A gente inventa, né? Inventa mesmo umas modas que é pra mudar a estação, pra parar de chover ou pra cair mais água lá de cima, pra ser visto, pra criar expectativas de um amanhã mais... personalizado. A gente faz que gosta porque sorrir é mais barato - rir então é de graça, não há mais dúvida disso. Nos descobrimos um bocado de coisas e esboçamos um quê de falsa surpresa, e no atropelo da mudança de episódio desligamos a tv pra fazer algo politicamente incorreto - só porque é disso que a gente gosta. Não tem essa de criar motivos, de perceber, de entender, porque sabendo ou não a estrada aponta pro mesmo lugar - a gente só faz o que quer, porque esse querer é a razão de tudo, é o chicote no lombo do coração arriado, último suspiro. Não interessa quem quer mais: a gente quer junto e junto a gente vai mudar o mundo, correr na praia, participar de movimentos populares e individuais, olhar pra dentro de um jeito nu e cru que dói dor generalizada; junto a gente vai perder o medo do escuro, pular de um lugar alto e gargalhar em um momento triste do filme porque a gente achou cliché. A gente vai passar uma noite junto de mãos dadas com a luz acesa, pra se misturar no calor da penumbra dois dias depois - a gente vai ser feliz! Já disse que sou bem inofensiva - gosto de livros, crianças e bichos e rezo por um tanto de gente de uma vez. Talvez eu seja mesmo, mas a gente... a gente inventa moda, pinta o sete e se joga n'água fria sem contar até três ;)
Esse blog é destinado a compartilhar viagens literárias, e está aberto a seres humanos e afins... Divirtam-se!
segunda-feira, 15 de dezembro de 2014
terça-feira, 9 de dezembro de 2014
Aliasas
Passei os últimos dias pensando em alguma coisa bonita pra escrever... mas não me vinha. Nada de palavra que fosse só minha, nada de mantra, tantra ou esperança florida. Parei de sentir. Parei de querer. Devagar fui entender que no meu tempo não há espaço pra drama, trama de novela - e fui agradecer porque lá fora ninguém deseja que haja. Não há sequer um grama de tristeza nessa descoberta: me encontrei pequena-grande no alpendre daquela casinha... querendo ser eu, sozinha, sem sombra de desconforto, sem tromba d'água, sem chuva. Caí em mim como uma luva e soube que não era egoísta nem narcisista me amar assim desse jeito em que eu me aceito, me guio, faço promessas sem fim pra viver sem pressa, pra ter apreço por quem me interessa e pra ser sem estar lá - pra deixar uma doce lembrança no sofá, na cozinha, na grama da praça enquanto acho graça em um filme que passa do outro lado da cidade tão minha, curtindo a minha própria companhia sem me expor, sem doer, sem pensar no que eu fiz ou deixei de fazer, sem tentar compreender por que é que eu olho pra você e não sinto nada além de uma vontade enorme de voltar, de deitar na areia da praia e ouvir o barulho do mar e não ter hora pra sair nem dia pra chegar. Subo em meu barco pequeno demais pra nós dois e navego em minha própria vida e me sinto querida mas sobretudo desejada, e deixo toda essa saliva se afogar em conversa fiada enquanto espero pelo próximo momento em que eu me farei feliz ao perceber que por um triz minha resignação daria espaço à vontade de, como todo mundo, ter um coração. Ele não vai bater se você passar, azar... não sinto nada. Nem fome de cheiro, nem sede de gosto, nem vontade de esperar. Não há fruta mais macia que sorriso na boca e cabeça vazia, suspira de alívio meu paladar.
segunda-feira, 24 de novembro de 2014
Rowing
Quem já amou uma vez fica com aquele amor no coração sem sombra de outra possibilidade. Compara, se abala e não vê a verdadeira verdade. Pelo tempo que for, do jeito que tiver que ser, conscientemente ou não, quem já amou dá voltas e voltas pelo salão em busca de alguém melhor, sem ver no novo uma oportunidade. Quem já amou tem medo do diferente, e faz de conta que não sente o coração descongelar lá dentro do peito com um sorriso, uma palavra amiga, um gosto, cheiro ou gesto recente. Quem já amou demais tem mania de colocar aquela pessoa que já não o fazia feliz em um altar resplandecente, com fotos e lembranças de um tempo que não volta mais. Quem já amou uma vez não passa um dia sem olhar pra trás... enquanto à frente pede passagem alguém interessante, incandescente, alguém que deixaria sua vida quente e macia sem por quês ou mas. Amar é saber que muita coisa vale a pena, que o que fica é resultado do que se esvai... que para cada lua que chega serena há um sol que se põe - que amanhã a janela vai se abrir e te mostrar o que o mundo propõe: um sopro de vida em águas tranquilas, sem uivos ou ais.
sexta-feira, 21 de novembro de 2014
Microcosmo
Não é novidade que eu ando sempre apressada, como o coelho da Alice. Relógio em punho, passo o dia brincando de contar minutos - calculo o tempo máximo para realizar uma tarefa e espremo o comer, beber e tomar banho no espaço entre duas atividades estacionadas na minha trilha mental. No computador música clássica, vã tentativa de fazer a cabeça borbulhar menos um pouquinho. E aí vem o trânsito... Escolhi a tarde para dirigir loucamente, nesse esquema de cronometrar cada segundo até chegar em todo e qualquer lugar. À tarde não tem jeito - me atraso. Carro demais, gente demais fazendo sabe-se lá o que naquele horário em que deveriam estar todos trancados no escritório. Eu? Pateta no trânsito, of course! E lá se vai a coelhinha simpática... Trilha sonora: Strokes, Ramones, Prodigy, Delinquent Habits, DMX (auuuuu), Cypress Hill. No talo. Vou cantando alto, trocando de pista como se dançasse um bolero pela estrada afora, cabelo mais desgrenhado a cada esquina. Coração batendo forte. Lembro que tenho um coração quando aquela adrenalina faz formigar meu corpo todo, até eu entender - bem devagar - que pra gente ser muito importante na vida de alguém tem que primeiro ser pouco importante; que a prática é inimiga da novidade; que adulto também gosta de passear de carro; que querer só é poder se você deixar pra lá e ligar o foda-se; que foda-se é uma palavra muito libertadora; que não precisar de chapa ou escova é motivo de sobra pra agradecer, porque você pode deixar o vento entrar e fazer a festa. Ligo meus rocks e raps bem alto e percebo o quanto esse momento é importante por ser um tempinho meu comigo, uns minutinhos pra eu ficar alheia a tudo o que me cansa e me consome - rio sozinha, fico achando que canto bem, faço coreografias, passo umas coisas no rosto pra dar um up, checo meu telefone e até leio uns textos quando o tráfego permite. Particular, eu sei; peculiar também. Abro a porta do carro e saio cantando, descabelada, até a próxima tarefa. Na cabeça, a vaga lembrança de que estou viva, muito viva... pronta pra fazer o que for preciso e receber o que tiver que ser meu em algum momento que não demande tanto da minha paciência ;)
quinta-feira, 13 de novembro de 2014
Twinkled
E lá vem me encher a cabeça a tal diferença entre fazer e realizar. Junto com ela caminha o medo de o mundo se acabar sem aviso e eu não saber se é aqui onde eu deveria estar. Ah, a doce arte de começar... e aos poucos revelar pequenas importâncias, verdades inofensivas a adentrarem brilhantes por sua porta entreaberta. Com um pouco de pudor você vai ver quem é que canta do lado de fora e estende metade do seu corpo em direção à praia deserta. Avisto ao longe conchas de todos os tamanhos e todas as cores sobre a areia branca e com elas visto meus cabelos recém-preparados na maior falta de pressa. Sem lenço ou perfume, o corpo ganha uma nova dimensão na imensidão do universo - de repente somos fortes, e essa grandeza nos enche de coragem. Bravura e clareza nos rondam com calma, aquela calma boa de quem não espera. Quando eu era pequena gostava de contar estrela e escrever novelas semanais sobre meus colegas. Não era por nada, não; só vontade de sonhar de noite e sorrir de dia... de abrir a porta e sentar no sofá e inventar minhas próprias novidades. Meu pai explicava que estrela era coisa de outro planeta; minha mãe dizia que eram almas voluntárias com a tarefa de um dia enfeitarem o céu. Ficava bêbada sempre que olhava pra cima - tonta de tanto achar beleza naquelas luzes que acendiam por vontade própria, só porque brilhar pra elas era tão natural. E depois disso não quis entender mais nada, não - pus o coração na frente e saí por aí cruzando campos coloridos, floridos até nos espinhos. Engraçado pensar assim, mas tenho pra mim que meu peito virou meu escudo. Ainda agora a cabeça volta no tempo e eu me vejo em mais uma escola nova, desenvoltura por conta de outros sorrisos, olhos curiosos a esperarem pelo próximo capítulo da saga que em pouco tempo encheria a sala de redação. Mar de pura poesia soprou sua brisa de alegria tranquila e banhou meu corpo de paz, calor e sorte, sentimento forte que devagar vem plantando estrelas pelos meus dias, suaves como chuva de prata em tardes de verão.
quinta-feira, 30 de outubro de 2014
Lugar comum
Ontem a palestra no centro espírita foi sobre a imortalidade. Não consegui prestar muita atenção, porque só me vinha à mente que o fato de eu estar ali sentada às oito da noite não havia sido ao acaso. Estava aprendendo a compreender que o sepultamento de uma história serviria certamente como ponto de partida para novas perspectivas, novos rumos, contos mais felizes. Fácil, ah, fácil não é. Por muito tempo agradeci pela certeza de não precisar procurar mais por uma dupla na vida. Agradecia com lágrimas nos olhos porque essa comunhão de corpos e espíritos sempre me foi importante. Enfim a busca havia cessado. E os anos se passaram... Com a cabeça cheia pedi a Deus que guardasse meu coração, que me trouxesse alento e alimentasse a minha fé com esperança. Pedi pelo respeito ao meu corpo, pela resignação da minha alma. Aqui não se morre; só se nasce de novo uma e outra vez, a fim de que se possa amar e ajudar ao próximo como você merece também ser ajudado. Que Deus cuide de nós, e que haja sempre um lugar muito especial para abrigar cada uma de nossas memórias mais felizes, que é pra gente lembrar que cada segundo valeu a pena, que esses instantes que viram sombras de solidão possam acolher a nós mesmos... com mais serenidade, mais leveza, mais alegria e fé em cada passo do caminho. Ele há de ser bonito, escuto meu anjo da guarda sussurrando ao meu ouvido como se me contasse um segredo. Por enquanto, sorrio para mim mesma ao me lembrar da minha saúde, do meu corpo perfeito e da minha cabeça que trabalha sem parar, do direito que me dou de mudar de opinião, de atividade física e de escolher meu sustento pela minha vocação. Sei que estou longe de fazer a diferença, mas peço sempre um pouco de calma nessa hora, que é para agradecer pelo que é bom de verdade. Que a gente não desista de acreditar que a vida é boa conosco, e que nada nem ninguém morre - as coisas só mudam de lugar dentro do nosso coração.
segunda-feira, 27 de outubro de 2014
Bonito
Vem.
Tô cheia de trabalho, sério.
Fiz legumes cozidos.
Hum... Não vale!
Acho que você devia vir...
Queria muito, de verdade.
Mas...
É, bom e velho mas.
Fica pra uma outra vez então.
Vou querer!
Aqui...
Oi.
Só mais uma coisa.
Fala.
Fechei os olhos e vi a gente caminhando junto.
...
Pela vida, sabe? De mãos dadas...
E o que você achou?
Achei bonito.
Tô cheia de trabalho, sério.
Fiz legumes cozidos.
Hum... Não vale!
Acho que você devia vir...
Queria muito, de verdade.
Mas...
É, bom e velho mas.
Fica pra uma outra vez então.
Vou querer!
Aqui...
Oi.
Só mais uma coisa.
Fala.
Fechei os olhos e vi a gente caminhando junto.
...
Pela vida, sabe? De mãos dadas...
E o que você achou?
Achei bonito.
terça-feira, 21 de outubro de 2014
Transcendence
... e foi assim, de um jeito que não se explica, em dia que não se lembra. Num daqueles dias em que a gente acha que era feliz; saber, mas se nem agora dá pra se saber de coisa alguma...
Fiquei um bom tempo achando que falava demais - que nesse mundo de verdades veladas eu sinto e demonstro tudo... me aprazia o som da minha própria voz, e com fás e sois iam-se histórias, gracejos, balelas de todo tipo... risadas e dores sinceras. Sonhando como o homem ridículo que tomou o coração de Dostoiévski nos braços cansados, febril no meu devaneio idiota da bondade (vulgo maneira simples de querer, ser, viver e sentir) ocorreu-me um dia o desejo de calar-me. Por um dia e outras horas, por tempos alheios ao todo dia comum. Quando foi não posso ao certo dizer-lhe, mas bons ventos me dizem que talvez não seja lá tão importante assim.
E de repente estava ali, cantando sem poder cantar; falando sem conseguir, garganta arranhando sem querer... e eu só pensava nos tantos cantos e contos que eu ainda tinha que contar, nas cantigas de ninar que sussurraria para os meus filhos queridos em uma noite de chuva tão bonita quanto agora, com porções de carinho sobre a mesa farta de ideias, luz, paz e oração. Veio-me à cabeça tudo que eu diria em prol da civilidade, da poesia, da educação, da serenidade, porque é isso o que eu busco - é por isso que eu luto: por um caminho bonito, por um destino certo. Pensei, pensei... e entendi que há de chegar a hora em que meus olhos te dirão com um sorriso tudo o que o calor do meu corpo te confessa sem pretensão - que o universo é quem nos orienta; que sem ouvir meu canto você assovia a minha canção.
quarta-feira, 15 de outubro de 2014
Sobre margaridas e piscinas
Numa noite dessas acordei com
frio e sem saber o que fazer. Não era frio de coberta, não - tava mais praquele
frio da Margarida Friorenta, que só sossega com beijo, suspiro e cafuné. Fiquei pensando naquelas histórias
de princesas, em como desde pequenas fomos ensinadas a esperar, a sermos
escolhidas ao invés de escolher, a sofrermos caladas ao invés de procurar, de
dizer, de ir à luta. Lutar por um amor é discriminado na nossa cultura - é
sinal de fraqueza, de carência. Inconformada, leio essas certezas no rosto das
pessoas e penso que é exatamente o contrário - ir atrás do que você quer com
verdade dentro do peito é sinal de coragem, de força, de vontade de ser mais
feliz. Se isso se aplica à sua vida profissional, acadêmica e até pessoal, por
que diabos não seguir os mesmos passos na vida afetiva? Já ouvi algumas vozes
sussurrarem a palavra "vulgar" ao ouvirem histórias de mulheres que
se expuseram por amor, que colocaram as cartas na mesa, todas viradas pra cima,
sem medo de perder o jogo, que amar e jogar são duas coisas diferentes demais,
que sentimento é pra se trocar com a única ressalva do querer. Se a gente
pensar em sinônimos pra palavra "vulgar", vai encontrar indecente,
indelicado, ofensivo, de mal gosto: nenhum tem a ver com amor. Nessa noite em que acordei com frio e sem saber o que fazer,
abri o computador e perguntei ao father google o significado da palavra "amor".
Encontrei esse aqui: Amor é um sentimento de carinho e demonstrações de afeto
que se desenvolve entre seres que possuem a capacidade de o demonstrar.
Concordei. É necessário que a gente seja feito de mais do que carne e osso pra
amar direito - tem também mel, algodão, chuva fina, sol da manhã, lua, música e
mágica. Nunca me arrependi de chamar alguém pra dançar, mesmo quando os passos
foram incompatíveis. Se a felicidade é a gente quem faz, esperar calada acaba
não fazendo sentido algum. Queria que essa nova leva de seres humanos
conhecesse as delícias da entrega, da constância, do querer bem e mais e muito
a cada dia, do beijo no rosto que vem com um abraço quente, apertado, dos cinco
minutos a mais antes de sair da cama, cabeça descansando sobre o peito que respira sossego, mão e mão, conversa baixinha que é pro corpo acordar sem
pressa. A ressalva, como eu disse, é só uma: o querer de mão dupla. Ninguém
precisa alimentar a alma com migalhas - pule de cabeça naquela piscina onde
aquele cara que faz seu coração bater mergulha tranquilo... e espera poder
nadar com você.
segunda-feira, 6 de outubro de 2014
Príncipe
Como saber se a gente gosta mesmo de alguém? Tricky question. Você não gosta só porque a outra pessoa gosta de você, ou só porque ela é legal e tem as melhores intenções. Você até dispensa pessoas que estão dispostas a cuidarem de você, que te compreendem do jeito que você é, que só querem o seu bem. Você tenta criar conjuntos de regras na sua cabeça, faz desenhos e organogramas pra tentar definir do que é que você precisa. Você fica aflita até os 48 do segundo tempo pensando que gosta de alguém que não gosta de você. Good old orgulho ferido que vira amor no coração de quem não se curte. Passada essa fase, está na hora do checklist existencial. Bom, morno, morno não dá; o cara tem que me querer. Ele tem que me elogiar e fazer questão da minha companhia. Além disso seria interessante que ele fosse mais alto do que eu - aquela velha ideia de proteção. Outra coisa importante é que a pessoa tenha alguma perspectiva, que esteja em busca de evoluir, de ser alguém melhor. Coerência nas atitudes é fundamental, porque um cara que diz que busca um relacionamento sério, que não há nada melhor do que viver e amar e quer te levar pra um lugar reservado no segundo encontro, ah, esse ninguém merece. E assim você vai colhendo os caquinhos de todas essas experiências passadas, refletindo sobre esses esteriótipos que a vida a dois nos oferece, até entender que o amor é uma coisa que acontece. De repente. Inesperadamente. Em um lugar inusitado, de um jeito engraçado, que é pra lembrar e rir depois. Já ouviram dizer que o príncipe encantado mora ao lado? Pra que ele apareça, no entanto, você precisa acima de tudo... se conhecer. Saber quem você é pode ser a chave para que aquele mortal cheio de imperfeições dê de cara com a sua cara... e queira ficar ali só mais um minuto, só mais algumas horas, poucos dias, meses, tempo atemporal que dança ao ritmo da compatibilidade de gênios, da intensidade dos sorrisos, da harmonia pacífica que se instaura quando não há para onde fugir. Da viagem à praia ao fim de semana John e Yoko, nada cansa, nada pesa, nada é tão complicado que não possa ficar melhor só porque é simples. Saiba que para cada boba romântica sem muito jeito pra essas coisas vai ter um espectador que acha essa falta de destreza algo gracioso. Para cada capricorniana séria e preocupada em ser adulta há alguém que admira tais valores, que vibra com essa vontade, com essa força. Alguém pra passar a mão no seu cabelo e dizer Calma, você está indo bem. Calma, vai ficar tudo bem porque você quer, porque eu te quero bem demais. Calma - é por tudo que você representa que eu estou aqui.
quarta-feira, 1 de outubro de 2014
Carta aberta ao meu analista
Pois é. Mais de um ano aos trancos e barrancos, querendo e não querendo caminhar até aquela porta. O tempo passou e dentro dele couberam quase uma meia dúzia de escapadelas. Como tudo na vida, no entanto, a dificuldade/fragilidade/necessidade me fez voltar ao elevador que dá pro corredor que leva à porta branca. Voltei sem saber o que esperar, pensando vagamente em acolhimento, em entendimento, em conforto ou alento. Os meses foram andando e me dei conta de que ir até aquele consultório representava uma espécie de punição, uma parte do meu dia em que eu pagava pelo meu próprio julgamento - e saía muito pior do que entrava. Fiz uma vez, duas, três, muitas. Será que isso está mesmo certo? Será que, além das minhas próprias cobranças pessoais, preciso tirar uma hora da minha semana pra me cobrar um pouco mais, dessa vez com qualquer tipo de embasamento? Vi esse comportamento se reproduzir em relacionamentos passados, futuros - pessoas que me queriam por perto desde que... Carcaça intacta, está na hora de reprogramar a máquina. Menos emotiva, mais segura, menos sincera, mais linha dura, menos dócil, mais perversa, menos generosa, mais política, menos aberta, mais vingativa. Por que é que você se entrega? Por que não se resguarda? Por que sorri se a vida está uma merda? Por que chorar se você pode começar tudo de novo, desde que... ? Esse toque lacaniano ferrou com a minha cabeça - me fez pensar em mim como um hamster dentro de uma bolinha que nunca vai mudar de lugar; me fez acreditar que quem me quisesse desde que... me faria um favor; me fez questionar tudo isso pra me questionar depois: será que você não está fugindo dos fatos? Será que está buscando as coisas certas? Será que estar sempre insatisfeito com você é um caminho de todo ruim? Será que encarar suas imperfeições com dureza não seria a chave pra um tipo de redenção? Não. Quero carinho, abraço, afeto que possa vir do meu coração para o meu corpo - quero rir de mim mesma, me achar bonita com qualquer cabelo, em qualquer espelho; quero sentir que sou cortejada, estimada e desejada por ser quem eu sou. Quero poder preparar um discurso pra secretária eletrônica e dar um pulo da cadeira quando ele atender o telefone fora de hora. Quero me embananar se do outro lado da linha aquela voz conhecida me chegar ao ouvido, e poder corar com um elogio ou um convite inesperado. Quero poder admirar-me dessas pequenas verdades sem explicação, medo ou culpa, porque perfeito é o que de perfeito não tem nada. Não desisti de evoluir nem de contar com a ajuda de alguém que faça questão de me conhecer. Só não acho que a palavra ajuda signifique sofrer ou se diminuir. Isso tudo é só pra dizer adeus - decidi que não desejo voltar mais.
sexta-feira, 26 de setembro de 2014
Leali
Nessa noite sozinha, sem lua e sem estrela, caminhei mais uma vez para casa, resignada por meu próprio cansaço. Sonhava com pés descalços e brisa fresca antes de recolher-me à minha significância, porque dias que não cabem nos dias ressignificam a noção de privilégio, oprimem a de escolha. Descalça e despenteada, arrastei-me até o suco de uva que esperava encontrar na geladeira e acabei por parar os olhos em três vasos de violetas bronzeando-se à janela. Lembrei-me subitamente dos meus. Também eram três; também bronzeavam-se à janela, perfumavam minha alma. Acarinhava-os pela manhã, contava-lhes da minha vida e os sentia atentos a cada um dos meus devaneios. Certo dia, um deles parou de florir - os outros dois deram a acompanhar o malogro. Comecei a adoecer. Se me deixarem minhas doces amigas, como poderei aninhar-me novamente no vazio da minha solidão? Não, não, não. Voltei-me para meu pequeno jardim em súplica, pedindo a minhas florezinhas que lutassem - senão por elas, por mim -, que esse negócio de insistir é a alma do negócio quando tudo o que se quer é viver pra amar mais, pra amar de novo, pra amar somente, pra sentir o que se sente e sorrir de um jeito que traga paz. Já naquela ocasião chorar não cabia em meu relógio apertado como meu coração. As lágrimas, no entanto, choveram sem querer, sem saber que me limpavam o peito e davam ao meu jardim substância de sonho, de moça que quer ser menina, de pureza grata, desejo de ser mais, de crescer. E pouco a pouco elas nasceram; sorridentes floresceram sem pudor, sem traquejo, sem cerimônia ou refinamento. Com elas renasceu minha esperança. Por isso hoje, ao olhar para aquelas lindas mocinhas cor de violeta, meus olhos choraram um pouco mais - ao partir, fui-me embora sem olhar para trás; ainda hoje minhas amigas bronzeiam-se à janela da minha lembrança.
segunda-feira, 8 de setembro de 2014
Sudoku
Fui apresentada ao Sudoku nesse fim de semana. O que posso dizer é que nada havia me ensinado mais sobre persistência e superação. Sempre bato nessa tecla em minhas aulas, quando vejo alunos desmotivados antes mesmo de tentarem descomplicar o que de complicado não tem nada. E lá vem o tal de "faça o que eu digo, não o que eu faço". O Sudoku é um jogo que começa inocente, mas que requer sua atenção e um pedaço da sua cabeça - a parte boa, aquela que funciona. Ainda que você demore, o importante é não desistir. Não desista. Não pare o jogo no meio - olhe de novo, só mais uma vez. Não vai demorar muito pra você achar aquele número que até pouco tempo atrás não estava lá. Nesse jogo, o ímpeto do impulso é seu maior inimigo. É preciso ter calma pra achar o caminho mais apropriado, mais coerente com a verdade dos fatos. "Não adianta fugir nem mentir pra si mesmo"; como uma onda no mar você deve prosseguir. Os obstáculos surgirão inevitavelmente, aos montes, só pra te fazer parar e pensar. É assim que se deixa as mazelas pra trás... que se evolui. Muitos de nós carregam todo o tipo de complexos, ainda que de forma inconsciente. Nesse contexto, é natural sentir-se desestimulado ao menor sinal de dificuldade. Mas você quer muito mais dessa vida, não é mesmo? Você quer um amor pra chamar de seu, quer sexo bom e carinho no cabelo de madrugada, quer uma casinha com a cara da sua nova família, com filho e cachorro e uma companheira admirável e grande admiradora. Você quer um trabalho do qual se orgulhe, quer contribuir para a sociedade de forma efetiva, quer fazer a diferença nesse mundo a começar pela forma como você vive. Você quer ser mais altruísta, mais presente em sua própria vida, mais verdadeiro com você mesmo, porque você sabe que essa é a chave pra você espalhar luz, paz e verdade - essa é a chave para a sua tranquilidade afetiva, psicológica, carnal e espiritual. Você sabe que não veio a esse mundo a passeio, que o dinheiro vem sempre que a gente sua a camisa, que quem madruga tem seu lugar ao sol. Você quer brilhar de dentro pra fora - só não tem a paciência de percorrer o caminho, de dar uma ré e começar a subir a ladeira mais uma vez depois de derrapar na terra. Aprendi que o Sudoku se faz a lápis, que é pra gente apagar e começar de novo se for necessário, quantas vezes quiser. Faço um convite a quem quiser se reinventar de forma consciente: que possamos usar nossos paradigmas sobre nós mesmos como ponto de partida e não poças de areia movediça. Sempre vai ter um cobertor de coisas boas pra cada noite fria, fora daquele lugar em que a gente pode ser melhor, sabe? Seu mundo será um lugar melhor sempre que você tentar outra vez.
PS: Essa pessoa fofa na foto é meu querido aluno (e Sudoku master) Nathan ;)
sexta-feira, 5 de setembro de 2014
E eu que nada sei, que em nada acredita...
"Das duas nenhuma: ou ela estava doente ou amava em demasia.
- Demasia?
Modari rejeitou o conselho. Que o amor é como o mar: sendo infinito espera ainda em outra água se completar. Não abrando, gritou ela. E foi falar com seu homem que complacentou - amar-se-iam sempre, mas ela que deixasse na cabeceira o controlo remoto. Pelo menos durante o enquanto. Entre risos e lábios, se entrelaçaram. Pela primeira vez nessa noite Modari sentiu o morder da ternura. O sabor do beijo resvala entre lábio e dente, entre vida e morte.
(...)
Ele a tomou nos braços e a acarinhou, cedido, sedento. Os que beijam são sempre príncipes. No beijo todas são belas e adormecidas." (Mia Couto)
segunda-feira, 25 de agosto de 2014
Eu sei
Sei
que as incertezas do universo
abrigam minha iminente desistência
que há vários nomes para o que corrompe
ou massageia
a nossa essência;
que também é assim
que você pensa.
Sei
que o que não pode ser
fica pra trás
que tentar fugir
há muito não me satisfaz
que meu corpo chama a sua insensatez
pelo primeiro nome;
que essa sede nos seus olhos
me consome.
Que o seu querer me despe
num segundo
que fazemos amor
pelos cantos mais simples
do nosso entender.
Sei
que agora é cedo
ou tarde
que sem muito alarde
vamos prosseguir
vamos conseguir
vamos descobrir
o sabor da novidade
a dificuldade
irregularidade
que é você sem mim
e eu sem você.
Sei
que é hora
de pagar pra ver.
Se anoitecer
e você não dormir
diga meu nome;
antes de ir
te beijarei inteiro
e te direi "não some"
mesmo sabendo
que você não vai sumir.
Se eu me entristecer
pegue o violão
e toque a canção
que eu queria ouvir.
Por algum motivo
sei
que você sempre
me fará sorrir.
que as incertezas do universo
abrigam minha iminente desistência
que há vários nomes para o que corrompe
ou massageia
a nossa essência;
que também é assim
que você pensa.
Sei
que o que não pode ser
fica pra trás
que tentar fugir
há muito não me satisfaz
que meu corpo chama a sua insensatez
pelo primeiro nome;
que essa sede nos seus olhos
me consome.
Que o seu querer me despe
num segundo
que fazemos amor
pelos cantos mais simples
do nosso entender.
Sei
que agora é cedo
ou tarde
que sem muito alarde
vamos prosseguir
vamos conseguir
vamos descobrir
o sabor da novidade
a dificuldade
irregularidade
que é você sem mim
e eu sem você.
Sei
que é hora
de pagar pra ver.
Se anoitecer
e você não dormir
diga meu nome;
antes de ir
te beijarei inteiro
e te direi "não some"
mesmo sabendo
que você não vai sumir.
Se eu me entristecer
pegue o violão
e toque a canção
que eu queria ouvir.
Por algum motivo
sei
que você sempre
me fará sorrir.
quinta-feira, 21 de agosto de 2014
Pareado
Se há uma coisa que deve-se ter em mente quando o coração quer entrar na brincadeira é que sua futura dupla na vida deve andar lado a lado com você. E quando digo lado a lado, me refiro a características essenciais, valores, vontades, impressões da vida e o que mais for importante. Estar com alguém que você considera muita areia pro seu caminhão traz uma insegurança insuportável; o resultado disso é você procurando defeitos no outro pra tentar se convencer de que ele não é tãaaaao bacana assim. Elogios nem pensar - de um jeito cruel demais com você mesmo, elogiar o outro te diminui. Você não banca. Fim de papo. É maior do que você esse sentimento de incômodo que te faz catar problema na pessoa que está ali tentando ser legal. Da mesma forma, estar com alguém que você acha menos tudo que você gera uma falsa segurança misturada a análises profundas de você com você em busca do furo na sua autoestima. E não estamos falando de bens materiais, mas de equilíbrio, preparo, ponderação, vontade, altruísmo. Você acha que está tudo bem e secretamente confabula com seus botões Mas eu já cheguei até aqui em termos de autoconhecimento, autoconfiança, autoafirmação, autossuficiência, autoajuda... e minha dupla na vida simplesmente não me acompanha. No fim você desdenha, trata mal, se impacienta. E a pessoa está ali tentando ser legal. O que eu acho legal de verdade é quando duas pessoas boas, saudáveis e bem-resolvidas se encontram por esse mundo de Deus. Sem pudor elas vão emendando conversas que saem do papel e arrastam-se por dias e noites inteiras e viram encontros gostosos e trocas inimagináveis. Ainda não entendo porque caí de paraquedas no meio de um tanto de caras da minha idade que carregam pedras nos bolsos e andam na ponta dos pés. Não entendo o porquê da recusa em entregar-se a um mar de novidades, de desejo, de sonho que vira verdade e abre os olhos do seu lado quando o sol acorda de manhã. Sou pró-Dostoiévski, isso já é sabido; acredito na intensidade, olho no olho, pele na pele, boca com boca pintando devagar novos capítulos de uma história acima de tudo e antes de tudo extraordinária. Porque ele mesmo já dizia, lá no século XIX, que um momento de júbilo vale por toda uma vida. Espero o tempo que for pro outro lado da linha dizer amém.
sábado, 16 de agosto de 2014
Threshold
Fui eu quem partiu, mas o desconforto prossegue. A dor insiste em doer. Me disseram certa vez que quem quer sair não sofre; só sente calafrio e mal-estar da lembrança quem queria ficar e lutar ou só permanecer. À medida que o tempo passa, tudo vai mudando de forma sempre e lentamente, como o bailar das nuvens num dia qualquer. Da janela do quarto avistamos o mesmo céu, e talvez por isso seja difícil compreender a natureza de tanta diferença no que a gente vê. Temo tornar meus passos cognitivos demais, mas se você degustasse minha sequência de palavras escritas com uma boa xícara de chá, veria que não era medo nem ilusão, que tudo fazia sentido. Ando pelo meu pequeno mundo e me abasteço de carinho a prestação - levo um pacotinho de coragem no bolso esquerdo do vestido. Sinto o calor na pele clara, sinto o vento a mudar-me as feições e escolho viver mais um pouco, mesmo sem estar inteira ou pronta pra outra surpresa... troco a decepção por uma pilha de trabalho, guardo minhas cartas embaixo da mesa e tento não pensar que mais uma vez pode não dar certo, ou que tinha tudo pra ser incrível numa outra ocasião.
domingo, 10 de agosto de 2014
Fechada pra balanço
Há alguns anos uma psicóloga que me atendia na época me disse que a arte era a forma mais nobre de extravasamento. Isso foi logo depois de eu dizer a ela que escrevia nas horas vagas. Esse meu breve comentário fez brilharem os olhos dela, como se acabasse de se desenhar ali uma luz ou uma resposta. Tinha acabado de me casar e ainda não havia conseguido me conectar àquele novo personagem, apesar de minha monogamia e carência latentes. Esses sintomas faziam com que eu quisesse sair por aí e beber pela estrada afora, como um cavalo manso que sai a galope pelos pastos, trota e relincha com sua crina brilhante ao vento... e faz o caminho de casa religiosamente pelo prazer da praxe. Sentia uma mistura de culpa, solidão e necessidade de alguma coisa que não estava dentro daquela caixa meticulosamente organizada chamada vida a dois. Escrevia para heróis platônicos que viriam me resgatar da minha placidez, que dariam outro sentido à minha existência - falas fora do script. Escrevia e sonhava com o soldadinho de chumbo em dia de folga, de bermuda, chinelo e camiseta, tocando sua caixa do lado esquerdo do meu peito, numa louca tarde de verão. Fui escrevendo, sonhando, pensando tanto no que não estava que o que ficou virou uma confusão. Ia vivendo como se fosse obrigada a viver, como se não houvesse outra alternativa a não ser respirar, acordar, trabalhar, suspirar e falar sobre tudo isso. Às vezes me perguntava pra onde tinha ido a leveza que nos fazia sorrir e andar pra frente sem pensar em casamento, filhos, sem nem pensar no dia de amanhã. No começo, passamos um bom tempo sem entender direito o que sentíamos, sem saber sequer o que é que estava movendo aquela bola pra frente. Estávamos lá, sem nos desligarmos direito das outras pessoas e coisas que ficaram pra trás. Demorou um bocado pra gente entender que estávamos de fato juntos, que era hora de erradicar os coadjuvantes de plantão. Ninguém pediu; só aconteceu, sem aflição, sem cobrança, sem qualquer expectativa. Depois de anos, me peguei pensando no quanto a tranquilidade afetiva é valiosa, no quanto é importante saber que você escolheu alguém que te escolhe todos os dias - essa escolha mútua não é sempre óbvia, mas as nuvens passam e o sentimento fica... só assim dá pra saber. Ainda assim, bebia e consumia como se o mundo fosse acabar amanhã, sem me aninhar às minhas novas perspectivas. Não era culpa de ninguém, nem de mim mesma, ainda que a falta de experiência pra lidar com algo novo tenha talvez me impedido de suavizar as coisas, de levá-las mais na brincadeira. Em cada canto, procurava pela leveza. Percebi um dia, com dor e surpresa, que não a encontraria mais dentro daquela caixa. Tem mas acabou, é assim. No lugar, frio na barriga e brilho nos olhos, uma sensação totalmente fora de contexto e de propósito, foi-se abrigando em mim. Coisas da vida, né? Mas não foi pra isso mesmo que eu vim?... Outro dia um amigo me disse que queria que eu escrevesse mais pra ele entender melhor minha relação com as palavras. Queria que eu escrevesse sobre coisas que não fossem minhas. Aí lembrei da psicóloga. Escrever é meu melhor (se não único) jeito de colocar as coisas pra fora. É um jeito de me enganar quando precisar voar com fadas para o reino da Cinderela, e de falar a verdade quando não quiser ouvi-la de outro alguém. A vida dá tantas voltas que é natural a gente confundir tanto as coisas. Preciso ser mais leve comigo mesma e passar mais tempo sozinha debaixo das cobertas, vendo um bom filme enquanto o "e se..." sai de fininho pela rua deserta, sem saber se não ou se sim.
Magnifying glass
Abriu a porta num impulso - meus olhos não encontraram sua descrença.
Ela pensou que fossem minhas suas expectativas
e chamou de cautela toda a minha indiferença;
de prudência minha intolerância;
de espaço a minha ausência.
Acreditou que eu merecia a sua confiança
e esperou paciente pelo fim da minha inconstância;
deu novas cores à minha inconsistência.
Não fazia isso em sã consciência
mas priorizou essa e aquela palavra
maquiou um ou outro gesto
confirmou o que deu-se a entender
abraçou-se a vozes do além
que diziam ser sabedoria
o meu medo de querer -
na boca o gosto indigesto
da minha indecisão.
Com um suspiro
ela tirou seu coração das minhas mãos
e o guardou na bolsa.
Caminhou até a porta
e jogou a lupa fora com força
aquela que há muito aumentava
o tamanho da minha intenção.
Ela pensou que fossem minhas suas expectativas
e chamou de cautela toda a minha indiferença;
de prudência minha intolerância;
de espaço a minha ausência.
Acreditou que eu merecia a sua confiança
e esperou paciente pelo fim da minha inconstância;
deu novas cores à minha inconsistência.
Não fazia isso em sã consciência
mas priorizou essa e aquela palavra
maquiou um ou outro gesto
confirmou o que deu-se a entender
abraçou-se a vozes do além
que diziam ser sabedoria
o meu medo de querer -
na boca o gosto indigesto
da minha indecisão.
Com um suspiro
ela tirou seu coração das minhas mãos
e o guardou na bolsa.
Caminhou até a porta
e jogou a lupa fora com força
aquela que há muito aumentava
o tamanho da minha intenção.
segunda-feira, 4 de agosto de 2014
Andanças
Ontem tive um sonho que já tinha tido outra vez, tempos atrás. Eu corria em um campo aberto cheio de flores, braços ajudando as pernas, o corpo inteiro sentindo com prazer cada raio de sol. Eu corria com os olhos febris e a ânsia de quem quer chegar, e pensava no mar e na brisa que me modelava os cabelos com seus dedos macios e pacientes. Corria com disciplina e leveza, coração batendo com pressa, lágrimas desenhando-se pelos meus olhos escuros e o gosto de doces promessas invadindo meus lábios entreabertos num sorriso. Corria e sorvia o perfume e observava as cores ao redor e sentia meu peito cantar em uníssono a canção dos novos tempos. Fechei os olhos por um segundo e senti o calor de um abraço demorado. Corpos e bocas e cheiros que naturalmente se aproximavam, gestos suaves e encompassados... milhões de borboletas bateram suas asas delicadas dentro de mim e disseram sim, esse é o caminho bonito que trilhamos pra você seguir.
quarta-feira, 30 de julho de 2014
Partilha
Ela saiu às 5 da tarde de uma quarta-feira qualquer. Levava consigo doses de coragem espalhadas na mala, na mala uma confusão de coisas das quais desejava não precisar mais. Simples não era; nada o seria, bradava o coração louco por uma resposta. As pernas se moviam confusas, sem certeza iniciaram uma rota que haveria de compensar a dormência dos pés e das mãos. Parou para sentir sua presença de repente - as bochechas ardiam-lhe como balões a gás. Espasmos involuntários a despertaram do transe de poucos em poucos minutos. Então isso é decidir... Riu de si para si um riso sem alegria ao constatar que o corpo a abandonava. No alto da torre a cabeça funcionava sozinha.
quinta-feira, 24 de julho de 2014
Partilha
Te encontrei no meio de uma papelada sem fim; sob os olhos chovia fino. Já carregava a sensação há algum tempo, sem saber se ela crescia ou só se alastrava, sem previsão de trégua. E eis que no meio de tantas outras letras e palavras e frases e tramas inteiras, você me chamou a atenção pelo nome em cima daquele montinho de coisas escritas: Partilha. Tomei seu corpinho amassado nas mãos trêmulas e me ocorreu um bocado de ideias, todas tristes. Renascer é triste porque temos que morrer primeiro e morrer, ah, morrer é triste demais, mas morrer em vida, nossa... dói. De alguma forma relacionei a partilha a essa separação dentro de nós que por motivos incertos nos é imposta - por nós mesmos. É como divorciar-se de um pedaço seu, e fazer um esforço para que a decisão seja consensual, para que todas as partes possam dizer amém a essa espécie de morte de uma para a outra. A partilha me lembrou o The road not taken e o orgulho que ostentamos por nossas escolhas. Ou isso ou a paranoia da grama do vizinho (e convenhamos que de paranoia o inferno tá cheio). Tomei seu corpinho amassado nas mãos trêmulas e me ocorreu um bocado de ideias, todas tristes. Entendo hoje que a felicidade se compra a prestação, com os mesmos pesos e medidas de um financiamento imobiliário. É um investimento em uma necessidade básica, suado, a longo prazo, com pagamentos a perder de vista e benefícios para quem for capaz de dar mais. Cada um faz o que pode e o mercado acompanha, e a vida segue, e a gente vai caminhando devagar e desejando sempre um pouco mais de compreensão, de compaixão, de carinho e gentileza, de entrega, de uma mão segurando a sua quando a chuva passar e seu corpo estiver preparado pra rir desse e daquele jeito, pra contar outras histórias e abraçar aquelas que sem cerimônia lhe afagarem os ouvidos. Preferi deixar o que você ia me dizer para um momento mais calmo, e pedi secretamente que esse momento nunca existisse. Porque dói e já doeu um tanto; e eu ainda agora às voltas com os pesos e medidas da vida... Hoje bateu dona curiosidade à porta e me perguntei por onde você andaria. No fundo de uma gaveta escura, dentro de uma caixa perfumada, nas garras de uma vassoura aborrecida? Com fé há de ter com você uma moça boa e despreocupada, que chama de bonito tudo o que é triste e trata com a maior doçura as coisas do coração.
segunda-feira, 30 de junho de 2014
On the road
Destino: Brasília. Expectativa: well, well, well... Visitas anteriores: mais que duas, menos que dez - contextos diversos. Finalidade: visitar a família. Finalidade semi-secreta: sair da minha vida e levar o corpo junto pra passear. Primeiro passo: comprar a passagem (créditos à minha amiga Marina, que mudou a minha vida com esse lema). Planejamento: my plan's no plan, Sam.
E foi assim que eu resolvi deixar a copa e tudo mais pra lá e passar quase um mês em Brasília. Meu primo e minha tia sempre convidavam, o tempo nunca deixava... e eis que eu resolvi - talvez pela primeira vez em sei lá quantos anos - matar meu tempo no peito, segurá-lo com as suas mãos e falar firme ao seu ouvido "campeão, agora quem manda sou eu". Nesse mesmo dia comprei a passagem; quase um mês depois, plantava-me à porta de casa com a velha malinha vermelha em punho; na outra mão, o telefone antenado ao Easy taxi. Catei meu Kerouac 3 em 1 e fui ao encontro de uma bela manhã cinzenta, sem saber ao certo o que esperar de meus próximos dias.
O trajeto foi solitário, saudável. Pude desfrutar da minha própria companhia pra variar. Sentada à janela, pensei nos motivos pelos quais algumas pessoas tinham medo de voar. Era uma coisa que eu realmente não conseguia entender. Sempre achei incrível ver aquele pássaro gigante cheio de gente correr pista afora até levantar vôo. Era um momento dos mais bonitos. A cidade ia aos poucos desaparecendo e dando lugar a outras cidades, que se estendiam em fileiras de luzes por entre as montanhas e os lagos, ao longo de matas e pradarias. Vinha-me à mente a extensão do meu país, com seus palácios e casebres espremidos no meio de tanta gente. Ri sozinha ao pensar nos colombianos que assaltaram pedestres em Belo Horizonte (pessoal, por favor parem de roubar nossos empregos) e concluí com certa tranquilidade que espaço, diversão e surpresa não faltariam aos visitantes de plantão.
Voltei a confabular sobre a questão de espaço ao pisar em Brasília. Puta merda - quanto espaço! Joguei as malas no carro da minha tia e fui comendo a cidade com os olhos. Gramados a perder de vista, castigados pelo sol e pelo tempo seco. Grama que não acabava mais; grama inabitada sem ser virgem... natureza que não tem cara de natureza. Mas o espaço entre as ruas, entre os prédios, entre os blocos trazia conforto, e o verde aumentava a sensação de liberdade. Vim a entender mais tarde o espaço entre as pessoas com um certo alívio. Em Brasília arranha-céus não são permitidos - hooray! Dá pra ver o céu de onde você estiver. Essa pequena descoberta me encheu de alegria, e passei muitos dias testando minha nova teoria. Faz bem pra alma sair de casa com qualquer roupa, pra qualquer lugar, sentindo o céu sobre a cabeça sem esperar nada de ninguém ou lugar algum, sem que esperem nada de você. Ainda que porventura queiram saber quem você é, não faz diferença - você é só um forasteiro, alguém que tem um certo orgulho de não pertencer a esse novo lugar e nem ao lugar de onde saiu. Você é o que vê quando olha no espelho - alguém prestes a se reinventar, do jeito que for e sob qualquer circunstância.
Comecei a ler meu On the road em um banco de praça. Sim, passei muito tempo sozinha - a única pessoa de férias na cidade era eu. Essa é outra coisa muito legal sobre Brasília - você pode sair do apartamento e escolher qualquer rota, mas não demora muito até o próximo bar, banco, parque, salão. Tudo igual; tudo diferente. Não importava o que iria encontrar - decidi que meu livro caminharia comigo por cada uma daquelas ruas carentes de calor humano; em novas esquinas, travávamos as mais fascinantes conversações. Diferente de Sal Paradise, eu sorvia minha nova realidade com prazer e cautela - queria me curar, não me perder. Sentia os lábios queimarem ao sol e os cobria de água e óleo. Pescava minhas vontades pela boca com um cartão de débito - há muito não queria depender de ninguém. Sentada na grama de uma praça próxima, assistia tranquila ao vai e vem fluorescente dos corredores, suando a camisa em qualquer tempo com seu foco costumeiro. A saga de Kerouac ia mudando de cor sob os meus olhos, e eu só pensava que ele devia ter lido Dostoiévski na adolescência - e que Fiódor deveria ter escrito em suas capas "não tente isso em casa" como sinal de advertência.
sexta-feira, 27 de junho de 2014
Ai de mim que sou assim...
"I know (I know) you belong
To somebody new
But tonight
You belong to me
Although (although) we're apart
You are a part of my heart
But tonight
You belong to me
Wait down by the stream
How sweet it will seem
Once more just to dream in
The moonlight
My honey I know
With the dawn
That you will be gone
But tonight
You belong to me
But tonight
You belong
To me"
https://www.youtube.com/watch?v=OUStIV3NUeo
To somebody new
But tonight
You belong to me
Although (although) we're apart
You are a part of my heart
But tonight
You belong to me
Wait down by the stream
How sweet it will seem
Once more just to dream in
The moonlight
My honey I know
With the dawn
That you will be gone
But tonight
You belong to me
But tonight
You belong
To me"
https://www.youtube.com/watch?v=OUStIV3NUeo
Times they are-a-changing
"Garotas e rapazes da América têm curtido momentos realmente tristes quando estão juntos; a artificialidade os força a se submeterem imediatamente ao sexo, sem os devidos diálogos preliminares. Não me refiro a galanteios - mas sim um profundo diálogo de almas, porque a vida é sagrada e cada momento é precioso" (Kerouac, On the road, 1951).
Cardiopatia
O carinho é uma coisa perigosa. Vira arma branca na mão de quem pode oferecer... e moeda de troca valiosa pra quem quer receber. É um paliativo pros que sofrem de solidão (e de quebra arranca sorrisinhos de todos os tipos daqui e dali). Já vi gente dar meia-volta e caminhar a passos largos na direção oposta por um pouco de carinho. Só um pouquinho... E como se não bastasse, a noção de carinho acabou que meio que se perdeu. Hoje em dia carinho é sexo, é um carro novo, uma lipo, um "e aí, comequitá?", uma linha cafajeste no whatzapp. Raros são aqueles que se dispõem a pôr a mão na massa. Mas vocês me conhecem: quando eu cismo com uma coisa, é difícil dar outras cores pra ela na minha cabeça. E eu cismei que carinho é algo que vem de dentro, de graça, quando se tem vontade. É mesmo, né? Só tem um detalhe: pra ele valer, meu coração tem que bater três vezes. Parece bobagem, mas é impressionante o que acontece quando ele bate. Moral da história: a gente dá é muita trela pro nosso coração...
quarta-feira, 25 de junho de 2014
Piscina térmica
Era uma quinta-feira. Já passava das 15 horas e eu procurava aflita uma vaga nas redondezas do consultório. Cheguei esbaforida à portaria; a zeladora sorriu um sorriso de solidariedade (faltou uma palavra melhor) e abriu o portãozinho de ferro para que eu pudesse passar. O elevador chegou logo. Oito andares depois, lá estava eu, em frente ao número 803. Diferente das experiências que me faziam pesar prós e contras, como tomar banho em água fria, pular de ponta na piscina, trocar de roupa no inverno ou nas férias, essa não trazia necessariamente aquele sentimento de "valeu a pena". Falar de mim, tocar nas minhas feridas mais íntimas, senti-las arder e por algum motivo não conseguir tirá-las de lá... nossa, isso pode ser muito martirizante. Carência, solidão, medo, tristeza, desespero, vazio, dúvida... Ei, Érika, tudo bem? Gulp! Nada dá mais medo do que enfrentar o desconhecido quando o desconhecido é você mesmo. O mobiliário não era exatamente acolhedor, mas talvez fosse essa a proposta - nada de relaxar demais: vamos direto ao ponto, for time changes the size of my pocket. O profissional tinha sempre um ar cansado difícil de explicar. Não era cansado do tipo can't stand it anymore; era mais um "você está pra gritar bingo há um ano, minha filha - presta mais atenção ao jogo pelamordideus!". Convencionalidades à parte, adentrei a saleta e busquei o sofá como de costume. Aquela coisa de deitar no divã me dava uma sensação de que eu era uma pobre coitada lamurienta - ainda que eu fosse, o estigma não me caía bem. Tirei os sapatos, cruzei as pernas e recomecei (sim! REcomecei) a listar minhas insatisfações, como a percorrer um caminho conhecido, um labirinto do qual, por algum motivo, eu não podia (ou não queria?) sair. Nadei meus 2000 metros rasos habituais naquela piscina térmica de desgostos e dilemas que vinham bem a calhar, quando o profissional saiu da sua cruzada de pernas passiva, trouxe o corpo pra frente, direcionou um olhar fuzilante ao meu par de olhos pseudoinocentes e disse: você já parou pra se perguntar o que é que você quer? O que você quer? Pergunta boba, pensei. Sabia que não precisava responder naquela hora, que ficar calada e parecer confusa era o esperado, que após 10 segundos no máximo ele diria Semana que vem? e se levantaria devagar pra eu ter tempo de pegar o dinheiro da seção na carteira. Aí então ele guardaria o dinheiro em algum lugar próximo sem alarde e, calmamente, se dirigiria para a porta e repetiria o dia e horário da próxima consulta enquanto apertaria a minha mão breve e cordialmente. Foi exatamente o que ele fez.
sábado, 14 de junho de 2014
Soubesse
Não me lembro de em qualquer tempo ter sido assolada por tantas perguntas. E se, mas como, por quê, será, quando é que, aonde... e o tal do amanhã, sem forma concreta, invade o meu hoje e me impede de viver como dizem que é melhor - com tranquilidade. Não adianta nada se preocupar, você vem logo me dizer. Mas a preocupação é como o amor - não tem muita razão de ser (a própria razão os jogaria pra escanteio anyway). Não é bom, não é saudável, não é possível... e lá estamos nós, apaixonados por aquele novo dilema, por aquele cara que acha que quis e sente que não quer mais. Vivo em um mundo que prega o altruísmo, a sinceridade, a força e a gentileza... tudo isso atrelado à supremacia dos dogmas da igreja, com o único objetivo de gerar a máxima culpa em quem falhar durante o percurso individual de engrandecimento. Nunca senti tanta culpa quanto no momento em que decidi me conhecer sem mas ou porquês. À medida em que as falhas iam surgindo, encabuladas e aflitas numa fila indiana a perder de vista, percebi que DEFINITIVAMENTE não somos preparados para aceitarmos nossas fraquezas. Se de um lado os best-sellers de autoajuda enchem os bolsos daqueles que fingem lidar melhor com suas tragédias pessoais, de outro a ideologia social de massa insiste em considerar a mediocridade um triunfo. Vidas de plástico ou vira-latas de vanguarda? Cheguei a um ponto em que não sei mais no que ou em quem eu acredito. Tanto fiz e você tanto fez que agora tanto faz... Vejo essas pessoas plugadas no myself-mode e sinto como se todo mundo estivesse na contramão de si mesmo... Desilusão ou insensatez? Recentemente tirei minha bicicleta velha da memória e fui percorrer com ela algumas ruas da vida. Fiquei tonta, aturdida... e entendi que essa coisa de ser livre e desimpedida é uma arte, é quase um dom, é tarefa árdua demais - coisa pra uma outra vez.
segunda-feira, 9 de junho de 2014
Just the way it is...
Well, you asked me if I'll forget my baby
I guess I will
Some day
I don't like it, but I guess things happen that way
You asked me if I'll get along
I guess I will
Some way
I don't like it, but I guess things happen that way
God gave me the girl to lean on
Then he put me on my own
Heaven help me be a man
and have the strings to stand alone
I don't like it, but I guess things happen that way
You asked me if I'll miss her kisses
I know I will
Every day
I don't like it, but I guess things happen that way
You asked me if I'll find another
I don't know
I can't say
I don't like it, but I guess things happen that way...
I guess I will
Some day
I don't like it, but I guess things happen that way
You asked me if I'll get along
I guess I will
Some way
I don't like it, but I guess things happen that way
God gave me the girl to lean on
Then he put me on my own
Heaven help me be a man
and have the strings to stand alone
I don't like it, but I guess things happen that way
You asked me if I'll miss her kisses
I know I will
Every day
I don't like it, but I guess things happen that way
You asked me if I'll find another
I don't know
I can't say
I don't like it, but I guess things happen that way...
segunda-feira, 2 de junho de 2014
Someday
Keep your heart somewhere safe
and make me a key
hide it in your left-side pocket
where no one else can see
and as you walk through life
it shall move by the sound of your heartbeat
and remind you of feelings
you might someday dare to live...
and make me a key
hide it in your left-side pocket
where no one else can see
and as you walk through life
it shall move by the sound of your heartbeat
and remind you of feelings
you might someday dare to live...
quarta-feira, 28 de maio de 2014
Rebirth
Meu renascer não depende de você ou dos planos que vieram daí ou daqui. Não tem tempo certo e não demanda uma morte física. É o resultado de um processo que culmina em muita dor, fraqueza, impotência diante do mal, necessidade de fuga que apaga as luzes de uma estrada que luta para se formar diante dos meus olhos, uma estrada construída pelo meu inconsciente bom e puro, pela minha fé, fé em mim mesma, em tudo de bom que eu carrego aqui dentro para mim e para todos os outros que cruzarem o meu caminho. Ainda prefiro ser o príncipe Míchkin ou o homem ridículo que acredita no amor e nas mais belas virtudes, mas a tristeza busca a todo custo entortar esse caminho reto. Não quero mais ser triste, ainda que me tenham dado um coração de poeta. Quero ter paz para merecer o afeto de alguém que caminha rumo à luz; quero ser forte para compartilhar dessa luz e ser feliz para fazer esse alguém feliz. Não dependente, não inseguro - só feliz mesmo, pleno e satisfeito com a relação, sentimento sincero inundando o peito de tranquilidade e alento. Não estou pronta para amar e ser amada como eu gostaria, mas hoje, nessa quarta-feira com jeito de sexta, como quero estar! Hoje deixo para trás o que reconheço que não me faz bem; hoje abro meu coração para receber o carinho de quem quer que eu me levante e lute pela paz do meu espírito, pelo bem e pelo amor que sempre hei de compartilhar. Hoje acordei disposta a curar cada uma das minhas feridas, e regá-las com pureza até que flores lindas brotem de cada pedaço de mim. Hoje quero estar forte para que os males do mundo passem longe, para que minha alma emane alegria e simplicidade. Hoje tracei uma rota para chegar mais perto do sol, para me banhar na luz divina. Sei que é para isso que vim a essa terra - tudo o que eu precisava era renascer, me dar à luz.
quinta-feira, 22 de maio de 2014
Passarinha
Era uma vez um menino que de tanto olhar pra cima ficou com os olhos da cor do céu. O motivo? Ele era fascinado por passarinhos. Quando pequeno, passava as tardes de domingo sentado em frente à lagoa, desenhando cada bichinho bicudo voador em seu ângulo mais favorável. Rapidamente derramava cores sobre a imagem em HB, olhos atentos a cada nuance. De tão curioso, o menino ficou esperto - mais esperto que qualquer outro menino da sua idade. Não conversava muito; preferia observar as conversas de gente que entendia das coisas. Às vezes perguntava como, às vezes por quê; cada resposta ia enchendo seu jarro de ideias, iluminando seus doces olhos azuis. O menino era puro e alimentava-se de verdades verdadeiras. À primeira mentira, encarou a cena com um sobressalto. Havia sido informado de que o pintinho que ganhou na feira viveria muito tempo. Depois vieram os peixinhos dourados, a tartaruga e o coelho de bolso. Ah, mas isso é história pra outra história. Voltemos ao menino e seu gosto por passarinhos. Dos desenhos vieram vontades de segui-los, ver onde viviam. Mas eles tinham asas, ora essa! Certamente moravam em um lugar limpo e tranquilo - era o que eu faria se tivesse um par de asas ligeiras, ele pensou. Foi uma certa manhã com o pai ao mercado central, e sentiu uma mistura de sentimentos que plantaram uma dúvida entre as suas sobrancelhas. Havia passarinhos de todas as cores e tamanhos, de várias belezas... mas estavam dentro de gaiolas. Todos eles. Esses aqui precisam ficar presos, disse o vendedor, eles não conseguem viver sozinhos. São dependentes, domesticáveis e não têm instinto caçador. São dóceis e só anseiam por comida e água fresca. O menino olhou para os muitos passarinhos dentro de uma só gaiola no meio de tantas outras. Esses eram pequenos e coloridos, com uma máscara branca ao redor dos olhos astutos. Cantavam sem parar e logo, logo começaram a incomodar o pai. Vamos, meu filho: escolha um passarinho desses e eu o darei a você de presente. Os olhos do menino percorreram a loja com ansiedade. Em poucos minutos ele teria seu próprio passarinho! Olhou de novo para a gaiola dos bichinhos cantadores e fixou-os em uma passarinha cor de rosa. Era frágil e delicada. Não se mexia muito e não cantava. Respirava com dificuldade no fundo da gaiola lotada, encolhida, como se não pertencesse àquele ambiente. Passava o bico sobre as penas rosadas com doçura e, achou o menino, uma certa classe. Quero essa - o menino contorceu o corpo até aproximar o dedo da passarinha, que o olhava quieta. Olha, essa não vale a pena - está com a asa machucada, disse o vendedor. Mas ele queria mesmo assim. O pai tentou dissuadi-lo: olha bem, meu filho, tem tanto passarinho aqui e você vai querer logo essa que está doente e não pode voar? Qual é a graça? Vou cuidar dela, foi só o que ele disse. O pai sabia que com aquele ali não se podia discutir - se era aquilo, era aquilo mesmo. O vendedor abriu a gaiola e o menino pediu para tirar a passarinha de lá (não queria vê-la nas mãos de mais ninguém). Quando sentiu a penugem macia entre suas mãos quentes e puras, entendeu que havia ali um laço indissolúvel: estava apaixonado por ela. Com cuidado, colocou-a dentro do ninho e foi conversando com sua menina por todo o caminho de casa. Pediu ao pai que construísse um viveiro do tamanho dele para que eles pudessem brincar. Comprou a melhor ração e inventou remédios naturais para curar sua asinha machucada. Ela agradecia com cantorias diárias e pousava em seu ombro pontualmente às oito horas da manhã. Os dias corriam felizes. Com o tempo, o menino foi crescendo e fazendo outros amigos. Acumularam-se as responsabilidades na escola e ele começou a gostar das coisas que a gente compra, das coisas que os outros têm. Em uma gaveta bonita do seu pensamento morava a passarinha. Numa manhã de sol quis ver a criaturinha rosada que mesmo de longe lhe trazia as mais belas alegrias. Como ela estava magra! Um maço de penas havia-lhe abandonado o corpo indefeso. Não podia voar; sua asa descansava imóvel sobre o dorso pequenino. Alguém que não tem nada a ver com esse conto poderia inclusive dizer que a passarinha chorava. O menino a envolveu com o calor de suas mãos macias, mas a passarinha não se aquecia. Com nuvens de súplica sobre os olhos de céu, ele tentou acolhê-la em seus braços - a passarinha não se aninhava. Vou cuidar de você, porque eu te amo - e foi assim que o menino beijou a passarinha e colocou-a no colo. Buscou as folhas e flores mais bonitas do jardim e fez um remédio perfumado. Acrescentou a ele uma lágrima sincera. A partir desse dia, o menino passou a visitar a passarinha diariamente. Fazia-lhe cafuné, contava pedaços da sua vida de menino e cuidava de suas feridas. Em pouco tempo a passarinha ficou linda e forte. Suas penas rosadas ganharam brilho e as asas recuperaram o movimento. Arriscou-se a batê-las sem muito jeito, mas logo passou a fazê-lo com graça e desenvoltura. Quis chamar o menino. Cantou, cantou até que ele veio. O menino mal podia acreditar no que via: a passarinha rodopiava no ar, subia e descia num ballet charmoso e coordenado. Como você está linda! E forte! Venha, quero mostrar a todos como você é bonita e elegante! O menino abriu a porta do viveiro e convidou a passarinha a sair. Ela não correspondeu - todo o seu corpo tremia em êxtase. De repente o menino entendeu tudo. Entrou no viveiro e sentou-se próximo à passarinha, que o fitava nervosamente. Quando te vi pela primeira vez, você era uma linda passarinha assustada com a asa ferida. Te trouxe para casa e cuidei de você com todo o amor até que ficasse boa. E sabia que um dia você aprenderia a bater as asas. Sabia que você iria voar para longe. Não me arrependo de um minuto sequer em sua companhia, mas entendo que você precisa ir. Adeus, passarinha. Te amarei por toda a minha vida. A passarinha aproximou-se do menino e acarinhou seu rosto pueril. Quis mergulhar naqueles olhos azuis e perder-se neles por toda a eternidade. Olhou para cima e soube que outras cores a esperavam. Sim, ela fez com a cabeça. Levaria aquele olhar dentro do peito por cada um dos seus dias. O menino lhe estendeu a mão. Ficou na ponta dos pés, esticou o braço e a levou até a porta do céu. De olhos fechados, a passarinha voou.
quinta-feira, 15 de maio de 2014
Barulhinho
... e de repente era como se você nunca tivesse existido, como se nunca tivesse saído da minha vida sem deixar rastro, talvez por nunca ter de fato adentrado esse meu universo para você fugaz, para mim ilustre desconhecido. optamos por não fazer alarde e essa opção desaguou em um mar de palavra nenhuma, que nenhuma palavra carecia sair da sua boca, já que na minha ruminava um bolo de figurinhas repetidas. medo, carência, sozinha, dor, culpa, amigo, espera, ombro, difícil... aiai... cansaço. e de repente você se levantou, pôs a viola nas costas e sumiu porta afora, disposto a encontrar um mundo onde as mulheres não são temperamentais e os homens querem mais é ir vivendo. fácil sem ser simples... claro no escuro...? e eu achando que... ah! preciso viver a dor ou o amor pra escrever bonito. falta de assunto me remete a histórias banais. mas será que... olho para trás e não vejo sequer a porta aberta, porque não há porta, porque não há... porque não... nada, não; só um barulhinho bom no calor da noite.
quinta-feira, 8 de maio de 2014
Everything
"I can be an asshole of the grandest kind
I can withhold like it's going out of style
I can be the moodiest baby and you've never met anyone
Who is as negative as I am sometimes
I am the wisest woman you've ever met.
I am the kindest soul with whom you've connected.
I have the bravest heart that you've ever seen
And you've never met anyone
Who's as positive as I am sometimes.
You see everything, you see every part
You see all my light and you love my dark
You dig everything of which I'm ashamed
There's not anything to which you can't relate
And you're still here
I blame everyone else, not my own partaking
My passive-aggressiveness can be devastating
I'm terrified and mistrusting
And you've never met anyone as,
As closed down as I am sometimes.
You see everything, you see every part
You see all my light and you love my dark
You dig everything of which I'm ashamed
There's not anything to which you can't relate
And you're still here
What I resist, persists, and speaks louder than I know
What I resist, you love, no matter how low or high I go
I'm the funniest woman that you've ever known
I'm the dullest woman that you've ever known
I'm the most gorgeous woman that you've ever known
And you've never met anyone
Who is as everything as I am sometimes
You see everything (you see everything), you see every part (you see every part )
You see all my light (you see all my light) and you love my dark (and you love my dark )
You dig everything (you dig everything) of which I'm ashamed (of which I'm ashamed)
There's not anything (there's not anything) to which you can't relate (to which you can't relate)
And you're still here
(You see everything, you see every part)
And you're still here
(You see all my light and you love my dark)
And you're still here
(You dig everything of which I'm ashamed)
(There's not anything to which you can't relate)
And you're still here.."
I can be the moodiest baby and you've never met anyone
Who is as negative as I am sometimes
I am the wisest woman you've ever met.
I am the kindest soul with whom you've connected.
I have the bravest heart that you've ever seen
And you've never met anyone
Who's as positive as I am sometimes.
You see everything, you see every part
You see all my light and you love my dark
You dig everything of which I'm ashamed
There's not anything to which you can't relate
And you're still here
I blame everyone else, not my own partaking
My passive-aggressiveness can be devastating
I'm terrified and mistrusting
And you've never met anyone as,
As closed down as I am sometimes.
You see everything, you see every part
You see all my light and you love my dark
You dig everything of which I'm ashamed
There's not anything to which you can't relate
And you're still here
What I resist, persists, and speaks louder than I know
What I resist, you love, no matter how low or high I go
I'm the funniest woman that you've ever known
I'm the dullest woman that you've ever known
I'm the most gorgeous woman that you've ever known
And you've never met anyone
Who is as everything as I am sometimes
You see everything (you see everything), you see every part (you see every part )
You see all my light (you see all my light) and you love my dark (and you love my dark )
You dig everything (you dig everything) of which I'm ashamed (of which I'm ashamed)
There's not anything (there's not anything) to which you can't relate (to which you can't relate)
And you're still here
(You see everything, you see every part)
And you're still here
(You see all my light and you love my dark)
And you're still here
(You dig everything of which I'm ashamed)
(There's not anything to which you can't relate)
And you're still here.."
segunda-feira, 28 de abril de 2014
Conta-gotas
Pingam expectativas por minhas têmporas assimétricas, como a lembrarem-me que esperar do outro gera desalento, desafeto, desdém, desunião, desânimo, descrença, desespero. Há muito tenho razões para me apoiar em tal pensamento, mas ainda assim espero como o verbo transitivo espera por seu objeto. Num breve instante de alegrias, deixei minhas vergonhas e meus medos para uma outra vez - convidei-lhe a perdê-los comigo. Sua vida, no entanto, é diversa; em meio às suas conjecturas e dúvidas seus olhos me disseram que não, que há um escudo ao redor do seu peito, a proteger-lhe o coração machucado que carrega consigo. Quantas marcas o tempo fez em nós em tão pouco tempo... perco-me no meio da frase para reler os gestos soltos do seu corpo, de tanto faz como tanto fez, de eu não tenho a resposta. Nesse momento, prefiro precisar de mim, sem nostalgia ou aposta, com a incerteza de quem acha que se encontra pela primeira vez.
segunda-feira, 21 de abril de 2014
Presente
E eu que ando distraída, pensando no que me apraz e no que me convém... cruzando verdes campos em sonhos, fechando os olhos sob o sol, corpo ao relento... vestindo fantasias que me vestem também, que me enxergam tão bem, sopros de vida a dois, grãos de depois, rima sozinha... Espero pela chuva que disse que vinha, quero que a solidão que me aninha nos desconforte - porque um dia eu cultivei um dom e confiei na sorte, numa linha torta ou fio solto que me oriente. Aqui dentro... sempre presente; sempre presente.
quarta-feira, 12 de março de 2014
Somewhere only we know
"Oh simple thing
where have you gone?
I'm getting old and
I need something to
rely on
So tell me when
you're gonna let me in
I'm getting tired and I need
somewhere to begin..."
where have you gone?
I'm getting old and
I need something to
rely on
So tell me when
you're gonna let me in
I'm getting tired and I need
somewhere to begin..."
sexta-feira, 7 de março de 2014
No one else
Oi.
Oi.
Desculpa, eu...
Nada. Deixa pra lá.
Entra.
Tá.
Senta.
Brigada.
Cerveja?
Parei.
Sério?
É.
Água?
Tô tranquila.
Nossa, você tá...
Linda?
É...
Valeu. Você também.
Sua pele...
Hum...
Tão macia...
Sua barba...
Sempre...
Tanto tempo...
Tanto tempo que eu não te esqueço...
É.
Eu te amo, sabe?
Assim?
Loucura, eu sei.
Né?
Mas não te esqueço.
Nem eu.
A gente tem que tentar.
Agora?
Agora. Por nós.
Pela curiosidade.
Não é por isso!
Tá com medo?
De quê?
De admitir, uai.
Que eu te amo?
Não, não, não.
Que a gente precisa fazer isso?
Por quê?
Porque esse ciclo tem que se fechar!
Hum... amor ou curiosidade?
Carma!
Nossa...
Penso além dos sentires comuns.
Então eu sou comum?
Você é a pessoa que vai mudar a minha vida, porra!
Agora ou depois do sexo?
...
Por que eu estou aqui?
Foi a primeira que atendeu. E você?
O primeiro que ligou.
Não tem que ser assim.
É mais fácil pra mim.
Larga essas pedras no sofá e vem comigo.
Você me faz rir.
Você me faz pensar.
Em quê?
Em te ver sorrindo, em te achar na multidão.
Não tem que ser assim.
É. Não. Vem cá.
Também sinto.
Eu sei. Desculpa.
Por...
Pirar a sua vida.
Brigada.
Por...
Pelo mesmo motivo.
Oi.
Desculpa, eu...
Nada. Deixa pra lá.
Entra.
Tá.
Senta.
Brigada.
Cerveja?
Parei.
Sério?
É.
Água?
Tô tranquila.
Nossa, você tá...
Linda?
É...
Valeu. Você também.
Sua pele...
Hum...
Tão macia...
Sua barba...
Sempre...
Tanto tempo...
Tanto tempo que eu não te esqueço...
É.
Eu te amo, sabe?
Assim?
Loucura, eu sei.
Né?
Mas não te esqueço.
Nem eu.
A gente tem que tentar.
Agora?
Agora. Por nós.
Pela curiosidade.
Não é por isso!
Tá com medo?
De quê?
De admitir, uai.
Que eu te amo?
Não, não, não.
Que a gente precisa fazer isso?
Por quê?
Porque esse ciclo tem que se fechar!
Hum... amor ou curiosidade?
Carma!
Nossa...
Penso além dos sentires comuns.
Então eu sou comum?
Você é a pessoa que vai mudar a minha vida, porra!
Agora ou depois do sexo?
...
Por que eu estou aqui?
Foi a primeira que atendeu. E você?
O primeiro que ligou.
Não tem que ser assim.
É mais fácil pra mim.
Larga essas pedras no sofá e vem comigo.
Você me faz rir.
Você me faz pensar.
Em quê?
Em te ver sorrindo, em te achar na multidão.
Não tem que ser assim.
É. Não. Vem cá.
Também sinto.
Eu sei. Desculpa.
Por...
Pirar a sua vida.
Brigada.
Por...
Pelo mesmo motivo.
terça-feira, 4 de março de 2014
Cumplicidade
No dia primeiro de março de 2014, em meio à folia do carnaval, ocorreu-me uma questão importante: exatamente na mesma época do ano anterior, participava de um congresso latino-americano de linguística aplicada na Universidade de Brasília. Na ocasião, o senador Cristovam Buarque, convidado a abrir o evento, foi representado por seu assessor, que aproveitou a oportunidade para relatar algumas das propostas do senador para a educação brasileira. O assessor inclinou levemente a cabeça para iniciar a leitura das propostas. A primeira: passar o piso salarial do professor da rede básica de ensino para nove mil reais. A sala estava lotada: todos os presentes - inclusive eu - puseram-se a rir convulsivamente. Levou algum tempo para o público se recompor; qual não foi a surpresa geral ao constatarem, um a um, que o assessor levantara o olhar para a plateia e não esboçava qualquer sorriso. Acho que o que senti não foi exatamente constrangimento, mas pena - pena de quem se dispõe a lutar por algo em que a própria classe não acredita; pena da classe, que não tem qualquer incentivo para acreditar em melhoria alguma. Lembrei-me de quando era professora de inglês em um cursinho na zona sul e ouvia dos alunos de escolas particulares, durante as greves, que jamais ficariam sem aulas porque seus professores eram muito bem pagos - esse era o discurso dos próprios professores. Em outras palavras: foda-se os que não são. Que se engalfinhem por alguma migalha bem longe da minha rota. Pensei em nossa insatisfação com um bocado de coisas proporcionalmente à falta de informação da maioria - natural seria que minha palavra de ordem para o ano que começa fosse fundamentação. No dia primeiro de março, contudo, diante daquela irmandade de completos estranhos em prol da folia, pensei na importância da cumplicidade para trazer ao menos riqueza às relações. Alegria. Senso de pertencimento. Verdade. Desejo de estar junto. De mudar junto. De começar do zero se assim for. Quero que essa cumplicidade se estenda ao longo da minha existência, e que eu esteja sempre pronta para acolhê-la em toda a sua importância.
quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014
12 steps to the doorway
I don't know if it's just because I've been feeling so lonely lately, but I was listening to this song in the car this morning and I suddenly burst into tears... Not leaving is a promise we definitely cannot make, isn't it? I'm so very tired of hoping for things to be different... I feel like I needed to be somebody else when I realize I'm once again wanting what I don't (and maybe cannot) have. God and I know how much I've struggled to do what would be best for everyone. I've been hurt so bad that just the thought of hurting somebody else truly kills me. Unfortunately, however, I won't be able to cope with this part of my life for much longer. My heart is aching and I keep having to deal with the price I'll pay for each choice I decide to make. No one can save me from my own choices. Yesterday I heard something interesting: "the key to happiness is pessimism". In other words, when it comes to expecting, just keep it low, buddy. Well, putting things this way, I might have no money for a while, or maybe I'll leave my comfortable and predictable life for a world of sexism, lack of hope and (what would be a real punch in my stomach) no true love, companionship and commitment. At all. Such possibility consumes me to a point it's hard to breathe. I was born to live love fully, to feel alive and complete with that other person standing close to me. I'm sorry to say that I can't (and don't want to) change my life by myself. I know sharing a life is not exactly easy, but how come it has to be so hard? Does this mean I have to settle down and forget about how it would feel to change things for the better? I don't have the money to eat, pray and love somewhere else and I honestly can't tell if I'll have the guts to go through with this. The one thing I know is that life's damn hard, but we gotta live it. I gotta live it. No more lies, right? Even though, up to this point, I've made myself believe it was all true.
domingo, 23 de fevereiro de 2014
Carnavale
Devaneio com os pés no chão
titubeio em conspiração
te desejo
em plena luz do dia...
Puxo o arreio
paz e oração
bamboleio
sombra e canção
fosse um beijo
me acordaria...
Doce entrega
há de vir em condição
quem se nega perde
dia e hora de chegar
Velhos sonhos
vão subir nesse avião
Dois ponteiros
esperando a hora de mudar:
cozinhando a sorte em seu lugar...
titubeio em conspiração
te desejo
em plena luz do dia...
Puxo o arreio
paz e oração
bamboleio
sombra e canção
fosse um beijo
me acordaria...
Doce entrega
há de vir em condição
quem se nega perde
dia e hora de chegar
Velhos sonhos
vão subir nesse avião
Dois ponteiros
esperando a hora de mudar:
cozinhando a sorte em seu lugar...
Porcelain
É preciso muita coragem para que um homem se declare. Ainda mais quando esse homem é oficialmente orgulhoso. Ele prefere deixar aquela mulher que mudará toda a sua vida passar a descer do palanque. Sim, ele sabe que aquela ali não é qualquer uma; ele sabe também que, se lutasse por ela de verdade, sem pensar em muita coisa ela o seguiria. É claro que ele sabe. Mas esse é o problema do orgulho: quem é oficialmente orgulhoso não joga pra perder. O interessante é concluir que exatamente por esse motivo ele perde. Perde, mas não sofre. Há sempre um plano B - aquela ex da escola, a atual que jamais haverá de abalar sua zona de conforto, sempre a exaltar sua masculinidade... a que deu mole na festa do trabalho, na casa da prima, na viagem à praia. E naquele relacionamento que não chove nem molha, ele salta sorrateiro como um gato em direção à próxima aventura. Não quer nada sério, só aquele frio na barriga que já não sente com a namorada de muito tempo ou a de pouca conexão. Aí ele conhece você. Éééééééé, ele pensa: estou oficialmente na dessa menina. Segue-se a isso um Puta merda!; atordoado, ele resolve estragar tudo com um comentário fora de hora ou uma das suas piores tentativas de sedução. Ela entende e decide estragar a sua festa - ri do seu palavreado, aceita a sua proposta. Trancado no quarto, ele faz que não com a cabeça, bate a mão na testa. E assim ele está oficialmente encrencado, até pedir baixinho que sua falta de palavras nade pra além-mar e reflita uma resposta que nada de bom vem a dizer. Devagar, ainda que ela espere acordada por uma última palavra, a luz perde a chama e se apaga; a memória daqueles olhos castanhos finalmente abandona-lhe o corpo cansado... lança-se em uma chuva de novas esperanças pelas cores do amanhecer.
segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014
Apprenticeship
Oggi sono un giorno più vicina a un vecchio sogno: insegnare l'inglese e anche il portoghese alle persone che, come me, vogliono fare della educazione brasiliana qualche cosa di più bello, di più rilevante. Il mio percorso è cominciato tanto tempo fa, ma questa è la magia di essere una professoressa: ogni giorno c'è un nuovo inizio. Ci sono sempre nuove persone in classe, piene delle più diverse aspettative. Io invece non aspetto niente - solo provo a credere che il sole cambierà il colore del mio viso semplicemente perché fa troppo caldo qui. Non c'è nessun mistero: voglio fare del bene, dunque ce la farò. Ho imparato con i migliori maestri - quelli che sognano di mattina e portano con sé un sacco di dubbi a casa quando arriva la notte.
quarta-feira, 29 de janeiro de 2014
Away with the fairest
Quando você tiver a minha idade, vai achar que era linda dez anos atrás. Vai pensar que a cor do seu cabelo combinava perfeitamente com o tom da sua pele; vai lembrar que exercitava o corpo sem perceber, e que ia vivendo um dia depois do outro, um namorado depois do outro, sem temer o tique-taque do relógio. Quando você chegar onde eu cheguei, vai sentir um quê de nostalgia ao ver fotos da galera, ao passar por lugares que te conheceram muito mais leve, ao acaso, pencas de ideias a balançar-lhe os cabelos molhados sem reparador de pontas ou leave-in. Pode ser que você esteja solteira, caçando o gato porque o cão já saiu de linha - vale tudo pra chamar alguém de amor ou xuxu no facebook. Pela casa, post-its com dietas gluten-free, horários dos cremes, pílulas de colágeno, doses de chá verde, sessões de carboxi, telefone da analista e do personal. Pode ser que esteja casada, correndo atrás do prejuízo com as mesmas receitas de juventude, varrendo a sujeira conjugal para debaixo do tapete ou montando clubes do livro para discutir o que fazer quando há tanta coisa errada no seu relacionamento, carta do mico a queimar-lhe a mão esquerda, aquela pergunta roçando-lhe a garganta ao encontrar encabuladamente seus olhos no espelho: "E agora, José?". Pode ser que tenha dado um basta nessa tragédia anunciada e componha agora o time das separadas. Provavelmente você integra nesse momento uma das seguintes categorias: as que acreditam em alma gêmea caindo de paraquedas na sua sala de aula, as que querem mais é fazer paracadá na vã e as que limitaram o "atirar pra todo lado" ao campo profissional. Ainda que eu acredite piamente que, quando você tiver a minha idade, vestidos justos, curtos, decotados, peitos à mostra e fotos com v e beijinho já sejam carta fora do baralho, suas escolhas jamais me dirão respeito. Só queria que você pensasse que foram as suas pernas que te trouxeram até onde você está, e não o coração, a cabeça ou o dinheiro do seu pai/marido, como você teima em concluir tantas vezes. Essa caminhada pode ser bem mais física do que se imagina - é cansativa, e de tão cansada a gente fica mais forte, e de tão forte a gente acredita mais na gente, e acreditando a gente consegue se ver bem mais bonita e iluminada do que quando começou todo o processo. The point being: se depois de andar tanto você ainda achar que precisa ter vinte anos outra vez, tome um Dreher. Ou pegue uma carona com o Raul sem lenço e sem documento: há muita gente nesse mundo querendo que você tente outra vez.
quinta-feira, 23 de janeiro de 2014
Nike Air Max
- Ela disse não. Sua mãe, ela disse não. Sinto muito.
Ainda hoje, ao me lembrar disso, dói o corpo todo. Eu disse que não seria assim, que não seria fácil. Não havia culpados agora. Vagarosamente e sem conseguir esconder o peso da vergonha que se apossava do meu corpo mirrado, sentei-me no pouf da loja e comecei a desamarrar, primeiro, o pé esquerdo. Ao redor, quatro estranhos me olhavam com 50% de decepção misturados a 50% de dó. Ai, dó não... Tudo, menos dó, eu pensava enquanto descalçava com cuidado meus pés inexperientes. Tentei esboçar um sorriso a la tudo bem, e o que se seguiu a esse momento virou cinza não lançada no mar; pedaços de histórias cruzadas que acham que ensinam, que creem na redenção de pés calejados como os meus, os seus ou os de alguém que talvez conheçamos. A singeleza desse tipo de lembrança se traduz na claridade que emana de sentimentos sinceros. Em meio à penumbra, tive pena da menina rica que havia provado um modelo idêntico ao meu lado e agora levava para casa o presente que eu tão avidamente quisera receber - tive pena ao vê-la triste por mim. Honestamente não sei se conseguiria, mesmo hoje, demonstrar tamanha solidariedade. Se eu merecia um não? A pergunta é, na verdade, se alguém, em qualquer tempo, me ensinaria a lidar com ele. Na dúvida, a vida assume seu papel de mãe dos órfãos de espírito e cria uma espécie de roleta russa auto-explicativa sem trégua, para que só os espertos conheçam os benefícios de se puxar o gatilho. Questionei-me inesgotavelmente sobre a real necessidade dessa memória, até descobrir que havia atrelado a ela toda a minha possibilidade de merecimento, toda a minha urgência por prazeres que, de tão momentâneos, excedessem os meus sentidos - pequenas e escandalosas doses de luxúria a enfeitar minha estante, a lembrar-me que sim, I'm more than ordinary. Sim, I'm good enough at last.
sexta-feira, 10 de janeiro de 2014
Felicidade conjugal
"Tratava-me como um jovem amigo de quem se gosta, interrogava-me, provocava-me à minha maior franqueza, dava-me conselhos, estimulava, às vezes censurava-me e detinha-me. Mas, apesar de todos os seus esforços para tratar-me como sua igual, eu sentia, que, por trás daquilo que eu compreendia nele, ficava todo um mundo ignorado, em que ele não considerava necessário introduzir-me, e isto mais que tudo sustinha em mim o respeito por ele e me atraía. (...)
A princípio não me agradou, mas depois, pelo contrário, passei a achar agradável a sua completa indiferença e como que desdém pela minha aparência. Nunca me sugeria, por um olhar ou por uma palavra, ser eu bonita, e, pelo contrário, fazia careta e ria se, na sua presença, alguém me chamava de bonitinha. Gostava até de encontrar em mim defeitos de físico e espicaçava-me com eles. (...) Mas eu logo compreendi o que ele necessitava. Queria acreditar que em mim não havia coquetismo. E, depois que eu compreendi isso, realmente não sobrou em mim nem sombra de coquetismo nos trajes, nos penteados, nos movimentos; e em compensação, apareceu, cosido a linha branca, o coquetismo da simplicidade, numa época em que eu ainda não podia ser simples. Eu sabia que ele me amava - como uma criança ou como mulher, eu ainda não me interrogava; tinha em alto preço este amor, e, sentindo que ele me considerava como a melhor das moças no mundo, não podia deixar de desejar que essa mentira permanecesse nele. E, involuntariamente, eu o enganava. Mas, enganando-o, eu própria me tornava melhor. Sentia o quanto era melhor e mais digno para mim exibir-lhe as melhores partes do meu espírito que as do corpo. Ele atribuíra imediatamente o devido valor, parecia-me, aos meus cabelos, às mãos, ao rosto, aos gestos habituais, quaisquer que fossem, bons ou maus, e conhecia-os tão bem que eu nada poderia acrescentar ao meu físico, além de um desejo de enganar. Mas ele não conhecia o meu espírito, porquanto o amava e porque este, na mesma época, crescia e desenvolvia-se: era nisso que eu podia enganá-lo e o enganava. E que leveza eu senti na sua companhia, depois que percebi isso com nitidez! Desapareceram em mim de todo os constrangimentos sem motivo, os movimentos freados. Eu sentia que, estando de frente ou de lado, sentada ou em pé, ele me via, quer eu estivesse com os cabelos para cima ou para baixo: conhecia-me toda e, a meu ver, estava contente comigo, como eu era. Penso que, se, contrariando os seus hábitos, ele me dissesse de repente, como os demais, que eu tinha um rosto lindo, eu não me alegraria um pouco sequer. Mas, em compensação, que prazer, que claridade, apareciam-me na alma quando, após alguma palavra minha, e depois de me olhar fixamente, ele me dizia, a voz perturbada, à qual procurava infundir um tom brincalhão:
- Sim, sim, você tem algo. É moça simpática, devo dizer-lhe.
E por que eu recebia então tamanhas recompensas, que me enchiam o coração de alegria e orgulho? (...) E era surpreendente, pensei, com que intuição extraordinária eu percebia então tudo o que era bom e que se devia amar; embora eu então decididamente não soubesse o que era bom e o que se devia amar. Grande parte dos meus hábitos e gostos anteriores não lhe agradavam, e bastava que ele mostrasse, com um movimento de sobrancelhas ou com um olhar, desagradar-lhe aquilo que eu pretendia dizer, bastava que apresentasse sua expressão peculiar, lastimável, quase desdenhosa, e eu tinha já a impressão de não gostar mais daquilo que eu gostava antes. Às vezes, ele apenas queria aconselhar-me algo, e eu já parecia dizer o que ele diria. Se me formulava uma pergunta, fitando-me nos olhos, o seu olhar puxava para fora de mim o pensamento que ele queria. Todos os meus pensamentos, todos os meus sentimentos de então não eram meus, eram pensamentos e sentimentos dele, que de repente se tornaram meus, passaram para a minha vida e iluminaram-na. De maneira de todo imperceptível para mim, passei a encarar com outros olhos tudo (...). Ele desvendou para mim toda uma existência de alegrias no presente, sem alterar nada em minha vida, sem acrescentar nada, além de si mesmo, a cada impressão. À minha volta, tudo era quieto, como o fora desde a minha infância, mas bastava que ele chegasse, e tudo passava a falar, todas as coisas pediam entrada em minh'alma, uma de cada vez, e enchiam-na de felicidade.
Nesse verão, eu subia frequentemente ao meu quarto, deitava-me no leito, e apossava-se de mim, em lugar da anterior angústia primaveril dos desejos e esperanças no futuro, um sobressalto de felicidade no presente. (...) [P]arecia-me tão indispensável e justo que todos fossem felizes. (...)
O quarto pequeno estava quieto. (...) E eu tinha vontade de nunca sair desse quartinho, não queria que chegasse a manhã e se dissipasse essa atmosfera interior, que me rodeava. Tinha a impressão de que os meus sonhos, pensamentos e rezas eram seres vivos, que viviam comigo ali na treva, que esvoaçavam junto ao meu leito, que pairavam sobre mim. E cada pensamento era um pensamento dele, cada sentimento também. Então ainda não sabia o que era amor, pensava que isto podia ser sempre assim e que este sentimento nos era dado gratuitamente". (Tolstói)
terça-feira, 7 de janeiro de 2014
Always a use
Recentemente me perguntei por que tenho sempre que dar a última palavra. A qualquer um. Independente da circunstância. Pra fazer o outro feliz, não? Não tenho intenção de deixar inimigos pela estrada. Além do mais, surprisingly or not, isso não me custa. Nada. Sério. Tenho algum mecanismo interno à prova de rancores: um dia eu acordo e consigo desejar realmente que aquela figura seja feliz. Sem chapação. Sem pieguice. Sabe, é uma coisa que acontece. É até engraçado pensar nisso: meu lado bom sempre me impede de ser aquela pessoa ruim que eu poderia ser se me apegasse a cada crueldade que já sofri ou presenciei. Eu poderia, mas... acho feio - fico inclusive puta da vida com as injustiças do cotidiano. Eu não queria, mas... é assim, uai! Pulo sapos como num vídeo game, cruzando segundos com um bocado de gente: uns tentando ser lobo, outros correndo atrás da pele de cordeiro... a maioria querendo só um pouco (nunca suficiente) de atenção. Então: a última palavra pode ser sua. Mesmo. Sempre. E por favor não se preocupe comigo: estarei torcendo por você daqui de cima ;)
quarta-feira, 1 de janeiro de 2014
2014
O relógio da praça do Rosário
acabava de bater doze vezes. Sentada no alpendre da casa do meu avô, olhava
para a rua deserta e ouvia o cantar dos passarinhos com paciência. Do portão
para fora, o sol forte anunciava o primeiro dia do ano de 2014, que adentrava
vigoroso por nossas vidas. Em frente à igreja, a praça e seus bancos
antigos, doados por pessoas importantes da cidade em algum tempo perdido no
calor do asfalto. Coisa interessante essa de ter a vida atrelada a uma cidade
do interior – foi aqui que tudo começou. E quando digo tudo, penso nas
histórias de minha mãe e meu pai, que viveram separados por uma esquina durante
anos para se conhecerem em um banco da capital. Coisa interessante passar pela
escola frequentada por seus avós, antes alunos, depois professores; seguidos de
seus filhos, cheios de histórias guardadas na capanga de pano, entre cadernos e
travessuras. Minha avó e todas as suas irmãs foram professoras orgulhosas de
sua profissão – e depois dizem que vocação não se explica... Sentada no
alpendre, lembrei-me com carinho da última semana. Uma visita à minha tia
Branca, irmã de meu pai: quilos e metros de casos, fotos, detalhes de sua vida
em família que talvez eu jamais viesse a conhecer. Visita à casa de minhas tias
Iza e Lenita: Guarapan e pão-de-queijo. Andanças a pé pelo sol escaldante que
parece brotar da avenida: biscoito de nata, biscoito de queijo, caçarola e sopa
de galinha... açaí! Corei ao surpreender-me com as modernidades que
provavelmente estão longe de serem modernas por aqui. Nos almoços em companhia
de minha avó, casa cheia: família. Família e paçoca salgada, família e pamonha
doce, família e milho cozido, linguiça de frango, salada da horta, feijão
tropeiro que a dona do restaurante da cidade faz. Família com doce de figo que
dá no quintal; goiabada mole feita pela vó de alguém, doce de leite da fazenda
do vizinho, queijo fresco. Nunca pensei que faria tanto sentido saber de onde
eu vim e para onde posso voltar se nada mais der certo, se houver alguma coisa sobre a qual eu precise saber. Essas memórias passavam pelos meus olhos como slides
de um filme comprido, sem hora para acabar, quando irrompeu sobre elas a voz de
minha mãe. Uma menina de doze anos foi estuprada na noite de Natal; o irmão de
sete anos estava presente. Os pais haviam pedido que a menina e seu irmão
fossem à venda da esquina, durante a celebração, para comprar qualquer coisa
que estava faltando. No curto caminho, os irmãos foram atacados e levados a um
lote vago. A menina está na Santa Casa sem previsão de saída; o irmão está em
casa; os pais sentem-se culpados por terem exposto seus filhos a... uma tarefa
trivial. O agressor – um homem de Belo Horizonte contratado para construir
casas populares, com ficha na polícia – foi preso (onde? até quando?). Uma
imagem mental se formou rapidamente: uma fumaça negra passando pelo trevo,
resistindo aos buracos da estrada velha e avançando cidade adentro,
sufocando sapos, grilos e passarinhos... obrigando avôs e netos a fecharem suas
portas e ligarem a televisão. Nossos filhos não brincarão nas ruas por onde
corremos, despreocupados como fomos nem tantos anos atrás. O sonho de um homem
ridículo... sempre pensei na palavra humano como sinônimo de sensibilidade, de
emoção, até de escrúpulo, sabe? Humanizar, humanista, humanizador... e você vem
me falar em direitos humanos? Penso que temos opiniões diferentes sobre o que é
ser humano. O ser humano é imperfeito, vá lá; mas ruim, ruim de tudo,
desprovido de qualquer senso de limite? É como se a conta não fechasse. A noite
de Natal em qualquer cultura é dia de ganhar presente, nem que seja de Deus. Em
pouco tempo o almoço estava servido. Levantei-me da cadeira e deixei o alpendre
sem coragem pra trancar a porta, sem entender como exatamente tocar a minha
vida para que ela não seja tão pequena, tão minha... esperando que alguém me
diga para onde posso voltar se nada mais
der certo, se houver alguma coisa sobre a qual eu precise saber.
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