sábado, 18 de setembro de 2010

Mineirês

Achei tão bonitinho isso... queria compartilhar com minhas amigas e leitoras mineirinhas da gema - e com os marmanjos de plantão - afinal, é das mineiras que eles gostam mais, né mes?


O SOTAQUE DAS MINEIRAS

(F.P.B. Netto)


O sotaque das mineiras deveria ser ilegal, imoral ou engordar...

Afinal, se tudo que é bom tem um desses horríveis efeitos colaterais, como é que o falar, sensual e lindo das moças de Minas ficou de fora?
Porque, Deus, que sotaque!

Mineira devia nascer com tarja preta avisando: 'ouvi-la faz mal à saúde'.

Se uma mineira, falando mansinho,me pedir para assinar um contrato, doando tudo que tenho, sou capaz de perguntar: 'só isso?'.

Assino, achando que ela me faz um favor...
Eu sou suspeitíssimo.

Confesso: esse sotaque me desarma.

Certa vez quase propus casamento à uma menina que me ligou por engano, só pelo sotaque.

Os mineiros têm um ódio mortal das palavras completas.


Preferem, sabe-se lá por que, abandoná-las no meio do caminho.

Não dizem: pode parar, dizem: 'pó parar'

Não dizem: onde eu estou?, dizem: 'onde queu tô.'

Os não-mineiros, ignorantes nas coisas de Minas, supõem, precipitada e levianamente, que os mineiros vivem - lingüisticamente falando - apenas de uais, trens e sôs.

Digo-lhes que não.

Mineiro não fala que o sujeito é competente em tal ou qual atividade.

Fala que ele é bom de serviço.

Pouco importa que seja um juiz, um jogador de futebol ou um ator de filme pornô.

Se der no couro - metaforicamente falando, claro - ele é bom de serviço.

Faz sentido...



Mineiras não usam o famosíssimo tudo bem.

Sempre que duas mineiras se encontram, uma delas há de perguntar pra outra: 'cê tá boa?'.

Para mim, isso é pleonasmo.

Perguntar para uma mineira se ela tá boa é desnecessário...



Há outras.

Vamos supor que você esteja tendo um caso com uma mulher casada.

Um amigo seu, se for mineiro, vai chegar e dizer: - Mexe com isso não, sô (leia-se: sai dessa, é fria, etc).

O verbo 'mexer', para os mineiros, tem os mais amplos significados.

Quer dizer, por exemplo, trabalhar.

Se lhe perguntarem com o que você mexe, não fique ofendido.

Só querem saber o seu ofício.



Os mineiros também não gostam do verbo conseguir.

Aqui ninguém consegue nada.

Você não dá conta.

Sôcê (se você) acha que não vai chegar a tempo, você liga e diz: '- Aqui, não vou dar conta de chegar na hora, não, sô.'



Esse 'aqui' é outra delícia que só tem aqui.

É antecedente obrigatório, sob pena de punição pública, de qualquer frase.

É mais usada, no entanto, quando você quer falar e não estão lhe dando muita atenção: é uma forma de dizer 'olá, me escutem, por favor'.

É a última instância antes de jogar um pão de queijo na cabeça do interlocutor.



Mineiras não dizem 'apaixonado por'.

Dizem, sabe-se lá por que, 'apaixonado com'.

Soa engraçado aos ouvidos forasteiros.

Ouve-se a toda hora: 'Ah, eu apaixonei com ele...'

Ou: 'sou doida com ele' (ele, no caso, pode ser você, um carro, um cachorro).



Eu preciso avisar à língua portuguesa que gosto muito dela, mas prefiro, com todo respeito, a mineira.

Nada pessoal

Aqui certas regras não entram.

São barradas pelas montanhas.



Por exemplo: em Minas, se você quiser falar que precisa ir a um lugar, vai dizer: - 'Eu preciso de ir..'

Onde os mineiros arrumaram esse 'de', aí no meio, é uma boa pergunta...

Só não me perguntem!

Mas que ele existe, existe.

Asseguro que sim, com escritura lavrada em cartório.



No supermercado, o mineiro não faz muitas compras, ele compra um tanto de coisa...

O supermercado não estará lotado, ele terá um tanto de gente.

Se a fila do caixa não anda, é porque está agarrando lá na frente.

Entendeu? Agarrar é agarrar, ora!



Se, saindo do supermercado, a mineirinha vir um mendigo e ficar com pena, suspirará: '- Ai, gente, que dó.'



É provável que a essa altura o leitor já esteja apaixonado pelas mineiras...

Não vem caçar confusão pro meu lado!

Porque, devo dizer, mineiro não arruma briga, mineiro 'caça confusão'.

Se você quiser dizer que tal sujeito é arruaceiro, é melhor falar, para se fazer entendido, que ele 'vive caçando confusão'.



Ah, e tem o 'Capaz...'

Se você propõe algo a uma mineira, ela diz: 'capaz' !!!

Vocês já ouviram esse 'capaz'?

É lindo. Quer dizer o quê?

Sei lá, quer dizer 'ce acha que eu faço isso'!? - com algumas toneladas de ironia...



Se você ameaçar casar com a Gisele Bundchen, ela dirá: 'ô dó dôcê'.

Entendeu? Não? Deixa para lá.



É parecido com o 'nem...' . Já ouviu o 'nem...'?

Completo ele fica: '- Ah, nem...'

O que significa?

Significa, amigo leitor, que a mineira que o pronunciou não fará o que você propôs de jeito nenhum.

Mas de jeito nenhum mesmo.

Você diz: 'Meu amor, cê anima de comer um tropeiro no Mineirão?'.

Resposta: 'nem...'

Ainda não entendeu? Uai, nem é nem.

Leitor, você é meio burrinho ou é impressão?



Preciso confessar algo: minha inclinação é para perdoar, com louvor, os deslizes vocabulares das mineiras.

Aliás, deslizes nada.

Só porque aqui a língua é outra, não quer dizer que a oficial esteja com a razão.



Se você, em conversa, falar: 'Ah, fui lá comprar umas coisas...'..

- Que's coisa? - ela retrucará.

O plural dá um pulo.

Sai das coisas e vai para o 'que'!



Ouvi de uma menina culta um 'pelas metade', no lugar de 'pela metade'.

E se você acusar injustamente uma mineira, ela, chorosa, confidenciará:

- Ele pôs a culpa 'ni mim'.



A conjugação dos verbos tem lá seus mistérios, em Minas...

Ontem, uma senhora docemente me consolou: 'preocupa não, bobo!'.

E meus ouvidos, já acostumados às ingênuas conjugações mineiras nem se espantam.

Talvez se espantassem se ouvissem um: 'não se preocupe', ou algo assim.

Fórmula mineira é sintética e diz tudo.



Até o tchau, em Minas, é personalizado.

Ninguém diz tchau, pura e simplesmente.

Aqui se diz: 'tchau pro cê', 'tchau pro cês'.

É útil deixar claro o destinatário do tchau...

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