quarta-feira, 30 de julho de 2014

Partilha

Ela saiu às 5 da tarde de uma quarta-feira qualquer. Levava consigo doses de coragem espalhadas na mala, na mala uma confusão de coisas das quais desejava não precisar mais. Simples não era; nada o seria, bradava o coração louco por uma resposta. As pernas se moviam confusas, sem certeza iniciaram uma rota que haveria de compensar a dormência dos pés e das mãos. Parou para sentir sua presença de repente - as bochechas ardiam-lhe como balões a gás. Espasmos involuntários a despertaram do transe de poucos em poucos minutos. Então isso é decidir... Riu de si para si um riso sem alegria ao constatar que o corpo a abandonava. No alto da torre a cabeça funcionava sozinha.

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Partilha

Te encontrei no meio de uma papelada sem fim; sob os olhos chovia fino. Já carregava a sensação há algum tempo, sem saber se ela crescia ou só se alastrava, sem previsão de trégua. E eis que no meio de tantas outras letras e palavras e frases e tramas inteiras, você me chamou a atenção pelo nome em cima daquele montinho de coisas escritas: Partilha. Tomei seu corpinho amassado nas mãos trêmulas e me ocorreu um bocado de ideias, todas tristes. Renascer é triste porque temos que morrer primeiro e morrer, ah, morrer é triste demais, mas morrer em vida, nossa... dói. De alguma forma relacionei a partilha a essa separação dentro de nós que por motivos incertos nos é imposta - por nós mesmos. É como divorciar-se de um pedaço seu, e fazer um esforço para que a decisão seja consensual, para que todas as partes possam dizer amém a essa espécie de morte de uma para a outra. A partilha me lembrou o The road not taken e o orgulho que ostentamos por nossas escolhas. Ou isso ou a paranoia da grama do vizinho (e convenhamos que de paranoia o inferno tá cheio). Tomei seu corpinho amassado nas mãos trêmulas e me ocorreu um bocado de ideias, todas tristes. Entendo hoje que a felicidade se compra a prestação, com os mesmos pesos e medidas de um financiamento imobiliário. É um investimento em uma necessidade básica, suado, a longo prazo, com pagamentos a perder de vista e benefícios para quem for capaz de dar mais. Cada um faz o que pode e o mercado acompanha, e a vida segue, e a gente vai caminhando devagar e desejando sempre um pouco mais de compreensão, de compaixão, de carinho e gentileza, de entrega, de uma mão segurando a sua quando a chuva passar e seu corpo estiver preparado pra rir desse e daquele jeito, pra contar outras histórias e abraçar aquelas que sem cerimônia lhe afagarem os ouvidos. Preferi deixar o que você ia me dizer para um momento mais calmo, e pedi secretamente que esse momento nunca existisse. Porque dói e já doeu um tanto; e eu ainda agora às voltas com os pesos e medidas da vida... Hoje bateu dona curiosidade à porta e me perguntei por onde você andaria. No fundo de uma gaveta escura, dentro de uma caixa perfumada, nas garras de uma vassoura aborrecida? Com fé há de ter com você uma moça boa e despreocupada, que chama de bonito tudo o que é triste e trata com a maior doçura as coisas do coração.