domingo, 28 de junho de 2009

O homem que achava que sabia demais - último suspiro

Pouco tempo depois de Jorge sair pela porta assobiando, ouvi um enorme rebuliço, uma verdadeira confusão. Mesmo não sendo essencialmente curioso, tive vontade de sair à porta, mas minha aula já havia começado. Meus alunos ficaram perturbados com aquilo também, e tive que tentar inserir aquele episódio em nosso warm-up pra que eles se engajassem. De repente, algumas imagens começaram a se formar na minha mente. Uma vez uma cartomante me disse que eu tinha poderes mediúnicos, e que em pouco tempo eles se revelariam diante dos meus olhos. Aos poucos a cena ficou clara: Jorge - atravessando a rua - sinal vermelho - moça com vidro aberto - bolsa no banco do passageiro - ato transgressor - polícia - fuga - corre - carro - realizar e escrever - Jorge no chão da Bernardo Monteiro. Não sei quanto tempo durou esse insight, não sei se meus alunos se deram conta, mas quando voltei à Terra, fui tomado por um desespero tão grande que tive que me controlar bastante para não parecer uma personagem saída do Grande Mentecapto. Jesus Maria José, é o Jorge que está lá fora, coitado, caído, nas últimas, me esperando para dar o último suspiro! Preciso fazer alguma coisa... Estava a um passo de me pronunciar a respeito quando bateram na porta. Com licença, Carlos, você pode dar uma chegadinha aqui fora por gentileza? Putisgrila, pensei comigo, batata... O policial tá querendo trocar uma palavrinha com você - acho que é sobre o seu amigo que acabou de sair daqui. Nuooossssasssinhoraaaa, se você acredita em duende, eu acredito em cartomantes! Fui andando meio trêmulo em direção à porta. Senhor Carlos Magno? O senhor pode me acompanhar por gentileza? Fiz que sim com a cabeça e ao olhar para o meu lado direito, uma multidão se espremia e impedia o trânsito na Timbiras com Bernardo Monteiro. Por favor, senhor... Rangel. Pois é, senhor Rangel, será que o senhor poderia me informar se ele vai ficar bem? Não foi grave, foi? Ele vai sobreviver? O policial coçou a cabeça. Uai, como é que o senhor sabe o que houve? Ah, isso é uma longa história, senhor Rangel, só quero saber se meu amigo vai ficar bem. Graças a Deus vai, sim. Ele quer tirar uma foto com o senhor, mas o senhor já deve saber, né? Fiz o que pude pra disfarçar meu espanto. Quando cheguei mais perto da comoção, quase não acreditei no que vi: Jorge sendo carregado por um grupo de civis/fanfarrões/curiosos/à toa na vida e APLAUDIDO por vários policiais e mais uma legião de desocupados/fãs. Bem despistadamente, pedi informação a uma senhora que chorava emocionada, e ela reconstituiu com riqueza de detalhes a cena anterior. A fim de possibilitar a visualização, relatarei em flashes: Jorge - atravessando a rua - sinal vermelho - moça com vidro aberto - bolsa no banco do passageiro - ato transgressor - polícia - fuga - corre - carro - realizar e escrever - Jorge no chão da Bernardo Monteiro. Que cara de sorte, pensei, que história, que heróico, que genial! Apressei-me em abraçar meu amigo e posar para a foto que ilustrou o Estado de Minas e inspirou o conto que fiz questão de escrever.

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