sexta-feira, 15 de julho de 2011

Devagar

De dentro do ônibus tudo passa rápido demais, como num filme. Dois anos que fazem careta para se esticarem em duas horas de uma história sem vinhetas. Passa árvore, passa casa, passa carro, moça, sinal de trânsito. Lá em São Paulo eles dizem farol. Farol em Minas é o do carro, e na Bahia lugar de farol é na praia. As diferenças vão caminhando a passos largos, as coisas passam como um comercial de televisão que vai ser igual amanhã ou depois. De tão rápido fica normal, e a gente se esquece que uma casa é só um lugar pra morar, que um carro só precisa ir e que um telefone serve tão somente para te conectar a uma outra pessoa. A gente se esquece que roupa é uma convenção social, que sapatos protegem os pés, que depilar é higiênico, que os dentes te ajudam a comer melhor, que tatuagem é igual a foto, uma história gravada pra você lembrar. Trabalho é o predador natural do ócio, e dinheiro é moeda de troca pelo seu serviço. Os outdoors passam pelos seus olhos e te demovem da idéia de ser um cara comum. Você precisa chegar, rapaz - chegue onde ninguém te alcance! Depois pule de lá ou faça o que quiser, mas não se esqueça de chegar: carro novo, casa própria, decoração alheia, dentes brancos, gosto apurado e muita história pra contar... De dentro do ônibus dá pra ver as pessoas na rua lutando para extrair a seiva da vida de forma cada vez mais particular; pessoas na rua rastejando sem saber por quê; pessoas que criam com a rua uma espécie de comunhão, e fazem tudo devagar para seguirem à risca o descompasso do dia. Não sei quem está certo, se é quem mora em casa ou quem divide um apartamento, se é quem ri de tudo ou quem chora de arrependimento. Só sei que de ônibus eu não ando mais.

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