sexta-feira, 21 de junho de 2019

Invernal

Hoje é o primeiro dia do inverno. Aniversário do meu amigo André Santana, que há alguns anos sumiu sem deixar rastro. Lembro-me exatamente do dia em que ele me disse Cheguei junto com o inverno. Partiu em pleno verão, devaneio praiano. A cada 21 de junho me lembro do André, do Stereographic, do trance darkzera que ele fazia. Era forte. Sabia que era elaborado, que era profundo, mas desorganizava as minhas ideias. Ele ficou famoso e mais tarde aquele som desorganizou as dele também. A balada. A droga. A bebida. A bebida. A bebida. A droga...! Tem gente com discurso pronto pra explicar que tem controle sobre isso. Deixa eu explicar uma coisa: ninguém tem controle sobre o vazio. The void. Não se trata de controlar o uso de uma substância que suga a sua energia hoje pra te derrubar amanhã - um verdadeiro knockout. Trata-se de controlar sua ânsia por um pouco de adrenalina, de invencibilidade, de descontrole... por uma vida menos ordinária. E assim vem o sexo desprotegido, a vulnerabilidade do não saber, o frio na barriga quando você acorda e nem imagina o que aconteceu depois das seis horas de ontem. A gente bebe pra esquecer e se lembra mais, se lembra enquanto o corpo derrete embaixo do chuveiro. De medo. De pena. Regrets. Ah, foda-se - amanhã vai ser outro dia e logo adiante lá estará você repetindo o ciclo. Tranquilo seria se você fosse um ser à parte, sozinho no mundo, sem amarras. Mas tem a sua mãe. O seu pai. A sua irmã. A sua esposa. Seus filhos? Olá, alguém aí acordado pensando nisso? Quando o André se foi eu pensei. Eram tantas mensagens no facebook, tantas pistas falsas, tantos "ele foi visto aqui e ali"... E do outro lado da tela a mãe e o irmão seguiam cada fio daquela meada ensandecida. Um dia ele era um cara dos mais bonitos, ciclista, saudável. No outro a paranóia virava de quando em vez o seu pescoço. Qualquer barulho era sinal de alerta. As pessoas estavam sempre armando alguma coisa. O mundo tornou-se um lugar opressivo demais. Sufocante. Na hora do sufoco bom mesmo é chorar aquelas lágrimas que doem pra sair; gritar bem alto num lugar distante; caminhar com uma porrada no ouvido pra virar feto com um mantra de relaxamento uma hora depois; falar palavrão por escrito; tomar sol, tomar chuva, tomar arco-íris na cara. Abraçar a sua sogra antes e depois do chá, do bolo com pão de queijo e daquela conversa, se perder naquele abraço que revigora, naquele laço que se criou no princípio de tudo. Abri a porta do elevador e senti aquele frio invernal balançar as folhas da minha saudade já latente, e quis voltar e dizer obrigada por tudo. As coisas parecem doer mais no inverno, como se todo mundo estivesse ocupado demais preparando algo bem gostoso pra comer sozinho antes de dormir. 

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