sábado, 13 de agosto de 2022

Con-solo

 Mas o que é esse tal de amor? Pra uns, amor é segurança; para outros, paz - e para a maioria (afirmo no maior atrevimento), amor é aquele torpor gostoso, aquela onda alta, perigosa, mas que você quer surfar até o final porque bate um sino lá dentro do peito e o barulhinho é bom. Ainda que haja perspectivas químicas, psicológicas e espirituais sobre o que é o amor, o que ele não pode (sou atrevida mesmo, chupa essa manga) é ser morno. O amor não pode ser morno porque morno dói, porque morno é sinal de desatenção, de descuido, de sem desejo, sem vontade... de desafeto de corpo, de cabeça e de coração. Começa com um, mas o outro se cansa de nadar sozinho, de tentar sozinho, de estar sozinho num baião de dois. E por algum motivo mais estranho que os mistérios de Stranger Things, eles seguem juntos, descoordenados, duas almas sozinhas que foram ensinadas a serem felizes sozinhas, que a solitude é o novo hype. É esse o motivo, não tem mistério algum: temos sido ensinados que precisamos estar bem com nosso próprio ser antes de trabalhar em dupla. Já te disseram isso na escola? Nada! Pelo contrário: na escola a gente aprende que precisa da expertise do outro, da força do outro, da disposição, energia, alegria do outro pra construir nosso barquinho, a maquete da feira de ciências, pra fazer o macarrão do dia dos países, pra montar uma linha de acusação sem qualquer conhecimento de direito que vai condenar Capitu pra surpresa do próprio Machado de Assis. Na escola aprendi a entender a importância do outro em um projeto de grande porte, em um plano que, com falas emboladas e ideias várias, torna-se um majestoso estandarte à frente de um bloco de forró que conta com músicos, dançarinos, artistas, produtores, cada um com seu papel. Quando a gente pensa em uma banda, um grupo de dança, um filme, quando a gente se lembra de projetos que tinham tudo pra dar certo e deram foi com os burros n'água porque a gente decidiu fazer sozinho ou o resto do pessoal deu pra trás, a gente entende a importância do outro nas nossas vidas. Nem meu pai, que lutou tanto pra se isolar do mundo, deu o último suspiro desacompanhado - e tenho pra mim que, pra ele, fez toda a diferença. Pois que quando a gente pensa em se relacionar, vem um psicólogo ou um coach de relacionamentos cuja única formação são coleções de desabafos que ele transformou com palavras bonitas e te diz que sua independência e tenacidade assustam os homens; que você é areia demais pro caminhão de muita gente; que você nasceu sozinha e vai morrer sozinha, então tem que aprender a ficar bem sozinha na vida (e que atingir esse nirvana vai causar inveja nas mulheres mal amadas e pânico nos coitados despreparados dos homens). Aiai... Aqui vou eu desfilar minhas convicções ariscas pela sua timeline - já que esse é um espaço meu, deixa eu debater sozinha sobre a sozinhez (vocês já devem ter visto que eu adoro inventar palavras - aprendi com meu brother Guiminha desde o grande sertão e não parei mais :)). Pra começar minha reflexão, acredito que se acontecer de a gente partir desse plano sem companhia física no momento do desencarne, temos muitos companheiros encarnados e desencarnados que nos estarão guiando e amparando em pensamento - eu estive lá com meu pai sem estar; sei que ele não se foi só. Nascer sozinho, então, sei que a gente não nasce - somos amparados por um grupo de pessoas especializadas em nos ajudar a vir ao mundo, e ainda que desgrudem nossa mãe da gente, ela nunca (mais) se desgruda de nós - cá estou do alto dos meus 42 anos e meio pra te trazer essa verdade. Pois se até pra você virar gente na barriga da sua mãe ela precisa do seu pai... A gente nasce, cresce e, ao longo da vida, temos os laços de sangue e os do coração, e vamos, cada um no seu tempo e do seu jeito, tecendo essa teia de relações por toda uma existência (e nem vamos aqui adentrar a perspectiva espiritual que traz conexões de muitas vidas). Tem aqueles que a gente acha que nasceu conhecendo, tem aqueles que temos certeza que fazem parte das nossas vidas sem nunca terem feito, tem os que a gente queria que ficassem mas que se vão, tem os que deixam a gente ir sem cerimônia, tem os que querem que a gente vá; tem os que querem e se esforçam pra que a gente fique. Pela minha experiência: foque nesses. Olhe pra quem olha pra você de um jeito diferente em primeiro lugar - queira quem te quer bem, quem se faz feliz na sua companhia. Já compartilhei com vocês há mais tempo reflexões doídas sobre o coração de quem já amou uma vez, no Rowing. É doído porque quanto mais bonito, mais profundo, mais sincrônico e mais mágico, mais difícil é seguir em paz quando já não há mais aquela pessoa que representa todo o amor que você nem sabia que buscava de tão bonito - e é impossível (repito: impossível) ter isso outra vez. É o que eu e meu grupo de achismos arrogantes achamos, tu que lute pra nos provar o contrário ;) Quando a gente vive uma coisa inteira, sincera, mútua, quando a gente se entrega sem medo e partilha a intimidade de um jeito natural e se sente acolhida, protegida, desejada, mimada, linda na nossa singularidade, compreendida na nossa loucura, é como se o tempo abrisse uma fenda, um portal atrás da cachoeira, e tudo parasse pra gente amolecer o corpo, baixar a guarda e viver a lindura daquela coisa. E aí, depois de alguns anos e alguns encontros com pessoas especiais mas incompatíveis, você começa a pedalar de novo, e contabilizar suas horas de prazer e lazer consigo mesma, porque é assim que você vai se sentir plena. Você não é mais aquela pessoa ingênua que vive de ar e de amor - o amor não é suficiente, você constata. Elenca o que precisa em um relacionamento. Faz cursos de autoconhecimento pra não cair na balela do tal frio na barriga que não enche barriga de ninguém. Agora você se conhece; se cuida; se basta. Sozinha tá ótimo, poderia viver assim minha vida inteira (?). Tá bom, se cuidar e se amar são as bases do nosso bem-estar, de uma passagem mais confortável por essa vida, mas se bastar... Tenho certeza que eu me basto, mas me bastar não é suficiente pra mim, com toda a suficiência e filosofia que essa frase requer. Quero colo, quero fugir de casa, quero dormir aqui com você, quero alguém pra me abraçar quando eu estiver com medo, quando tiver um pesadelo, quero não precisar voltar depois das três. Quero companheiro de viagem, interlocutor, contador de piadas, ouvinte de desabafos, modalizador de críticas, dissipador de discórdias, desconversador de conversas que não alegram ninguém. Quero vetor de otimismo, incentivador sincero - quero sincero -- quero sincero. E quero o tcham que separa o amigo que é tudo isso e muito mais do amante que te desnuda com olhos sedentos de desejo, curiosidade, compreensão, afeto - amor. Sem isso, seu par é só mais um grande motivador da sua solitude, alguém que, com(o) você, torce pra acreditar que é possível ser feliz sem sentir, porque sentir está fora de moda, superestimado, clichê danado pra quem instagrama solitude e sofre de solidão.

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