sábado, 19 de junho de 2010

Peixe Grande

Quando eu tinha dez anos, ganhei primeiro lugar em um concurso de redação na escola. O presente foi um livro autografado pela professora, chamado "O Furta-Sonos", que ainda guardo. Isso foi há vinte anos. Com essa idade já era apaixonada pelas histórias da turma da Mônica, e fazia votos que a Magali tivesse sua própria revistinha, talvez por me identificar tanto com ela. Li meu primeiro grande livro nesse mesmo ano, uma saga de aventuras intermináveis chamada "A história sem fim", que ia muito além do filme. Não impus à minha vida a regra de ler e escrever - gostava mesmo era de encher meus olhos de palavras e transformá-las em lugares, pessoas, bem diante do meu nariz. 1990 foi um ano consideravelmente marcante: meus pais se separaram, mudei de escola três vezes... e os livros furtaram uma boa porção dos meus sonos. Às dez da noite, minha mãe mandava a gente apagar a luz, e eu me encolhia junto à frestinha que vinha da janela para, por mais alguns minutos, sonhar acordada. Na escola era amavelmente acolhida em todas as tribos porque eu achava legal ser eu - eventualmente todo mundo achou também. No ano seguinte, o clímax do nosso momento escolar eram as aulas de redação. Eu escrevia sobre as situações mais inusitadas, e os personagens eram meus colegas. Sabia dos amores platônicos e das peculiaridades de cada um, e de uma mistura de todas essas pessoas com circunstâncias cada vez mais interessantes surgiu uma pseudo-rádio-novela. Até a professora ficava na expectativa da próxima confusão. Cresci cercada pelas idéias mais incríveis, até o amor de anjo torto construir um muro de clichês baratos entre o dom e a inteligência. Precisei ir longe para reativar minha veia poética, suturar um coração que há tanto tempo batia em silêncio. Dei-me o direito de dar à minha canhota cansada uma caneta, e os sons e as cores jorraram como cachoeiras limpas, cheias de fios de ouro embrulhando canções e segredos. As palavras falam aos meus ouvidos, misturam-se ao conjunto da minha obra e se esvaem, sempre inquietas, sempre presentes. Abro um livro e elas me sorriem, me impressionam ao ponto de eu querer apropriar-me delas, pegá-las no ar como borboletas, levá-las para o conforto do meu garrastazu. Não me peça datas, não tente se lembrar, não me corrija ou me justifique - sou uma contadora de histórias no mundo dos olhos que não querem dormir.

4 comentários:

  1. Érika, já sou sua fã e realmente acho que deveria se tornar uma escritora profissional....Vc é um talento....Simplesmente fala as coisas que gostaríamos de falar , é como se soubesse o que quiséssemos ler e de que maneira fazê-lo, com muita simplicidade de palavras e com singelea sem igual.....Go for it ! Sofia Mendes.

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  2. Sânia Araujo Fagundes25 de junho de 2010 às 20:07

    Érika,
    Escrever é libertar o que há de mais profundo no nosso ser. Tarefa árdua que só os fortes conseguem desempenhar. Escrever é dividir...soltar nossas experiências para ajudar as pessoas a entenderem melhor o mundo que nos cerca! Parabéns por carregar tão bem este dom de tecer as palavras com tanta sabedoria. Tenho orgulho de ser sua prima! e realmente as professoras de Inglês são as mais talentosas!!!! Mil beijos.... Sânia Fagundes

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  3. Concordo totalmente, hehehe... Obrigada, Saninha!

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