terça-feira, 22 de junho de 2010

Terapia de casal

Entramos no prédio de mãos dadas, eu e Élida. A cena: um elevador que nunca chega, eu um poço de pânico e Élida mascando um chiclete, como se preparada pra picadinha que não dói nada. Essa pessoa que eu nunca vi na vida está prestes a arrancar meu coração com as unhas, desferir bofetadas pesadas nas minhas vergonhas tão pateticamente expostas e me mostrar em quinze segundos como eu sou idiota - era só nisso que eu pensava. Olhei para Élida de relance: ela mexeu no cabelo e sorriu. Sorriu! Que palhaçada, a minha vontade era de matá-la ali mesmo... Resolvi ir pelas escadas, meio que para aliviar a tensão. E ela ali. Impassível. Corada. Atlética. Otária, o mundo vai te engolir viva, pensei. Respirei e a porta se abriu. Aquele gnomo de um metro e meio e cabelo para todo lado nos convidou a sentar. Meio sem jeito, sentei-me bem na ponta da cadeira. Não digo nada a esse projeto de hobbit - se ele conseguisse ajudar alguém, já o teria feito a si próprio. Onde é que eu fui me meter? E se eu forçasse um colapso de qualquer espécie? Tarde demais: ele já me olhava com curiosidade, e antes que eu pensasse em algo, lançou aquela pergunta em minha direção. Então, o que é que está acontecendo? Olhei para Élida. Com um olhar ela me deu a palavra. Sempre centrada. Natural. Um passo à frente. Astuta sem ser fria... Um ser evoluído ou uma amostra marciana! Abri a boca mas não consigo me lembrar de uma palavra. Gesticulei, tremi, chorei. Respirei. Para tudo que eu dizia, Élida tinha uma explicação lógica, humana, administrativa, fisiológica ou espiritual. Lamentar, ponderar, refletir, ir e voltar, passar um rolo de macarrão repetidas vezes em cima das minhas vergonhas tão pateticamente expostas. Eu ia; ela voltava. Eu jogava farinha no ventilador; ela vinha prontamente com o aspirador, o pano molhado E o tira-manchas. Minha vida em quarenta e sete minutos = respostas tiradas de um livro de receitas em quarenta e sete segundos. E ninguém pode dizer que eu não sabia de antemão. No ápice da minha angústia, olhei para Élida. Sua expressão era a de total descontentamento, desconforto, desacordo. Ah, não, pois se ela é a própria amostra da evolução de nossa espécie e não engoliu essa balela... Eu, tudo bem, sou um outdoor do desajuste associado à desorganização, um protótipo do que deu errado no momento de concepção da nossa raça. Eu sou o erro, mas Élida é o acerto, e se ela não concorda eu vou ter que falar! Olha, infelizmente essa consulta não foi positiva para nós. Eu sou a bola de boliche que cai na vala, mas a Élida é tudo o que existe de mais glorioso, e se você olhar bem pra ela agora, vai perceber o quanto ela ficou infeliz. Subimos sete lances de escada pra você fazer isso com ela... Agora ela está tão fraca, amarela até, a coitadinha... Mas antes que eu pudesse continuar, o enviado de Satânia arregalou os olhos. Tentando ao máximo parecer natural, ele alegou que não tinha ninguém ali além de mim. Perguntou onde eu achava que essa outra pessoa estava. Respirei fundo, com muita paciência, e caminhei em direção à porta. Se você não vê essa pessoa quando olha pra mim, certamente não merece receber por essa consulta. A porta bateu.

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