quarta-feira, 18 de julho de 2012

Dia 334 - Mar mineiro

As pessoas falam, falam, falam... só não pode é deixar de falar. Falam pelos cotovelos, falam até babar, e aí surge um profissional especializado (porque o que mais tem agora é profissional especializado) e prescreve um remedinho. Não é nada grave, eles dizem; tenho uma doença cabeluda, você pensa, só porque falo demais. A mais. Além da conta. Gulp - sou indiscreta - egocêntrica - venenosa! Sou um ser bem desprezível, pode me encher de remédio e me preparar para viver em sociedade, domesticada, sem opinião própria - preciso de anestesia, de um culto envolto por aleluias, de um animal de estimação peludo e servil. Vigilantes da língua, abram suas portas e ajudem a quem precisa... Enquanto isso vamos tentar a terapia dos dois olhos, dois ouvidos e uma boca, do peixe que morre pela boca, de que quando Pedro fala de João lalalá. Isso tem que fazer sentido, você pensa enquanto confecciona uma planilha de silêncio e palavras positivas com metas mensais. Você dorme e sonha com a relevância das suas palavras, e se pergunta se a classe tem mesmo algo a ver com isso, porque classe você não tem, e isso, você conclui, faz toda a diferença. De dia você vê alguém que te lembra aquela amiga que mudou de nome e criou um tipo de conversa da qual só ela participa. Depois do almoço tromba com o instrutor de ioga, que fala devagar sobre as coisas de sempre. Argh! Uma careta vale mais que mil palavras... Descendo de elevador, toca o celular. Alô?, você atende constrangida. Está disposta a escutar, só escutar, isso mesmo. Dentro de uma lata de sardinhas vivas às seis da tarde, você se espreme e tenta não causar antipatia disfarçando o nariz inchado e os olhos vermelhos com a exposição àquele perfume de quinta. O elevador não chega ao térreo, você pensa que se ficar ali mais um segundo tudo irá por água abaixo e respira com dificuldade. É um velho amigo do outro lado da linha e você não pode conversar do modo habitual. Enquanto ele te conta mil e uma aventuras você acha a oportunidade perfeita para exercitar as poucas palavras e exclamações contidas. Quem sabe não funciona dessa vez? Audácia pura, ousadia máxima, autoconfiança lá em cima... e ele te diz que as piriguetes estão ficando românticas. Putaquipariu! Você repete o palavrão por duas outras vezes. Genial, você vibra. Não poderia viver sem essa, juro, você beija os indicadores sem se dar conta de que à sua volta muita gente se entreolha e acha a coisa toda um tanto estranha. OK, você pontua; mudemos de paradigma, falemos de outra coisa. Basta! Chega de gastar dinheiro e manipular o terapeuta! Um palavrão por asneira que você estava a ponto de dizer e não se fala mais nisso. Mas... peraí - pra onde foi toda a minha alegria?, você pensa sem muita coragem pra responder. Respira; bate a mão com toda força sobre a mesa. Puuuuuta merda!, você grita com gosto. Preciso voltar a beber.

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