terça-feira, 17 de julho de 2012

Pioverà

Olhe para o seu relógio: está tarde. Hora de se libertar e permitir que eu me vá assim como vim - de repente. Não caibo mais em fantasias; meus braços e pernas tornaram-se grandes demais e já não posso aninhar-me em meio à sua ou à minha indiferença. Salvemos o dia de forma constante: só assim há de transformar sua lembrança, que um dia não será mais doce, no outro não será mais, e enfim não será. Deixe-me ir com a chuva fina que limpa e esfria horas vazias de dor ou de querer. Volte para casa e pense no que você quer ser, no que vai fazer quando eu me for e você não entender por quê até descobrir que não sou dócil, flexível, doutrinável, adorável, feita daquele material que resiste a choques, quedas e grandes desafios. Sou quebrável e posso chorar mais de três vezes ao mês. Preciso de ar, luz e calor; sinto frio e durmo muito; tenho medo e carrego opiniões que mudam a todo momento, outras que não mudarão. Acho a felicidade um belo cliché, e tenho tanto tempo pra pensar que me é difícil definir se penso um pouco em cada coisa ou muito numa coisa só. Ah, mas isso você não entenderia! Um beijo enternecido e uma palavra de bom dia são sempre de bom tom. Enquanto você acende mais um cigarro e pensa na mulher ideal, eu escapo devagar pelos seus poros, presa a uma palavra, uma ideia ou uma nuvem enorme que paira sobre sua cabeça, cheia de coisas não ditas.

"Sinto uma sensação de dor e irritabilidade; minhas impressões são mórbidas. O céu límpido e pálido, o pôr do sol, a calmaria do fim de tarde - tudo isso - nem eu mesma sei - mas ontem estava como que predisposta a acolher todas as impressões de maneira dolorosa e torturante, de modo que estava com o coração transbordando e a alma pedindo lágrimas. Mas por que lhe escrevo estas coisas? Isto tudo se revela muito penoso para o meu coração, porém mais penoso ainda é contar. Mas o senhor talvez me compreenda. É triste e cômico ao mesmo tempo!" (Dostoiévski)

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