domingo, 2 de junho de 2013

Alto-mar

Sentaram-se a sós no covil dos leões - o vento uivava indecências de todas as cores. A sede era desconfortável, a fome um pecado terrível; não havia mais tempo. Olharam-se nos olhos negros como a noite: eram duas cartas marcadas dentro de um baralho que flutuava em alto-mar, sem princípios, sem meios, sem olhar pra trás, sem destino certo. Decidiram secretamente pular as primeiras ondas de mãos dadas, mergulhar na água turva de instinto, palpitações e memórias... seria assim tão logo aquele instante se definisse, tão logo o presente se desfizesse. Espasmos de hesitação fizeram com que ele abrisse o último botão da camisa; ela suspirava enquanto sorvia com displicência outra Coca-Cola - pensares aturdidos por trovões e tempestades, corpos completamente entregues às cenas do capítulo que insistia em se aproximar com cuidado e resiliência. Ainda que não houvesse tempo, não havia pressa; ainda que houvesse medo, haveria paciência, essência das coisas que duram em dimensões para além de nossas vidas terrenas. Lançaram-se ao mar sem contar até três, corações fortes demais para sucumbir à correnteza.

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