domingo, 3 de junho de 2018

Obsolescência programada

Deixe-me ver se eu entendi: o modelo que o senhor acabou de adquirir já apresentou defeito após apenas dois meses de uso. Irreversível, porque hoje em dia o trabalho para consertar não compensa - há muitas opções mais baratas e compatíveis com suas predileções. Não vale a pena sequer refletir sobre a forma como o senhor utiliza o produto. Se o bem recém adquirido é frágil ou demanda maiores cuidados, não é o senhor quem tem que se desdobrar para ser servido com eficiência. O senhor nada mais é do que uma vítima da sociedade, mais um indivíduo ludibriado pela promessa de funcionamento pleno do aparelho conforme suas ordens, condições e necessidades. Se me permite uma sugestão, ao menor sinal de dúvida, TROQUE. Nas novas versões, o senhor pode configurar, além do idioma, posicionamento político, preferências esportivas e comportamento in e outdoors. Além disso, a opção "diálogo" pode ser desativada a qualquer momento ou mesmo desinstalada. Tudo isso inteiramente grátis e sem sair de casa! Esses modelos com armazenamento de memória e kit opinião própria estão saindo de linha - simplesmente obsoletos. Desprovidos de kit co-dependência, mais parecem um Pense Bem que um Playstation (e convenhamos, quem quer passar momentos preciosos a montar quebra-cabeças sobre si e sobre o outro? Foi-se o tempo em que esforço gerava realização). As opções Construção Colaborativa e Demanda de Esforço da Outra Parte têm gradualmente dado lugar a configurações mais atuais, como Me, Myself and I e Venha a Nós. Não há algo mais fora de moda hoje em dia que o senhor ter que aprender a manusear e acondicionar o aparelho. Nada de se preocupar com ele! Os modelos disponíveis no mercado são cem por cento programáveis a partir do primeiro uso e se alimentam do que o senhor se propuser a oferecer - e o melhor: com um simples comando de voz. Obsolescência programada, ora essa! Eu diria felicidade instantânea - infinita até a próxima troca.  

Um comentário:

  1. O aspecto descartável e acumulativo desses tempos líquidos...Ninguém precisa ser responsável pelo que conquista, porque tudo é substituível.

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