus era na verdade um dos mil disfarces de Jesus. A essa altura, já não sabia que horas eram; o telefone tocava e eu não queria atender - e se eu atrapalhasse o fluxo de energia? Ouvi um barulho na porta - ah, não, agora não! Rezei, pedi a Deus perdão por não ter sabido conduzir a situação  de forma a praticamente boicotar meu enlace cósmico, e já ia me levantar novamente quando me dei conta que a porta abrindo era a do vizinho. Assustei-me e espirrei. 

Nesse momento, nosso irmão camarada, talvez por causa do barulho, talvez porque estava na hora, começou a se mexer. Vou dizer uma coisa a vocês, bem entre nós, e que Deus me perdoe: se esse bicho era Jesus, é fácil compreender porque o inferno está cheio. A mosca geneticamente modificada - que com meus invejáveis conhecimentos botânicos classifiquei como cigarra por causa dos gritos - ressuscitou das cinzas e começou a debater-se furiosamente contra o vidro da porta. Ao constatar que não conseguia entrar, ela caiu no chão e emitiu um gemido de dor, de tédio, de qualquer coisa que demonstrasse a mais profunda insatisfação. A cada episódio, eu entrava em transe - fazia um saco com as próprias mãos e respirava desordenadamente, tentando resgatar qualquer outro tipo de reação sem qualquer tipo de sucesso. Imaginei as inúmeras vezes em que acampei, os banhos de rio, os mergulhos em cachoeiras, os pés descalços em terras desconhecidas... ONDE FOI QUE EU ARRUMEI CORAGEM? Fechei todas as portas e janelas, entrei debaixo do cobertor sem sequer sentir os nossos vinte e nove graus, liguei a televisão no máximo  e trouxe o telefone comigo, caso precisasse contactar o SAMU. Tomara que esse bicho morra ou desapareça - o importante é ele não estar aqui amanhã, pensei com meus botões.  Acomodei-me em meu travesseiro macio e pensei em Flaubert. Consegui enfim enxergar a beleza de ser medíocre.