quarta-feira, 19 de maio de 2010

Clichê

- Ele disse que eu sou feia.
- No mínimo diferente.
- Você não viu nada ainda.
- Manda bala.
- Depois daquele dia na academia, ele me ligou.
- Quantos dias?
- Cinco.
- Clichê.
- Então escuta. Marcamos de ir àquele japonês do Ponteio.
- Aquele chiquezão?
- Aquele.
- Nu, clichê total!
- Calma - vai ouvindo. Jantamos e ele convidou pra ir à casa dele tomar um vinho.
- Caralho, o clichê mandou um abraço apertado, hein, amigo?
- Óbvio que eu fui. Tá, sem comentários.
- Hum-hum. Agora vc vai dizer que a casa era dos pais e...
- Eles estavam viajando. Cara, BH, só isso já diz tudo.
- BH zona sul então... putz!
- Ouve aí. Ele foi buscar o vinho, demorou um pouco e já voltou desesperado.
- Viagra! Bombado toma Viagra mesmo! Hahaha, clichezaço!
- E o mais clichê é que na hora em que eu decidi deixar rolar, o Pico do Everest se transformou nas Grandes Planícies, sem perspectiva de recuperação da paisagem! Sabe aquele bolo sem fermento suficiente que dá errado e começa a murchar na sua frente?
- Claro, os meus sempre ficam assim... Bom, até aí 110% clichê.
- Aí é que tá. Ele quis acender a luz e eu comecei a reclamar dos meus pneus, do meu peito, da minha bunda, até do meu cabelo eu reclamei. Agora presta atenção: preparada?
- Shoot.
- Você é feia, e foi por isso que eu gostei de você.
-...
- Não precisa esconder nada de mim, eu já analisei tudo. Em detalhes. Escolhi você pela feiúra.
- Queeeeee issooooooooooooo... E você?
- Fiquei calada. Tava curiosa pra saber onde isso ia dar.
- Em merda, né, Flávia, óbvio...
- Ele disse que as minhas partes feias não o desagradavam em absoluto - com essas palavras - e que como ele era um cara bonito, eu sempre teria que me esforçar para ter sua companhia.
- E você, o que achou?
- Achei ótimo, fiquei gamadinha. Todo dia faço uma coisa legal pra ele.
- Mas e as suas coisas?
- Que coisas, Maria Rachel? Minha vida era um lixo. Pelo menos agora eu tenho o que fazer.
- E o Viagra?
- Firme, principalmente depois de uma bebidinha.
- Ele tem carro?
- Não, pega o do pai de vez em quando.
- Paga a conta?
- Não, a gente divide tudo, até a gasolina do carro.
- Esse cara teve a manha então... No mínimo diferente... Fiquei até a fim de conhecer...

Um comentário:

  1. Muito bom! Tão bom quanto Luís Fernando Veríssimo. Talvez, melhor...

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