domingo, 29 de agosto de 2010

Capítulo 19: November rain

Estava escuro. Frio. Ainda assim, ela caminhava. Cinco horas da tarde que mais pareciam dez. Vento de inflamar as orelhas. Velvet no talo fluindo lá dentro. Movia-se com dificuldade, repleta de roupas, a bolsa cheia de coisas - presa a pares de casacos e botas que pesavam como correntes. Nariz vermelho, cabelos desgrenhados, lábios rachados, olhos apertados, lacrimejantes. Sentia-se fraca, o tempo e a comida ruim haviam lhe tirado a saúde. Olhava pelo vidro do carro, e ele lhe devolvia a imagem da pele amarela, seca, dura. Toda ela endurecera. Tornara-se escrava de dias feios e noites sem estrelas. Enquanto caminhava, fazia força para carregar a própria vida nas costas. Lançava seus poucos quilos contra o vento, queixo para baixo, pobre de orgulho ou dignidade. A cada passo lembrava-se de casa - a cama macia, os livros, o som e a televisão... o sol. Nunca o sol havia tido tanto propósito. Há meses não colocava um vestido. Os dias e as noites tinham a mesma cor. As nuvens também sentiam frio, e só faziam chorar. Para não chorar, ela bebia. Bebia e corava, olhos obstinados e brilhantes; então era mesmo bonita... Não havia lugar para ela em nenhum lugar daquele lugar - o céu lhe dizia que não haveria em lugar algum. Pensou no porquê daquelas ruas frias correndo tão avidamente por suas veias. Destino? Coragem? Faltava-lhe muito de tudo. Sua educação sequer lhe rendia um pão ao final do dia. Penitência? Sem nunca ter podido dar-se ao luxo de ser mimada, reconheceu que aquela caminhada escura e fria às cinco horas era tão somente uma mudança consentida em sua história. Cerrou os dentes, encolheu-se toda e pediu ao pai de todas as coisas que lhe trouxesse calor. Permaneceu ali por mais alguns segundos, o corpo borbulhando em transe, silêncio total e absoluto. Desenrolou-se devagar, abriu os olhos. Sob o pé esquerdo, jazia tímida uma nota de vinte libras. Curvou-se em sua direção e foi surpreendida por um tapete vermelho logo à frente. Agradeceu ao pai por ter contribuído para colocá-la no mundo, à mãe por ter feito todo o resto. Sorriu e caminhou até o pub sem olhar para trás.

Nenhum comentário:

Postar um comentário