segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Luz

De dia sonhava acordada - fechava os olhos a todo momento em busca daquela sensação inesquecível de um único toque atemporal. Forçava a memória a fim de relembrar os cheiros, a brisa e o calor daquela noite. Passava os dias meio tonta, e queria que as noites caíssem como quem deseja sentir a chuva que não mais perfuma a terra. Podia enfim cerrar os olhos, cílios longos como cortinas de veludo que guardam o mais precioso sonho. Revisitava aquele pequeno café ao final da rua, e via-o tal e qual ele era. Tentava recordar a música, a bebida, as cores e as pessoas, ainda que nada disso tivesse lá tanta importância. O que ela queria mesmo era que chegasse aquela hora, a hora da sensação incompreensível de um único toque atemporal. Dois corações colados como um ímã, duas respirações ofegantes, dois corpos dormentes, exultantes, febris. Duas almas que se redescobriram em meio a um mar de renúncia... um mar de distância. Dia após dia ela fechava os olhos e recriava aquele momento mágico, aquela sensação indescritível de um único toque atemporal. O tempo passou e gradativamente a distância explicou seu nome - ela agora fazia força para se lembrar, os olhos apertados procurando novamente aquela luz que esfriava a espinha e fazia cócegas de amor bem no fundo do estômago. Não tinha mais tanto tempo, havia passado tanto tempo... aquele dia ficou embaçado. Olhava e não via nada. Tudo o que ela gostaria era de ter todo o tempo do mundo para focalizar a lente de suas memórias, e ter dia e noite a chance de aguardar com emoção a chegada daquele momento preciso em que ela se entregaria de corpo e alma àquele único contato, um abraço que a faria esquecer o que há de novo. Ajoelhou-se em remissão e rezou. Foi breve, apenas pediu para ser capaz de ver o que realmente importava. Sentiu então aquela presença, e os cheiros, a brisa e o calor daquele corpo envolveram-na completamente.  Fechou os olhos em êxtase, e sentiu suas carnes pulsarem como nunca haviam antes. Entregou-se. Ao acordar, qual não foi sua surpresa ao perceber que seus olhos não se abriam mais... Duas pesadas cortinas de fumaça a impediam de enxergar o mundo lá fora. Agora ela teria dias, horas, meses, anos, o resto da vida para experienciar aquela sensação inestimável de um único toque atemporal. Pensou, pensou... saiu à rua e quis ler e escrever, sentir o sol na pele, o cheiro da chuva penetrando a terra. Só um bom tempo depois ela se casou.

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