quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

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- Ela disse não. Sua mãe, ela disse não. Sinto muito.

Ainda hoje, ao me lembrar disso, dói o corpo todo. Eu disse que não seria assim, que não seria fácil. Não havia culpados agora. Vagarosamente e sem conseguir esconder o peso da vergonha que se apossava do meu corpo mirrado, sentei-me no pouf da loja e comecei a desamarrar, primeiro, o pé esquerdo. Ao redor, quatro estranhos me olhavam com 50% de decepção misturados a 50% de dó. Ai, dó não... Tudo, menos dó, eu pensava enquanto descalçava com cuidado meus pés inexperientes. Tentei esboçar um sorriso a la tudo bem, e o que se seguiu a esse momento virou cinza não lançada no mar; pedaços de histórias cruzadas que acham que ensinam, que creem na redenção de pés calejados como os meus, os seus ou os de alguém que talvez conheçamos. A singeleza desse tipo de lembrança se traduz na claridade que emana de sentimentos sinceros. Em meio à penumbra, tive pena da menina rica que havia provado um modelo idêntico ao meu lado e agora levava para casa o presente que eu tão avidamente quisera receber - tive pena ao vê-la triste por mim. Honestamente não sei se conseguiria, mesmo hoje, demonstrar tamanha solidariedade. Se eu merecia um não? A pergunta é, na verdade, se alguém, em qualquer tempo, me ensinaria a lidar com ele. Na dúvida, a vida assume seu papel de mãe dos órfãos de espírito e cria uma espécie de roleta russa auto-explicativa sem trégua, para que só os espertos conheçam os benefícios de se puxar o gatilho. Questionei-me inesgotavelmente sobre a real necessidade dessa memória, até descobrir que havia atrelado a ela toda a minha possibilidade de merecimento, toda a minha urgência por prazeres que, de tão momentâneos, excedessem os meus sentidos - pequenas e escandalosas doses de luxúria a enfeitar minha estante, a lembrar-me que sim, I'm more than ordinary. Sim, I'm good enough at last.


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