sexta-feira, 27 de março de 2020

Onze dias

Garrastazu. Sinusite dos diabos! Cama. Chá. Bolinhas de açúcar. Cama. Netflix. Aulas online. Alunos... Suspensão das aulas presenciais. Outra aula online. Suspensão das aulas online. Álcool gel. Oops, sem álcool gel. Sem academia. Sem restaurante. Tiquim de tensão. Supermercado = novo parque de diversão. Supermercado = interação social. Supermercado = egoísmo do caramba. Supermercado = eu tenho, você não tem, hehe. Cama. Chá. Nebulização. Máscara. Manheeeeeeeeeeeeeee... Meditação. Aulas de funcional na sala. Solzim na laje. Céu bonito. Friozinho bom. Pazes. Altas. Confinamento em dupla. Cervejinha. Risadinha. Vinhozinho. Filmezinho. ID. Comedy. Desavenças inesperadas. Quasi-despedidas. Rupturas. Recomeços. Esperança a toda. Leituras. Amigos. AMIGOS. Família. FAMÍLIA. Escolhas saudáveis. Força! Oração. Insônia. Tantão de tensão. Céu bonito até. Música linda, sô... Vidinha simples, simples. Nós desatados. Game over. Game other. Game. Culpa só que não. Sonho. Privilégio. Alegria. Amanhã...

segunda-feira, 16 de março de 2020

Quarentena

De dentro da minha casa acompanho o girar do mundo mesmo sem querer. Abro meu pequeno laptop e as palavras e os vídeos, os fatos e as fotos vêm me atravessando sem eu pedir. Olho meu whatzapp e minha mãe me pede pra não ir à casa dela, que ela tem 67 e não pode nem sair na rua, e minhas amigas não virão me ver porque eu posso estar infectada, mesmo sem casos confirmados, mesmo ter ido ao shopping Oi esse ano, mesmo sem sintomas. No meu trabalho já me proibiram de aparecer, e na academia me olharam com terror quando, com muita educação, espirrei no meu braço. Hoje fui ao médico - a única pessoa que me tratou como um ser humano normal nesses últimos dias. De lá fui almoçar em um pequeno restaurante e me acomodei com facilidade. Entrei muda e saí calada pra ninguém perceber meu nariz entupido. Trabalhei o dia todo pelo computador até os dedos doerem de lástima e a cabeça latejar de pura preguiça. Passei o dia recebendo notícias sobre prevenção, contaminação, sugestão, falta de comida, medo pela vida de quem pode de fato morrer. Mas não é essa nossa única certeza? Meu pai disse hoje que pode estar infectado - ele tem 71 e tá longe de ser dos mais saudáveis. Putz, aí não... Sem frieza ou egoísmo, informo que tudo bem - diga ao povo que fico aqui bem quieta, trabalhando do meu quarto. Dia 18 entraremos oficialmente em quarentena, e a quarentona que se vire pra ficar boa sem remédio, sem colo de mãe e sem abraço de mais ninguém.

segunda-feira, 9 de março de 2020

Medo de flor

"Não vim da sua costela - você é que veio do meu útero". Certamente a gênese do antigo testamento foi escrita por um homem que queria demonstrar sua superioridade em relação à mulher, não? Juro que eu nunca na vida tinha interpretado essa frase dessa forma, porque se uma mulher veio da costela de um cara e a humanidade inteira veio do bucho da mulher, esse início talvez tenha parecido pra mim sem importância. Talvez por minha postura em relação à minha condição de mulher eu não tenha me atentado tanto pra essa parte. Não sou negra, não sou gay, nem bi, nem trans, nem pobre - será que é por isso que eu me amo, me perdôo, me aceito e agradeço às minhas chances diárias de ser alguém melhor? Talvez - mas conheço mulheres negras, gays, bi, trans e pobres que vêem nos obstáculos constantes oportunidades de crescimento e que se amam e se respeitam muito mais do que eu. E digo mais: mulher branca, hetero e rica também escolhe homem vagabundo, também é traída, maltratada, subjugada e oprimida - meu analista diria: e o que você pretende fazer com isso? Minha leitura de opções: 1. chorar; 2. tomar Rivotril e chorar; 2. culpar alguém; 3. culpar a mim mesma pelas minhas escolhas e atitudes; 4. reclamar até fazer alguma coisa; 5. pensar até a cabeça doer e vir algum tipo de resposta; 6. todas as alternativas anteriores até tentar transformar minha conduta - agir e evoluir. Não é tão fácil e não é tão ruim.

E o que você precisa para evoluir? Me diz o que você precisa pra sair daí?

Vejo a forma como a sociedade foi instituída no que diz respeito ao papel de homens e mulheres no mundo, e percebo com espanto o que algumas religiões e ideologias, em pleno século XXI, ainda esperam da mulher: submissão, permissividade, amor incondicional, esforço irrestrito... padecer no paraíso ou florescer no inferno? Não vou ser nem a primeira nem a última a te dizer: o inferno é aqui. Um velho amigo que trabalhou como médico em Moçambique me disse certa vez: I'm in hell. A violência, o ódio, o desprezo, a inveja, a luxúria, a intolerância, a imprudência, a maledicência, tudo isso está bem diante do seu nariz. Opa! Diante do seu nariz se você decidir se olhar no espelho pra início de conversa. Somos todos dignos de um bom nananananão. E de repente as mulheres odeiam os homens, os vilões, opressores, tiranos, feminicidas, fascistas dos homens. A merda do patriarcado é a bola da vez. É uma merda mesmo, e em meio a discursos de ódio, eu me pergunto: as mulheres se amam? De verdade mesmo? Se elas não se amam é culpa dos homens? E elas amam umas às outras quando mandam beijim no ombro prazinimiga? Mais fácil mesmo é legitimar o meu direito de não operar a mudança pelo exemplo. Não acho que o verdadeiro respeito se consegue no grito e acredito que as causas devam ser separadas em movimentos distintos para pessoas com diferentes opiniões políticas e não menos engajadas pela vontade de mudar as coisas poderem participar também. Gostaria de ter estado em uma manifestação pedindo por qualidade de vida para todas as mulheres - pedindo pelo fim da violência, por igualdade de salários, de cargos, pelo nosso reconhecimento, pelo nosso sossego. No entanto, não desejo que o Lula volte a governar meu país, não odeio os homens e acho que tenho - a passos pequenos e constantes - conquistado meu lugar e minha dignidade nesse mundo sem odiar ninguém. Vejo que as coisas estão mudando no momento em que homens se colocam do lado das mulheres e reconhecem que precisam sair do modelo patriarcal de pensamento para serem felizes ao lado delas e para garantirem a elas o direito de coexistir em harmonia nesse mundão de Deus. Não são todos, mas já são muitos. Vejo homens cruéis, de índole ruim, e - pasmem - mulheres também. A proporção não é digna de comparação - ainda tem muito mais homem escroto e psicopata que mulher aí fora, pela própria criação dos papeis sociais, que não se deu hoje nem ontem nem ano passado. A questão é que, antes de sermos homens ou mulheres, somos todos seres humanos que transitam por esse mundo aqui temporariamente, esperando (ou não) aprender alguma coisa. Cada um evolui à sua maneira, e os movimentos sociais precisam refletir seu caráter evolucionista. Sem isso voltamos à era de Moisés, do olho por olho e dente por dente (e salve-se quem puder, deve ter faltado pedra pra ele escrever). Ser mulher pra mim é, por si só, uma virtude, uma bênção e um motivo de orgulho - orgulho por batalhar, por incentivar os meus alunos, meus amigos e familiares a fazerem o mesmo, por si e pelos irmãos espalhados por esse planeta - COM RESPEITO. Respeito não se ganha com tiro, porrada e bomba. Não tenho medo de ganhar flor no dia das mulheres - acho até bem legal, se for dada de coração. O cara que dá flor de manhã e sopapo de tarde é o mesmo que dá o dízimo e maltrata o funcionário; que frequenta a missa e deixa a mãe mofar num asilo; que trai o amigo, rouba do pai e bate no irmão - dar flor não significa ser esse cara, e ficar feliz ao recebê-la não é um convite a ser maltratada e agredida. A criação por si só não pode ser - e não é - desculpa pra esses babacas agirem como pragas e destruírem o que tocam: são seres tóxicos (outra palavra da moda). Precisam ser educados, ensinados, remodelados em termos de ideias e comportamentos. Alguém aí se habilita? Temos muito pelo que lutar - a começar, lutar por mais amor e respeito, pelo sagrado feminino, pelo fim dessa torre de Babel onde raiva é a língua comum. Tóxico é quem não tolera que exista o outro lado da moeda. Não tenho medo de flor - medo mesmo eu tenho é de quem se recusa a receber.