segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Capítulo 6 - A Filipina

Ei, gente,

Bem, nem queria que minha mãe estivesse incluída nesse capítulo, porque vou contar algo muito estranho que aconteceu comigo essa semana. Em casa de Madame Satã existe uma faxineira - que conversa muito mais do que faxina, but it's none of my business, anyway - que aproveitou a primeira saída da nossa old lady para oferecer quartos para nós. Sempre muito sorridente e prestativa, nossa nova amiga logo soube - por minha amiga tcheca - que alguém precisaria de uma moradia com uma certa urgência, e se pôs logo a exercer seu papel fraterno-maternal.

Como a senhora landlady se ausentou por uma semana, ela tratou de afixar os três telefones principais de sua casa na geladeira: o de seu filho, seu celular e o de Myra, a ajudante. Sabendo que Myra tinha quartos a oferecer, deixei uma mensagem em seu telefone, que nunca atendia - parecendo o de alguém que eu conheço -, pedindo que ela entrasse em contato a respeito dos quartos.

No sábado, estou eu lendo Madame Bovary em inglês, com meu amigo dicionário sempre ao lado, quando bate a campainha inoportuna: era Myra. Muito tranquila, a faxineira filipina me pediu que a encontrasse na esquina de minha casa para procurarmos por apartamentos, já que seu namorado - segundo ela - se encaixava exatamente nesse ramo de atuação. Chegando lá, o que vi foi uma pessoa pequena e aflita, com os dentes cheios de arame e outros aparatos. Rapidamente ela tomou minha mão e me pediu para entrar no prédio em frente a onde estávamos. Segui as instruções e, subindo uma escada suja e mal-cuidada, chegamos ao que chamam de apartamento. Nunca vi nada igual na vida. As pessoas que moram no Brasil muitas vezes alimentam falsas expectativas com relação a outro país, mas digo a vocês que moquifo é o que não falta nessa cidade onde cada um tem o seu Deus e ninguém acredita nele no final das contas.

Quando entrei na pocilga = apartamento, uma senhora filipina e sua filha se espremiam no quarto-sala-copa, enquanto minha nova amiga rapidamente colocava tudo que havia no seu quarto dentro de suas gigantescas sacolas de plástico - soube que elas são um sucesso entre os indigentes por aqui. Não entendendo do que se tratava, apenas fiz o que me foi instruído, ou seja, guarde tudo dentro dessas sacolas, estou partindo. Em seguida, um táxi foi chamado, e a cada uma de minhas perguntas, uma resposta diferente - agora entendo porque os agentes da imigração perguntam várias vezes a mesma coisa de formas diferentes...

Voltamos à casa de Madame Falsary, pegamos as bagagens e fomos para a rua mais movimentada de Kilburn - um bairro bem localizado mas simples, onde tudo é barato. Lá ela desembarcou, no meio do centro de BH, com umas 6 malas com uma Érika em cada uma. Depois de abrirmos a porta para o inferno, subimos uma escada sinistra - eu carregando malas para uma pessoa que iria me mostrar apartamentos, for Christ's sake!!!, e que eu havia visto um dia na vida (santa tartaruga, Érika Amâncio!!!) - e chegamos ao seu quarto, um amontoado de móveis, com uma cama de casal, uma cômoda antiga, um guarda-roupas datado de ainda mais tempo, e - o mais intrigante - um aparato eletrônico de dar inveja a qualquer leigo. Lá ela espalhou suas malas, tentando escondê-las o máximo possível, alegando que seu namorado iria maldizê-la por ter tantas malas, o que consequentemente confirmaria sua excessiva quantidade de roupas e sapatos. Em um dado momento, ela me disse para não chamá-la de Myra - agora ela era Yra, e pronto. Simples assim (Oi!). Pressionou-me muito para que esperasse o grande amor de sua vida, o gentleman que ajudava a todos os filipinos que ali se instalavam - a pocilga tem andares, gente, infinitas escadas, pra quem acha que o paraíso é para cima se calar de uma vez.

Eis que às três horas da tarde chega o homem. Sujeito de uns 65 anos aproximadamente, cabelos para trás como os de Tancredo e de Sarney, poucos cabelos, mas tentando manter a cor escura, tipo mafioso estilo alerta vermelho, quase com um charuto na mão, bem-vestido, alinhado - até demais - para a ocasião. Eis que o senhor chega, se apresenta, aperta minha mão ao ouvir meu nome, senta-se no sofá - dificil, o quarto parece uma sala de móveis - e começa a falar. Gaba-se ao enumerar seus inúmeros negócios, dentre eles o de captar novos alunos para uma universidade - cujo nome já chequei e concluí que existe. Nessa brincadeira, ele primeiramente me pediu para que arrecadasse alunos e que tratasse diretamente com ele, dizendo que 'aqui não precisamos trabalhar; se eu faço dinheiro, vc faz também'. Achei tudo muito estranho, principalmente o fato de a filipina estar tão excitada desde a chegada de seu bem-amado - para ficar mais claro, ela tem dois filhos aos cuidados da mãe em seu país e deve ter mais ou menos uns 38 anos.

Pedi para ir ao banheiro e, ao voltar, pude ouvi-la dizer a seu amante 'só quero que ela fique segura'; como o Poderoso Chefão percebeu que eu havia ouvido a última súplica, disse com uma risada nervosa: 'é claro que ela ficará segura, falando assim parece que eu quero matá-la ou algo do tipo, hehehe...'. QUEEEEEEE IIIIIIIISSSSSSSOOOOOOO!!!!! Depois ele veio com um papo de que havia um teste para estudantes que quisessem ficar indefinidamente em Londres, que consistia basicamente em falar algumas coisas com o gravador ligado, mandar a gravação para o Home Office e pronto. Fácil, né? Segundo ele, era um procedimento novo, do qual ninguém sabia (tão inocente, né, tadinho... será que alguém cai nesse conto do vigário?).

Achando o rumo daquela conversa um tanto estranho, principalmente depois de tantas mentiras ditas e desditas pela amiga filipina, resolvi pedir licença e sair da casa, alegando que precisava comprar algumas roupas para meu novo emprego, para o qual deveria estar disponível em poucas horas - o que quis dizer na verdade foi: 'não se atrevam a fazer qualquer coisa contra mim, bloody motherfuckers, porque muita gente vai dar trabalho pra vcs!'. A mulher insistiu para ir comigo, e vi o homem imediatamente, depois de me dar uma olhada bem geral, pegar o celular e conversar com alguém em uma língua que eu não entendi, igualzinho àquele filme 'Tráfico Humano'.

A filipina insistiu o tempo todo em pegar na minha mão e dizer o tempo todo que era minha tia, que se alguém perguntasse qualquer coisa, isso era o que eu deveria responder. Dei um jeito de sair fora delicadamente, alegando que meu ônibus estava vindo, e fui embora muito rápido. Ela me ligou hoje duas vezes, e não me dignei a responder. Prestem bastante atenção às pessoas do mundo - elas são várias, e podem ser muito, mas muito perversas...

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