domingo, 30 de junho de 2019

Mãe

Mãe sofre. Mãe acredita nos seus filhos até o fim. Mãe desacredita também. Grita. Xinga. Mete a mão. Chama a polícia. Interna. É, mãe é gente como a gente, a fim demais de ter uma vida boa. Cada surto é um sopro de esperança; cada chacoalhada renova as ideias, borbulha o sangue que vai pro coração. Dizem que mãe tem que aguentar. Mãe tem é que se orgulhar, uai! Pôr pra fora uma massa enorme, desconfortável e, agora, dependente. Não deve ser fácil. Que ele coma primeiro, que durma primeiro, que seja feliz primeiro. De repente a mãe não tem vontade própria - e é condenada se tiver. De repente o filho é o centro do mundo e pronto. E mesmo com todo o ceder, não dá pra saber quando acaba o sorriso, o abraço, a chuva de cartinhas com desenhos coloridos... por que em uma mesma noite a rainha vira abóbora, saco de batatas? Relegada a segundo plano, ela resiste. É ela quem permite? Seria rechaçada se não permitisse? Do outro lado da sala, o pai - impassível, incólume... protegido pelo peso da tradicional inércia. Mãe é ser humano, gente que quer ser gente, viver com dignidade. Mãe quer criar os filhos e seguir a vida e esperar por dias bons, alguns milagres e poucas aventuras. Mães ficam amargas. Choram. Pensam em como seriam suas vidas se não tivessem sido mães. Ninguém pra cuidar além de si mesmas. Talvez por isso mesmo elas tenham sido mães - pra ressignificar as noções de tempo, espaço, necessidade, prioridade, sonho, centro de tudo. Será que eu não pude ser pra centrar tudo em mim? Mas não fica bem egoísta? O pior é não poder gerar um filho biologicamente e ceder sua liberdade de tomar um picolé no fim da tarde a uma pessoa qualquer, sem laços consanguíneos, sem direito adquirido, sem bandeira da paz a tiracolo, sem amizade no rosto, sem mãos sobre pedras. A cada terremoto uma erosão, uma fissura no terreno mal-embasado, um banho mais demorado que o usual, um chá pra você e sua cabeça, um pentear de cabelos com a mais pura introspecção. Mãe acredita e sofre, quer e reza, troca o certo pelo incerto, faz o impossível para cuidar, criar, esquecer de si só para lembrar do outro - mãe paga e padece e evolui e se enobrece. Que Deus livre do mal as que não tiveram o mesmo privilégio.

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