sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Dedo de moça

 Num sopro de vida, a gente vira a folha, bem sem querer nada... Sente-se cansada, casada, infundada - o fim da discórdia a cada nova rolha. Sol de anestesia, goles de água fria pel'alma gelada... Ao sair da bolha, pílulas avant-garde de cada dia... Terapia que desmonta, desconcentra, abarrota a cabeça tonta desde a placenta até o fim do mundo: reza santa em terra de cego sem rei revolvendo a revolta do mar profundo. A cada partida uma despedida de quem nadou fundo em água cristalina de torpor e mágoa... Do céu cai a água que te purifica, que te mumifica e rola bandida por suas faces ora contidas, simples, rosadas, cheias de fadiga, saídas de um conto de moça boba, pudica, que ao dormir entrega seus cabelos aos mais belos pentes de fadas. Num sopro de vida, a gente se sopra e reza pra cair pra cima; rola, se esfola, volta aos tempos de menina crua, cheia de pureza genuína, que ria e achava que o mundo era baião de dois; que a vida, lá no fundo, era muito mais que baby-liss e pó-de-arroz. Depois o nós vira eu e Deus, esperança de sonhar o sonho que ontem me pertenceu, de calçar um sapato folgado. De apertado chega o nó  preso à garganta, a impotência que me afronta diante do mero estar - de me enxergar tão pequena quando o que vale a pena é se entregar. Amar desse jeito crava no seu peito um buraco ateu - sem choro nem vela, despenca singela a fé naquela história, fruto da beleza, do sonho, da glória que Deus prometeu. Coração medonho, rouxinol tristonho a se procurar - guerra inconsciente do que é presente com o que vai passar. Num sopro de vida a gente respira... e sorve o que não fira tato ou paladar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário