quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Três

Três dias. Foi esse o tempo que durou o meu torpor. Sentia calafrios pelo corpo e me teletransportava para lugares diferentes a cada hora - ao redor tudo me lembrava ela. O sorriso dela morava em mim - era mesmo assim! - e imaginava que ela dava conta de todos os meus passos... um calor onipresente me doía. E ela sabia. Sabia porque me deixei contar, me fiz perceber - cartas, canções e telefonemas pela madrugada. Não sabia ao certo o que ela lia - eu já não pensava em coisa alguma - e lidava com suas respostas cordiais e vazias sem tristeza ou perspectiva de fuga. Em certo momento cheguei mesmo a pensar que ela sentia, que fechava os olhos e me escolhia, que parava o tempo e me encontrava no alto de um prédio que abrigava todas as banalidades do dia-a-dia com cara de coisa secreta. Sim, ela queria - ou quis, já não entendia, pois se no momento em que mostrei de um jeito delicado e confuso que ela estava lá, que por algum motivo estranho e não-convencional sempre estaria, que era só o que importava, que o melhor mesmo era não acreditar em mais nada, ela ficou muda do outro lado da linha; depois cordial; depois vazia, como bem o sabe, caro leitor. Por três dias fui além do romântico e do original - não fiz promessas nem loucuras... apenas preocupei-me em fazê-la saber que era parte do que mais me atraía, que poderia leva-la aos céus ou às mil maravilhas no correr da estrada, que aguardava pela coragem que ela teria. Seus dedos encheram a página de linhas, palavras que me perpassavam sem hora para dizer o que me bastaria. Sentimentalidades? Não, senhor! Alegria. Um gole de alegria barata no fundo daquela garrafa com licor de sobra renovaria minhas energias. Fui gentil; fui leal; fui aquele que ouve, que ampara, que ajuda, que acolhe e acalma. Até passou pela minha cabeça um daqueles filmes cujo começo inspira, o meio emudece e o fim angustia; logo preparei-me para a última cartada.
 
Medo, sorte, azar ou surpresa: por um descuido, deixei a janela aberta. Quando abri a porta, já não havia céu, sol, carta, rascunho de história nenhuma. Havia, contudo, uma sombra em meio à penumbra. Meu peito seguiu a galopes um peito que arfava, uma voz que bradava meu nome com braços e pernas, lágrimas brilhando no escuro; olhos febris de ternura. Tomei-a pela cintura e fizemos amor pela noite afora, certos de que em algum lugar alguém nos perdoaria.

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