quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Pai de Todos

Nem só de tristeza vive o homem. Há também o rancor, a raiva, a angústia, a inveja, o pinto e o tédio. Todos regidos pelo medo da morte, da velhice, da solidão, da pobreza, da inércia, da grama do vizinho que desponta como a mais verde da rua. Nem só de sentimentos ruins vive o homem. Há também os pensamentos ruins, os piores, os péssimos, os terríveis, os mais repulsivos. Pensamentos repugnantes que o homem consegue transformar em ações justificáveis, invólucros  da paz. Nem só de malcheiro vive o homem. Há também o perfume francês, o terno italiano, o carro americano, o requinte inglês. Cara lavada, gestos copiados de um curso de auto-afirmação, um penteado digno. Aprendeu a apertar as mãos e a fazer as unhas. Está acima de tudo. Sonha com crimes hediondos enquanto beija a namorada, busca o filho na escola para atentamente observar os colegas. Fantasia com o que há de mais baixo - secretamente orgulha-se de ser tão promíscuo. Sua perversidade é revestida pelos mais inovadores mecanismos de defesa. O homem se casa para ir mais tranquilo à Afonso Pena*; come bastante no almoço para esconder a cocaína que o alimenta; bebe para ter mais prazer ao bater na mulher; humilha subordinados e contata profissionais do submundo a fim de ser humilhado. O homem tem estômago para engolir todos os dias o caldo quente do seu ideário putrefato - o homem varre para debaixo do tapete as imperfeições de sua cadência insólita - o homem ri da sua própria sorte e engole o choro, e diz a si mesmo, cheio de bravura e convicção, que está preparado para colocar a cabeça no travesseiro. Nem só de tristeza vive o homem. O pior já passou.

*Afonso Pena: ponto de prostitutas e travestis mais popular entre a classe média de Belo Horizonte.

2 comentários:

  1. Eu diria que se trata de um texto pessimista... mas depois da centopeia humana, acho bem condizente com a nossa realidade humana!

    PS: Adorei nossas conversas de ontem!

    Beijoooo!

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  2. Achei até bem mais light que a centopéia humana, Cybella! Mulheres unidas jamais serão vencidas - nem mesmo pelo cansaço, hehehe... Bjo!

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