segunda-feira, 28 de junho de 2010

Vuvuzela é a vovozinha! :( !@#$%¨&*#%$#*$%*@#$%!!!!

Realmente, simplesmente, não existe nada mais antisocial. Aqueles sujeitos que se entopem de droga pra dançarem sozinhos a noite inteira em frente à caixa de som da rave devem estar com inveja. Como é que se conversa perto daquilo? Como é que se assiste ao jogo, como se comenta? Mas que bobagem a minha, se esse nem é mesmo o objetivo... Com a epidemia das vuvuzelas, foi triste constatar o número de pessoas carentes no Brasil. Só na minha cidade deve haver pelo menos uma por prédio, todas elas berrando em alto e bom som - e agora vem o mais curioso - haja ou não haja jogo. Entendo como um apelo desesperado: já tem um pessoal usando a alegre buzininha pra chamar o amigo na porta de casa, pra (tentar) cantar mulher, pra substituir banda ou instrumento musical, pra dar susto atrás da porta, pra marcar presença, pra tanta coisa... pra dizer que torce. Quando assisto a algum jogo do Brasil na Copa me lembro da Galoucura no Mineirão. O hino, as músicas, as rimas, os tambores - a voz, o som das pessoas, a emoção de ver e ouvir o jogo. Amo futebol, mas quando assisto ao Brasil, meu peito se enche de angústia pela puta dor de cabeça que vem com essa nova moda. É só isso o que a gente escuta. Não tem ritmo, não tem sonoridade - só dói o ouvido. Será que quem está soprando essa merda sem parar não para um segundinho pra pensar que está atrapalhando todo mundo menos o colega dele que está com uma corneta enfiada na boca? Afinal, os bebês, os doentes e os cansados dessa palhaçada não viajaram pra outro planeta... Pelo amor de Deus, moçada, arrumem o que falar, inventem uma musiquinha nova! Lembrem-se que torcida é grito, é a nossa voz. Achei que o time do Dunga estava caidinho, mas tem que ser muito guerreiro pra jogar sob pressão da Globo e ainda por cima dentro dessa colméia itinerante...

Vuvuzela é a vovozinha! :( !@#$%¨&*#%$#*$%*@#$%!!!!

Realmente, simplesmente, não existe nada mais antisocial. Aqueles sujeitos que se entopem de droga pra dançarem sozinhos a noite inteira em frente à caixa de som da rave devem estar com inveja. Como é que se conversa perto daquilo? Como é que se assiste ao jogo, como se comenta? Mas que bobagem a minha, se esse nem é mesmo o objetivo... Com a epidemia das vuvuzelas, foi triste constatar o número de pessoas carentes no Brasil. Só na minha cidade deve haver pelo menos uma por prédio, todas elas berrando em alto e bom som - e agora vem o mais curioso - haja ou não haja jogo. Entendo como um apelo desesperado: já tem um pessoal usando a alegre buzininha pra chamar o amigo na porta de casa, pra (tentar) cantar mulher, pra substituir banda ou instrumento musical, pra dar susto atrás da porta, pra marcar presença, pra tanta coisa... pra dizer que torce. Quando assisto a algum jogo do Brasil na Copa me lembro da Galoucura no Mineirão. O hino, as músicas, as rimas, os tambores - a voz, o som das pessoas, a emoção de ver e ouvir o jogo. Amo futebol, mas quando assisto ao Brasil, meu peito se enche de angústia pela puta dor de cabeça que vem com essa nova moda. É só isso o que a gente escuta. Não tem ritmo, não tem sonoridade - só dói o ouvido. Será que quem está soprando essa merda sem parar não para um segundinho pra pensar que está atrapalhando todo mundo menos o colega dele que está com uma corneta enfiada na boca? Afinal, os bebês, os doentes e os cansados dessa palhaçada não viajaram pra outro planeta... Pelo amor de Deus, moçada, arrumem o que falar, inventem uma musiquinha nova! Lembrem-se que torcida é grito, é a nossa voz. Achei que o time do Dunga estava caidinho, mas tem que ser muito guerreiro pra jogar sob pressão da Globo e ainda por cima dentro dessa colméia itinerante...

domingo, 27 de junho de 2010

Bolão da Copa

Três reais. É o que te devo, não é? Senti que não foi mera questão de sorte quando apostou em Gana. O que me deixou realmente perplexo foi o fato de você não me conhecer lá tão bem... Incrível... Achei interessante a sua maneira de colocar as coisas, fazendo parecer que o assunto era copa do mundo. Gana e Estados Unidos. Que fabulosa metáfora! Os Estados Unidos, sim, esses têm pai, mãe e endereço - o psicológico, o fisiológico, o administrativo, o conjugal, o letárgico, o duvidoso, o neutro: Estados Unidos da Minha Pessoa. Nunca me passou pela cabeça ser tão humano, nunca havia ponderado as coisas dessa maneira. Os Estados Unidos estão aqui. O que me falta é a Gana, meu rapaz, acertou em cheio. Você diz que ela vai para a próxima fase e eu o compreendo, acredite; não me olhe assim tão perplexo. Agradeço a você pela chance de ainda poder buscá-la. É disso que o mundo precisa: sabedoria genuína, sopro de idéias frescas vindas de qualquer lugar. Não ouse ser modesto, dizer que viu isso na tevê, agora veja você se isso tem cabimento... Entretanto, se ela de alguma forma o inspirou, tem o meu respaldo. Tome logo trinta; tome uma, desça uma pro santo e fique com o troco, que hoje eu ganhei o dia. Nada mais brasileiro que uma solução à base de pinga, futebol e televisão.

Bolão da Copa

Três reais. É o que te devo, não é? Senti que não foi mera questão de sorte quando apostou em Gana. O que me deixou realmente perplexo foi o fato de você não me conhecer lá tão bem... Incrível... Achei interessante a sua maneira de colocar as coisas, fazendo parecer que o assunto era copa do mundo. Gana e Estados Unidos. Que fabulosa metáfora! Os Estados Unidos, sim, esses têm pai, mãe e endereço - o psicológico, o fisiológico, o administrativo, o conjugal, o letárgico, o duvidoso, o neutro: Estados Unidos da Minha Pessoa. Nunca me passou pela cabeça ser tão humano, nunca havia ponderado as coisas dessa maneira. Os Estados Unidos estão aqui. O que me falta é a Gana, meu rapaz, acertou em cheio. Você diz que ela vai para a próxima fase e eu o compreendo, acredite; não me olhe assim tão perplexo. Agradeço a você pela chance de ainda poder buscá-la. É disso que o mundo precisa: sabedoria genuína, sopro de idéias frescas vindas de qualquer lugar. Não ouse ser modesto, dizer que viu isso na tevê, agora veja você se isso tem cabimento... Entretanto, se ela de alguma forma o inspirou, tem o meu respaldo. Tome logo trinta; tome uma, desça uma pro santo e fique com o troco, que hoje eu ganhei o dia. Nada mais brasileiro que uma solução à base de pinga, futebol e televisão.

sábado, 26 de junho de 2010

Acontecer x viver

Deserto. Fome, sede, cabeça enorme forçando o corpo pra baixo. Sinto e deixo doer, caminho em desencanto para um lugar onde não hei de chegar. Prendo o ar, fecho os olhos, tento esvaziar a mente... e choro. Choro porque vejo o fim da linha, porque está claro que por mais que eu olhe, é impossível a essa altura enxergar alguma coisa nova. Olho pro biscoito em cima da mesa: salgado, duro e decidido a não me impressionar. Eu já não tenho forças pra querer; primeiro andei depressa, depois andei devagar e um dia parei pra pensar em mim. Pensei em você. Parei pra pensar e não andei mais, quão irônico é isso?... Gastura, neura que pesa. Pensei no que os outros pensam de mim. Tentei pensar como um outro - perdi o fôlego. Pensei como eu pensaria e me assustei, porque de repente todos os meus pensamentos pertenciam a outras pessoas. Meus erros me deixam com a boca seca. Minhas atitudes extra-curriculares me trazem a azia mais profunda. Medo, por que é que você não acredita em mim quando eu digo que preciso de você? Sono, por que é que você tantas vezes me dá as costas? Cogito uma tentativa de alienação; dois dias em fuga; dois ouvidos desativados e um cérebro 30 horas. Não. Não aceito bem nada ou ninguém trabalhando sem trégua. Não tenho fome e isso não é um pecado. Tenho vontade de dizer que eu não preciso de você, que não faz mal querer outra coisa, que não funciono de manhã e nem trabalho com cheque. EU NÃO TENHO OBRIGAÇÃO DE TE ENTENDER, e é legal você entender isso. Falar não é fazer, querer não é poder, acreditar não é aceitar, compreender não é tão bom quanto amar, e amar não é melhor que esquecer. É digno fracassar onde os fracos não têm vez?
...
A dúvida é saudável e a tristeza liberta, com seus devidos pingos nos is. Ocasionalmente, preparo-me para essa agradável visita - enfeito a mesa com chá e biscoitos, arrumo a sala de estar enquanto assobio e entro sem esforço em um belo vestido. Converso, cresço... e vou pra Praça do Papa, brincar de outra coisa.
-
PS: O Ministério da Saúde adverte: entristeça-se e duvide com moderação.

Acontecer x viver

Deserto. Fome, sede, cabeça enorme forçando o corpo pra baixo. Sinto e deixo doer, caminho em desencanto para um lugar onde não hei de chegar. Prendo o ar, fecho os olhos, tento esvaziar a mente... e choro. Choro porque vejo o fim da linha, porque está claro que por mais que eu olhe, é impossível a essa altura enxergar alguma coisa nova. Olho pro biscoito em cima da mesa: salgado, duro e decidido a não me impressionar. Eu já não tenho forças pra querer; primeiro andei depressa, depois andei devagar e um dia parei pra pensar em mim. Pensei em você. Parei pra pensar e não andei mais, quão irônico é isso?... Gastura, neura que pesa. Pensei no que os outros pensam de mim. Tentei pensar como um outro - perdi o fôlego. Pensei como eu pensaria e me assustei, porque de repente todos os meus pensamentos pertenciam a outras pessoas. Meus erros me deixam com a boca seca. Minhas atitudes extra-curriculares me trazem a azia mais profunda. Medo, por que é que você não acredita em mim quando eu digo que preciso de você? Sono, por que é que você tantas vezes me dá as costas? Cogito uma tentativa de alienação; dois dias em fuga; dois ouvidos desativados e um cérebro 30 horas. Não. Não aceito bem nada ou ninguém trabalhando sem trégua. Não tenho fome e isso não é um pecado. Tenho vontade de dizer que eu não preciso de você, que não faz mal querer outra coisa, que não funciono de manhã e nem trabalho com cheque. EU NÃO TENHO OBRIGAÇÃO DE TE ENTENDER, e é legal você entender isso. Falar não é fazer, querer não é poder, acreditar não é aceitar, compreender não é tão bom quanto amar, e amar não é melhor que esquecer. É digno fracassar onde os fracos não têm vez?
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A dúvida é saudável e a tristeza liberta, com seus devidos pingos nos is. Ocasionalmente, preparo-me para essa agradável visita - enfeito a mesa com chá e biscoitos, arrumo a sala de estar enquanto assobio e entro sem esforço em um belo vestido. Converso, cresço... e vou pra Praça do Papa, brincar de outra coisa.
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PS: O Ministério da Saúde adverte: entristeça-se e duvide com moderação.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Terapia de casal

Entramos no prédio de mãos dadas, eu e Élida. A cena: um elevador que nunca chega, eu um poço de pânico e Élida mascando um chiclete, como se preparada pra picadinha que não dói nada. Essa pessoa que eu nunca vi na vida está prestes a arrancar meu coração com as unhas, desferir bofetadas pesadas nas minhas vergonhas tão pateticamente expostas e me mostrar em quinze segundos como eu sou idiota - era só nisso que eu pensava. Olhei para Élida de relance: ela mexeu no cabelo e sorriu. Sorriu! Que palhaçada, a minha vontade era de matá-la ali mesmo... Resolvi ir pelas escadas, meio que para aliviar a tensão. E ela ali. Impassível. Corada. Atlética. Otária, o mundo vai te engolir viva, pensei. Respirei e a porta se abriu. Aquele gnomo de um metro e meio e cabelo para todo lado nos convidou a sentar. Meio sem jeito, sentei-me bem na ponta da cadeira. Não digo nada a esse projeto de hobbit - se ele conseguisse ajudar alguém, já o teria feito a si próprio. Onde é que eu fui me meter? E se eu forçasse um colapso de qualquer espécie? Tarde demais: ele já me olhava com curiosidade, e antes que eu pensasse em algo, lançou aquela pergunta em minha direção. Então, o que é que está acontecendo? Olhei para Élida. Com um olhar ela me deu a palavra. Sempre centrada. Natural. Um passo à frente. Astuta sem ser fria... Um ser evoluído ou uma amostra marciana! Abri a boca mas não consigo me lembrar de uma palavra. Gesticulei, tremi, chorei. Respirei. Para tudo que eu dizia, Élida tinha uma explicação lógica, humana, administrativa, fisiológica ou espiritual. Lamentar, ponderar, refletir, ir e voltar, passar um rolo de macarrão repetidas vezes em cima das minhas vergonhas tão pateticamente expostas. Eu ia; ela voltava. Eu jogava farinha no ventilador; ela vinha prontamente com o aspirador, o pano molhado E o tira-manchas. Minha vida em quarenta e sete minutos = respostas tiradas de um livro de receitas em quarenta e sete segundos. E ninguém pode dizer que eu não sabia de antemão. No ápice da minha angústia, olhei para Élida. Sua expressão era a de total descontentamento, desconforto, desacordo. Ah, não, pois se ela é a própria amostra da evolução de nossa espécie e não engoliu essa balela... Eu, tudo bem, sou um outdoor do desajuste associado à desorganização, um protótipo do que deu errado no momento de concepção da nossa raça. Eu sou o erro, mas Élida é o acerto, e se ela não concorda eu vou ter que falar! Olha, infelizmente essa consulta não foi positiva para nós. Eu sou a bola de boliche que cai na vala, mas a Élida é tudo o que existe de mais glorioso, e se você olhar bem pra ela agora, vai perceber o quanto ela ficou infeliz. Subimos sete lances de escada pra você fazer isso com ela... Agora ela está tão fraca, amarela até, a coitadinha... Mas antes que eu pudesse continuar, o enviado de Satânia arregalou os olhos. Tentando ao máximo parecer natural, ele alegou que não tinha ninguém ali além de mim. Perguntou onde eu achava que essa outra pessoa estava. Respirei fundo, com muita paciência, e caminhei em direção à porta. Se você não vê essa pessoa quando olha pra mim, certamente não merece receber por essa consulta. A porta bateu.

Terapia de casal

Entramos no prédio de mãos dadas, eu e Élida. A cena: um elevador que nunca chega, eu um poço de pânico e Élida mascando um chiclete, como se preparada pra picadinha que não dói nada. Essa pessoa que eu nunca vi na vida está prestes a arrancar meu coração com as unhas, desferir bofetadas pesadas nas minhas vergonhas tão pateticamente expostas e me mostrar em quinze segundos como eu sou idiota - era só nisso que eu pensava. Olhei para Élida de relance: ela mexeu no cabelo e sorriu. Sorriu! Que palhaçada, a minha vontade era de matá-la ali mesmo... Resolvi ir pelas escadas, meio que para aliviar a tensão. E ela ali. Impassível. Corada. Atlética. Otária, o mundo vai te engolir viva, pensei. Respirei e a porta se abriu. Aquele gnomo de um metro e meio e cabelo para todo lado nos convidou a sentar. Meio sem jeito, sentei-me bem na ponta da cadeira. Não digo nada a esse projeto de hobbit - se ele conseguisse ajudar alguém, já o teria feito a si próprio. Onde é que eu fui me meter? E se eu forçasse um colapso de qualquer espécie? Tarde demais: ele já me olhava com curiosidade, e antes que eu pensasse em algo, lançou aquela pergunta em minha direção. Então, o que é que está acontecendo? Olhei para Élida. Com um olhar ela me deu a palavra. Sempre centrada. Natural. Um passo à frente. Astuta sem ser fria... Um ser evoluído ou uma amostra marciana! Abri a boca mas não consigo me lembrar de uma palavra. Gesticulei, tremi, chorei. Respirei. Para tudo que eu dizia, Élida tinha uma explicação lógica, humana, administrativa, fisiológica ou espiritual. Lamentar, ponderar, refletir, ir e voltar, passar um rolo de macarrão repetidas vezes em cima das minhas vergonhas tão pateticamente expostas. Eu ia; ela voltava. Eu jogava farinha no ventilador; ela vinha prontamente com o aspirador, o pano molhado E o tira-manchas. Minha vida em quarenta e sete minutos = respostas tiradas de um livro de receitas em quarenta e sete segundos. E ninguém pode dizer que eu não sabia de antemão. No ápice da minha angústia, olhei para Élida. Sua expressão era a de total descontentamento, desconforto, desacordo. Ah, não, pois se ela é a própria amostra da evolução de nossa espécie e não engoliu essa balela... Eu, tudo bem, sou um outdoor do desajuste associado à desorganização, um protótipo do que deu errado no momento de concepção da nossa raça. Eu sou o erro, mas Élida é o acerto, e se ela não concorda eu vou ter que falar! Olha, infelizmente essa consulta não foi positiva para nós. Eu sou a bola de boliche que cai na vala, mas a Élida é tudo o que existe de mais glorioso, e se você olhar bem pra ela agora, vai perceber o quanto ela ficou infeliz. Subimos sete lances de escada pra você fazer isso com ela... Agora ela está tão fraca, amarela até, a coitadinha... Mas antes que eu pudesse continuar, o enviado de Satânia arregalou os olhos. Tentando ao máximo parecer natural, ele alegou que não tinha ninguém ali além de mim. Perguntou onde eu achava que essa outra pessoa estava. Respirei fundo, com muita paciência, e caminhei em direção à porta. Se você não vê essa pessoa quando olha pra mim, certamente não merece receber por essa consulta. A porta bateu.

sábado, 19 de junho de 2010

Peixe Grande

Quando eu tinha dez anos, ganhei primeiro lugar em um concurso de redação na escola. O presente foi um livro autografado pela professora, chamado "O Furta-Sonos", que ainda guardo. Isso foi há vinte anos. Com essa idade já era apaixonada pelas histórias da turma da Mônica, e fazia votos que a Magali tivesse sua própria revistinha, talvez por me identificar tanto com ela. Li meu primeiro grande livro nesse mesmo ano, uma saga de aventuras intermináveis chamada "A história sem fim", que ia muito além do filme. Não impus à minha vida a regra de ler e escrever - gostava mesmo era de encher meus olhos de palavras e transformá-las em lugares, pessoas, bem diante do meu nariz. 1990 foi um ano consideravelmente marcante: meus pais se separaram, mudei de escola três vezes... e os livros furtaram uma boa porção dos meus sonos. Às dez da noite, minha mãe mandava a gente apagar a luz, e eu me encolhia junto à frestinha que vinha da janela para, por mais alguns minutos, sonhar acordada. Na escola era amavelmente acolhida em todas as tribos porque eu achava legal ser eu - eventualmente todo mundo achou também. No ano seguinte, o clímax do nosso momento escolar eram as aulas de redação. Eu escrevia sobre as situações mais inusitadas, e os personagens eram meus colegas. Sabia dos amores platônicos e das peculiaridades de cada um, e de uma mistura de todas essas pessoas com circunstâncias cada vez mais interessantes surgiu uma pseudo-rádio-novela. Até a professora ficava na expectativa da próxima confusão. Cresci cercada pelas idéias mais incríveis, até o amor de anjo torto construir um muro de clichês baratos entre o dom e a inteligência. Precisei ir longe para reativar minha veia poética, suturar um coração que há tanto tempo batia em silêncio. Dei-me o direito de dar à minha canhota cansada uma caneta, e os sons e as cores jorraram como cachoeiras limpas, cheias de fios de ouro embrulhando canções e segredos. As palavras falam aos meus ouvidos, misturam-se ao conjunto da minha obra e se esvaem, sempre inquietas, sempre presentes. Abro um livro e elas me sorriem, me impressionam ao ponto de eu querer apropriar-me delas, pegá-las no ar como borboletas, levá-las para o conforto do meu garrastazu. Não me peça datas, não tente se lembrar, não me corrija ou me justifique - sou uma contadora de histórias no mundo dos olhos que não querem dormir.

Peixe Grande

Quando eu tinha dez anos, ganhei primeiro lugar em um concurso de redação na escola. O presente foi um livro autografado pela professora, chamado "O Furta-Sonos", que ainda guardo. Isso foi há vinte anos. Com essa idade já era apaixonada pelas histórias da turma da Mônica, e fazia votos que a Magali tivesse sua própria revistinha, talvez por me identificar tanto com ela. Li meu primeiro grande livro nesse mesmo ano, uma saga de aventuras intermináveis chamada "A história sem fim", que ia muito além do filme. Não impus à minha vida a regra de ler e escrever - gostava mesmo era de encher meus olhos de palavras e transformá-las em lugares, pessoas, bem diante do meu nariz. 1990 foi um ano consideravelmente marcante: meus pais se separaram, mudei de escola três vezes... e os livros furtaram uma boa porção dos meus sonos. Às dez da noite, minha mãe mandava a gente apagar a luz, e eu me encolhia junto à frestinha que vinha da janela para, por mais alguns minutos, sonhar acordada. Na escola era amavelmente acolhida em todas as tribos porque eu achava legal ser eu - eventualmente todo mundo achou também. No ano seguinte, o clímax do nosso momento escolar eram as aulas de redação. Eu escrevia sobre as situações mais inusitadas, e os personagens eram meus colegas. Sabia dos amores platônicos e das peculiaridades de cada um, e de uma mistura de todas essas pessoas com circunstâncias cada vez mais interessantes surgiu uma pseudo-rádio-novela. Até a professora ficava na expectativa da próxima confusão. Cresci cercada pelas idéias mais incríveis, até o amor de anjo torto construir um muro de clichês baratos entre o dom e a inteligência. Precisei ir longe para reativar minha veia poética, suturar um coração que há tanto tempo batia em silêncio. Dei-me o direito de dar à minha canhota cansada uma caneta, e os sons e as cores jorraram como cachoeiras limpas, cheias de fios de ouro embrulhando canções e segredos. As palavras falam aos meus ouvidos, misturam-se ao conjunto da minha obra e se esvaem, sempre inquietas, sempre presentes. Abro um livro e elas me sorriem, me impressionam ao ponto de eu querer apropriar-me delas, pegá-las no ar como borboletas, levá-las para o conforto do meu garrastazu. Não me peça datas, não tente se lembrar, não me corrija ou me justifique - sou uma contadora de histórias no mundo dos olhos que não querem dormir.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Novos tempos

Estamos vivendo uma era sufocante. Pensei muito em uma palavra para definir esse período, e sufocante foi a mais adequada. O Big Brother está sendo transposto para o nosso dia a dia, e as relações no trabalho têm se tornado cada vez mais superficiais, até a gente fazer a diferença - aí elas se tornam sufocantes. Trabalho há doze anos, sou professora há dez, e só agora percebi (porque ainda tenho a esperança de achar que eu estava muito distraída sendo feliz e só por isso não reparei que esse fenômeno já acontecia com os outros) a necessidade de provar o que se fala. A nossa palavra vale cada vez menos, e agora o papo, que antes era tomar uma cerveja pra desanuviar, ir ao cinema pra se divertir, novidades de um amigo pra variar, é escrever tudo pra se proteger, se documentar. Em todos os ambientes corporativos, corre à boca pequena que o novo pré-requisito é viver para a empresa, e levar seu livro aberto (vulgo vida) logo no primeiro dia, a fim de constituir documento. Estranho, nunca parei pra pensar que eu precisava me documentar. A palavra serve mesmo pra quê? Ah, não faz pergunta difícil, esse mecanismo já está defasado, tão antigo... E lá se vão as formiguinhas funcionárias: vendem o "direito" a educar os filhos, o "direito" a vê-los crescer e a possibilidade de prepará-los para o mundo com o único objetivo de consumir; pagar os tênis e as mochilas que os manterão bem colocados dentro da estrutura escolar. Tenho ficado um pouco encabulada e confusa com essa nova forma de ver as coisas. Se o repouso é remunerado, significa que o funcionário tem obrigação com a empresa até no repouso? Nunca fui o tipo de pessoa que ficou atenta a cada detalhe do contra-cheque, e graças a Deus trabalho em uma empresa onde esse tipo de preocupação nunca foi necessária. Nunca parei para pensar que todo e qualquer email que eu já escrevi na vida poderia ser usado contra mim a qualquer momento. É melhor pensar de novo.... Os novos tempos insistem em impedir que sejamos sinceros, que tenhamos a possibilidade de exprimir nossa opinião - e tudo de uma maneira tão sutil que a gente nem sente (será?). Sei que a gente precisa pagar pelo pão e pelo circo, mas como diria uma grande amiga, nossa mais-valia tem que atravessar as paredes dessa ditadura velada e valer o que contra-cheque algum vai ser capaz de pagar. Sejam cordeiros conscientes, e lembrem-se que o funcionário é oriundo de um reino distante, chamado terra das pessoas. Está pra nascer alguém que irá tomar uma alma nas mãos e, depois de uma análise detalhada, conseguirá dar a ela um preço - tudo que precisamos fazer agora é acreditar nisso.

Novos tempos

Estamos vivendo uma era sufocante. Pensei muito em uma palavra para definir esse período, e sufocante foi a mais adequada. O Big Brother está sendo transposto para o nosso dia a dia, e as relações no trabalho têm se tornado cada vez mais superficiais, até a gente fazer a diferença - aí elas se tornam sufocantes. Trabalho há doze anos, sou professora há dez, e só agora percebi (porque ainda tenho a esperança de achar que eu estava muito distraída sendo feliz e só por isso não reparei que esse fenômeno já acontecia com os outros) a necessidade de provar o que se fala. A nossa palavra vale cada vez menos, e agora o papo, que antes era tomar uma cerveja pra desanuviar, ir ao cinema pra se divertir, novidades de um amigo pra variar, é escrever tudo pra se proteger, se documentar. Em todos os ambientes corporativos, corre à boca pequena que o novo pré-requisito é viver para a empresa, e levar seu livro aberto (vulgo vida) logo no primeiro dia, a fim de constituir documento. Estranho, nunca parei pra pensar que eu precisava me documentar. A palavra serve mesmo pra quê? Ah, não faz pergunta difícil, esse mecanismo já está defasado, tão antigo... E lá se vão as formiguinhas funcionárias: vendem o "direito" a educar os filhos, o "direito" a vê-los crescer e a possibilidade de prepará-los para o mundo com o único objetivo de consumir; pagar os tênis e as mochilas que os manterão bem colocados dentro da estrutura escolar. Tenho ficado um pouco encabulada e confusa com essa nova forma de ver as coisas. Se o repouso é remunerado, significa que o funcionário tem obrigação com a empresa até no repouso? Nunca fui o tipo de pessoa que ficou atenta a cada detalhe do contra-cheque, e graças a Deus trabalho em uma empresa onde esse tipo de preocupação nunca foi necessária. Nunca parei para pensar que todo e qualquer email que eu já escrevi na vida poderia ser usado contra mim a qualquer momento. É melhor pensar de novo.... Os novos tempos insistem em impedir que sejamos sinceros, que tenhamos a possibilidade de exprimir nossa opinião - e tudo de uma maneira tão sutil que a gente nem sente (será?). Sei que a gente precisa pagar pelo pão e pelo circo, mas como diria uma grande amiga, nossa mais-valia tem que atravessar as paredes dessa ditadura velada e valer o que contra-cheque algum vai ser capaz de pagar. Sejam cordeiros conscientes, e lembrem-se que o funcionário é oriundo de um reino distante, chamado terra das pessoas. Está pra nascer alguém que irá tomar uma alma nas mãos e, depois de uma análise detalhada, conseguirá dar a ela um preço - tudo que precisamos fazer agora é acreditar nisso.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Feelings

It's at least intriguing to realise how many feelings we share with other people - people we don't even happen to know most of the times, all kinds of human beings around the world. Confusion, certainty, fear, the most stupid expectations... Only some are more confused than others, a few are much more certain, some pretend they are not afraid, and very few admit they actually expect what's not gonna happen - very few don't want others to know they're still hanging in there, waiting for a sign, for a miracle. What everybody shares in equal measure is the ability to hide the darkest secrets, to live with them and to forget they might hurt; to believe they are anywhere but here - totally apart from our selves.

Feelings

It's at least intriguing to realise how many feelings we share with other people - people we don't even happen to know most of the times, all kinds of human beings around the world. Confusion, certainty, fear, the most stupid expectations... Only some are more confused than others, a few are much more certain, some pretend they are not afraid, and very few admit they actually expect what's not gonna happen - very few don't want others to know they're still hanging in there, waiting for a sign, for a miracle. What everybody shares in equal measure is the ability to hide the darkest secrets, to live with them and to forget they might hurt; to believe they are anywhere but here - totally apart from our selves.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Velvet feathers

Some nod at the new era; others prefer the old version. Some are quite fond of my punk rock self, and there are those who like to remember me as a sweet, sweet thing... Thing is: my name is not Jane, and I don't think the queen needs to be saved. Sorry to disappoint you, but my being carries the best and the worst, from beauty to beast, yellowish scent of peace and rage, all above board. Too much for such a skinny body to bear, you might say. A secret? I just happen to change layers every now and again. They lie underneath my skin, and quite often get me itchy with lust or disdain, bloodthirsty... Insanity? Immediacy. Take your pick, for what you're looking at today may be upside down or backwards tomorrow. Still, you'll always look at me in astonishment, flabbergasted, as though expecting some new colour to show up in the rainbow, as if longing for what you shall never be able to see... You see, that's the one funny thing about people: you make a white rabbit come out of an empty hat and all they will ever want is for it to be pink... Thanks to me, my magic is more than enough to set me free.

Velvet feathers

Some nod at the new era; others prefer the old version. Some are quite fond of my punk rock self, and there are those who like to remember me as a sweet, sweet thing... Thing is: my name is not Jane, and I don't think the queen needs to be saved. Sorry to disappoint you, but my being carries the best and the worst, from beauty to beast, yellowish scent of peace and rage, all above board. Too much for such a skinny body to bear, you might say. A secret? I just happen to change layers every now and again. They lie underneath my skin, and quite often get me itchy with lust or disdain, bloodthirsty... Insanity? Immediacy. Take your pick, for what you're looking at today may be upside down or backwards tomorrow. Still, you'll always look at me in astonishment, flabbergasted, as though expecting some new colour to show up in the rainbow, as if longing for what you shall never be able to see... You see, that's the one funny thing about people: you make a white rabbit come out of an empty hat and all they will ever want is for it to be pink... Thanks to me, my magic is more than enough to set me free.

domingo, 13 de junho de 2010

What goes on in my mind

Grunhidos. Gemidos. Zumbidos. Huh? Dor. Onde? Corpo todo. Febre, aqui. Que exagero! Mal estar só. Amanhã. Termômetro? Aqui não. Mãe. Mãe? MÃAAAEEE! Hospital. Raio X. Hemograma. Virose. Três remédios. Cama. Não... Celestamine - sono, sono, s... Leite quente com canela. Três cobertores. Febre. Suor. Sono. 24 horas. Marido - hospital, filme, remédio, transporte, biscoito de chocolate, presente, beijinho, carinho, muita paciência. Não, contagioso! Sem problema. Não, sufocante! Mais remédio, uai! Mãe - telefone, cama, almoço, amostra grátis, opiniões, casos, leite quente com canela, pãozinho com requeijão, cachecol, minha filha, cobertor, minha filha, chinelo, minha filha, germes, minha filha: minha filha, esse mundo... Filme. Casa. Caminha. Grey's Anatomy. Seriously? Sensacional! Um biscoito Passatempo. Dois. Três. Todos, yupiiii! Espelho. Pálida... Ossos por toda parte. Alguns quilos a menos. Bom ou ruim? Terceiro problema de saúde em quatro meses. Mau-olhado ou forças da natureza? Global warming or Heat Age? Hum... Picolé fora da geladeira no trabalho ou em casa? Definitivamente a primeira opção! Banho. Telefone. Email. Opa! Cachorro Grande no Soulseek pra ontem. Artista: tudo uma questão de prioridade...

What goes on in my mind

Grunhidos. Gemidos. Zumbidos. Huh? Dor. Onde? Corpo todo. Febre, aqui. Que exagero! Mal estar só. Amanhã. Termômetro? Aqui não. Mãe. Mãe? MÃAAAEEE! Hospital. Raio X. Hemograma. Virose. Três remédios. Cama. Não... Celestamine - sono, sono, s... Leite quente com canela. Três cobertores. Febre. Suor. Sono. 24 horas. Marido - hospital, filme, remédio, transporte, biscoito de chocolate, presente, beijinho, carinho, muita paciência. Não, contagioso! Sem problema. Não, sufocante! Mais remédio, uai! Mãe - telefone, cama, almoço, amostra grátis, opiniões, casos, leite quente com canela, pãozinho com requeijão, cachecol, minha filha, cobertor, minha filha, chinelo, minha filha, germes, minha filha: minha filha, esse mundo... Filme. Casa. Caminha. Grey's Anatomy. Seriously? Sensacional! Um biscoito Passatempo. Dois. Três. Todos, yupiiii! Espelho. Pálida... Ossos por toda parte. Alguns quilos a menos. Bom ou ruim? Terceiro problema de saúde em quatro meses. Mau-olhado ou forças da natureza? Global warming or Heat Age? Hum... Picolé fora da geladeira no trabalho ou em casa? Definitivamente a primeira opção! Banho. Telefone. Email. Opa! Cachorro Grande no Soulseek pra ontem. Artista: tudo uma questão de prioridade...

domingo, 6 de junho de 2010

Adesso

A volte penso
che domani
non finirà mai...
Dove sono io?
Dimmi per favore -
Ora tu lo sai!

Adesso

A volte penso
che domani
non finirà mai...
Dove sono io?
Dimmi per favore -
Ora tu lo sai!

Velho-novo

Por que você não diz a ela
que escreve poesia?
Por que não a convence
que o real é fantasia
e que um belo dia
os erros vão ficar pra trás?

Por que você não conta a ela
que quando a banda toca
você fica
mais feliz que os demais?

Talvez ela sorria
e te diga:
"você não sabe
a falta que te conhecer me faz..."

Talvez nesse dia
você sinta
que o velho-novo que te fita
te cita
te dita...
esse não se acaba mais.

Velho-novo

Por que você não diz a ela
que escreve poesia?
Por que não a convence
que o real é fantasia
e que um belo dia
os erros vão ficar pra trás?

Por que você não conta a ela
que quando a banda toca
você fica
mais feliz que os demais?

Talvez ela sorria
e te diga:
"você não sabe
a falta que te conhecer me faz..."

Talvez nesse dia
você sinta
que o velho-novo que te fita
te cita
te dita...
esse não se acaba mais.

Sapiência

Tentei te dizer,
você se lembra?
Ontem à noite,
sem luar
perto de algum lugar
vazio
em sua essência.
Sua mente erra
vazia
mas não se engana;
ela sabe o que te espera
dia após dia
com toda a paciência...
Cá não estou eu,
sua dor não me cabe.
Dos males
sou a independência
e me comove
saber que você não sabe.

Sapiência

Tentei te dizer,
você se lembra?
Ontem à noite,
sem luar
perto de algum lugar
vazio
em sua essência.
Sua mente erra
vazia
mas não se engana;
ela sabe o que te espera
dia após dia
com toda a paciência...
Cá não estou eu,
sua dor não me cabe.
Dos males
sou a independência
e me comove
saber que você não sabe.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Meu pai e eu

Hoje meu pai me disse que estava doente. De novo. Me doeu tudo por dentro. Que coisa essa de sentir, né? A gente diz que é primitivo pra não admitir que é involuntário, incontrolável... Ouvi, ouvi, ouvi, desliguei o telefone e comecei a pensar. Fazer sentido de todo aquele sentimento. Ele me ensinou a andar de bicicleta, a ser atleticana, a tomar leite puro gelado. Mas não estava lá enquanto eu crescia e virava uma pessoa. Culpava minha mãe pelo que eu fazia de errado - e nunca ocorreu a ele agradecer a ela pelo que deu certo. Hoje ele tem gota e eu tenho um vício chamado leite gelado puro no copo bem grande. Hoje ele tem diabetes e eu gradualmente tenho gostado mais de doces. Hoje ele não pode beber, enquanto eu ando bebendo um bocado. Hoje os rins dele reclamam enquanto os meus me mandam sutis advertências. Hoje o coração dele anda cansado - e o meu coração dói muito. As vistas dele pedem agora uma operação; as minhas não mais operam milagres. Hoje tudo isso aconteceu, e na falta do que dizer, para quem dizer, eu me aborreci. Fiquei triste, magoada, furiosa por causa desse sentimento inesperado. Pensei no meu pai, no que ele me disse, nas memórias, e fiquei confusa. Minha cabeça doeu tanto que tive que fechar os olhos e pedir a Deus para que, pelo menos aquele dia, conseguisse dormir.

Meu pai e eu

Hoje meu pai me disse que estava doente. De novo. Me doeu tudo por dentro. Que coisa essa de sentir, né? A gente diz que é primitivo pra não admitir que é involuntário, incontrolável... Ouvi, ouvi, ouvi, desliguei o telefone e comecei a pensar. Fazer sentido de todo aquele sentimento. Ele me ensinou a andar de bicicleta, a ser atleticana, a tomar leite puro gelado. Mas não estava lá enquanto eu crescia e virava uma pessoa. Culpava minha mãe pelo que eu fazia de errado - e nunca ocorreu a ele agradecer a ela pelo que deu certo. Hoje ele tem gota e eu tenho um vício chamado leite gelado puro no copo bem grande. Hoje ele tem diabetes e eu gradualmente tenho gostado mais de doces. Hoje ele não pode beber, enquanto eu ando bebendo um bocado. Hoje os rins dele reclamam enquanto os meus me mandam sutis advertências. Hoje o coração dele anda cansado - e o meu coração dói muito. As vistas dele pedem agora uma operação; as minhas não mais operam milagres. Hoje tudo isso aconteceu, e na falta do que dizer, para quem dizer, eu me aborreci. Fiquei triste, magoada, furiosa por causa desse sentimento inesperado. Pensei no meu pai, no que ele me disse, nas memórias, e fiquei confusa. Minha cabeça doeu tanto que tive que fechar os olhos e pedir a Deus para que, pelo menos aquele dia, conseguisse dormir.

Bumerangue

A nossa mudança é em espiral; a gente muda hoje... e volta amanhã. Como aquela roupa que a gente passa, passa, e continua amassada. Aquela mecha do cabelo que a gente seca pra um lado, prende, e atrevida de tão auto-suficiente, decide que hoje está a fim de ficar do outro. A coisa mais difícil do mundo é sustentar uma opinião. É lindo dizer que defendemos nossas crenças, é magnífico lutar pelo que acreditamos. Mas no que mesmo a gente acredita? Hoje em coisa alguma, amanhã em alguma coisa. Um dia que dinheiro traz felicidade, no outro que ele ajuda, na hora do aperto que a saúde é o mais importante. Viajar ou ficar, esperar ou agir... Misturamos o certo com o duvidoso sabendo que de certo e duvidoso nossa vida não tem nada. Olho pro céu e imploro por um sinal. Olho pra mim e vejo um mundo de possibilidades. Agarro-me a ele como a um cabo de guerra, e fico girando entre minha percepção das coisas e a forma como elas realmente acontecem. Bom seria se esse espiral fosse igualzinho, frente e verso - aí não haveria lugar-comum em lugar nenhum desse universo...

Bumerangue

A nossa mudança é em espiral; a gente muda hoje... e volta amanhã. Como aquela roupa que a gente passa, passa, e continua amassada. Aquela mecha do cabelo que a gente seca pra um lado, prende, e atrevida de tão auto-suficiente, decide que hoje está a fim de ficar do outro. A coisa mais difícil do mundo é sustentar uma opinião. É lindo dizer que defendemos nossas crenças, é magnífico lutar pelo que acreditamos. Mas no que mesmo a gente acredita? Hoje em coisa alguma, amanhã em alguma coisa. Um dia que dinheiro traz felicidade, no outro que ele ajuda, na hora do aperto que a saúde é o mais importante. Viajar ou ficar, esperar ou agir... Misturamos o certo com o duvidoso sabendo que de certo e duvidoso nossa vida não tem nada. Olho pro céu e imploro por um sinal. Olho pra mim e vejo um mundo de possibilidades. Agarro-me a ele como a um cabo de guerra, e fico girando entre minha percepção das coisas e a forma como elas realmente acontecem. Bom seria se esse espiral fosse igualzinho, frente e verso - aí não haveria lugar-comum em lugar nenhum desse universo...