quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Carta aberta ao meu analista

Pois é. Mais de um ano aos trancos e barrancos, querendo e não querendo caminhar até aquela porta. O tempo passou e dentro dele couberam quase uma meia dúzia de escapadelas. Como tudo na vida, no entanto, a dificuldade/fragilidade/necessidade me fez voltar ao elevador que dá pro corredor que leva à porta branca. Voltei sem saber o que esperar, pensando vagamente em acolhimento, em entendimento, em conforto ou alento. Os meses foram andando e me dei conta de que ir até aquele consultório representava uma espécie de punição, uma parte do meu dia em que eu pagava pelo meu próprio julgamento - e saía muito pior do que entrava. Fiz uma vez, duas, três, muitas. Será que isso está mesmo certo? Será que, além das minhas próprias cobranças pessoais, preciso tirar uma hora da minha semana pra me cobrar um pouco mais, dessa vez com qualquer tipo de embasamento? Vi esse comportamento se reproduzir em relacionamentos passados, futuros - pessoas que me queriam por perto desde que... Carcaça intacta, está na hora de reprogramar a máquina. Menos emotiva, mais segura, menos sincera, mais linha dura, menos dócil, mais perversa, menos generosa, mais política, menos aberta, mais vingativa. Por que é que você se entrega? Por que não se resguarda? Por que sorri se a vida está uma merda? Por que chorar se você pode começar tudo de novo, desde que... ? Esse toque lacaniano ferrou com a minha cabeça - me fez pensar em mim como um hamster dentro de uma bolinha que nunca vai mudar de lugar; me fez acreditar que quem me quisesse desde que... me faria um favor; me fez questionar tudo isso pra me questionar depois: será que você não está fugindo dos fatos? Será que está buscando as coisas certas? Será que estar sempre insatisfeito com você é um caminho de todo ruim? Será que encarar suas imperfeições com dureza não seria a chave pra um tipo de redenção? Não. Quero carinho, abraço, afeto que possa vir do meu coração para o meu corpo - quero rir de mim mesma, me achar bonita com qualquer cabelo, em qualquer espelho; quero sentir que sou cortejada, estimada e desejada por ser quem eu sou. Quero poder preparar um discurso pra secretária eletrônica e dar um pulo da cadeira quando ele atender o telefone fora de hora. Quero me embananar se do outro lado da linha aquela voz conhecida me chegar ao ouvido, e poder corar com um elogio ou um convite inesperado. Quero poder admirar-me dessas pequenas verdades sem explicação, medo ou culpa, porque perfeito é o que de perfeito não tem nada. Não desisti de evoluir nem de contar com a ajuda de alguém que faça questão de me conhecer. Só não acho que a palavra ajuda signifique sofrer ou se diminuir. Isso tudo é só pra dizer adeus - decidi que não desejo voltar mais.

Um comentário: