Um dia desses, recebi por whatzapp a fala de um
capitão da PM, Styvenson Valentim, durante audiência pública cujo tema era a
insegurança nas escolas públicas de Natal. O capitão, que há cerca de um ano
atua com sua equipe na Escola Estadual Maria Ilka Moura, na zona oeste de
Natal, parece contra-argumentar com uma professora da rede pública no vídeo,
alegando, entre outras coisas, que a pedagogia adotada é visivelmente falha,
dado o índice de violência, criminalidade e retenção de alunos nas escolas
públicas da periferia. Assim como as igrejas que se aproveitam da carência de
seu "eleitorado" para distorcer as palavras contidas na bíblia, há
quem parta desse discurso de 8 minutos para taxar Paulo Freire de energúmeno
subversivo ou, da mesma forma, para rotular a ação da polícia como fascista e
opressora. Curiosamente, ao ouvir o relato do capitão, constatei que todo o seu
plano de ação se baseia na pedagogia freiriana, de inclusão, construção,
cidadania, justiça social - visibilidade a quem nasceu invisível. Se o aluno
aprende que o asseio, o esforço que vem com a disciplina e o respeito às regras e às pessoas garantem a ele oportunidades de ser visto, ouvido e tratado
com dignidade, não seria esse o desejo principal do maior educador de todos os
tempos? Falta respeito.
Ao mesmo tempo, sugere o capitão que, no momento
da matrícula, os professores busquem a origem de cada família para identificar
a origem das mazelas de cada aluno - como se para nós, professores, isso fosse
novidade. Sei, pelos meus 20 anos de experiência como educadora, que o
professor de corpo, alma e coração sabe a vida de cada um dos seus alunos -
quem cria, quem educa, quem bate, quem abusa. A gente reza por eles, conversa
individualmente, procura a família, recomenda leituras, dá conselhos, oferece o
carinho e a inspiração que muitas vezes eles não recebem em casa ou na rua. A gente se
envolve - vai à coordenação, à diretoria, à associação do bairro, ao conselho
tutelar... A gente sofre pensando em jeitos de eles não sofrerem. Já recebi um
bilhete certa vez em que o aluno pedia compreensão, uma vez que o único lugar
em que se sentia seguro e acolhido era a sala de aula. Sei que, como eu, há
milhares de professores por esse Brasil afora que acreditam na educação - e
entendo a educação como um pacote que carrega em si afeto, compreensão,
observação, ação, construção de saberes, mas também disciplina, foco,
cumprimento de regras, estabelecimento de metas. Isso é respeito: preparar o
ser humano para gozar de oportunidades dignas para seu crescimento pessoal e
profissional. A escola que não reprova, que não dá advertência, que não chama o
aluno na chincha, que não exige material, vestuário adequado, dever de casa ou
uma conduta socialmente aceitável com professores, colegas e funcionários não
está cumprindo seu papel, apontado nos principais documentos reguladores da
educação no Brasil, de capacitar o aluno ética, humana e intelectualmente -
essa escola, na minha humilde opinião, não é formadora de cidadãos, e seu
projeto político-pedagógico realmente precisa ser revisitado. Não sou fascista
nem marxista - sou alguém que desde muito cedo tem tentado absorver o melhor de
todas as falas, os discursos, os credos e as opiniões, sem, ao mesmo tempo,
impor minha linha de pensamento - até porque aprendo tanto observando ao meu
redor todos os dias que permito aos meus achismos revalidação de votos. Creio
que me respeito. Se os alunos de hoje precisam da ajuda de policiais atuando como cidadãos para
respeitarem a escola, uma vez que se aproveitam de brechas no sistema para
enfiarem criminalidade e violência goela abaixo dos demais sem qualquer limite, por que insistir em deixar o professor lutar sozinho? O professor deveria estar sendo amparado pela coordenação pedagógica e pela direção, mas lavam as mãos enquanto ele lida com grupos muitas vezes ameaçadores de 40 a 50 a portas fechadas. A segurança que era garantida somente pela autoridade do professor, proferida pelo alto escalão da instituição escolar, deu lugar ao escárnio, à pena, à indiferença por esse profissional mal-pago e mal-assegurado. O amor cura - e amor também é limite. Como estabelecer regras para um aluno que
ameaça o professor com uma arma, que o agride fisicamente e por vezes o
executa? Assim como o policial não sabe nada de pedagogia, ensino e cultura
escolar, o professor não é obrigado a lidar com facções criminosas, tráfico e
porte de armas por menores dentro de sua sala de aula. Não é o professor quem
tem que levar uma arma para a escola (aliás, ninguém tem que levar arma a lugar
algum), mas creio ser necessário agir conforme o contexto - se a única figura
temida ou respeitada é a do policial, a escola deve poder contar com a expertise de cidadãos que trabalham como policiais, mas querem contribuir enquanto seres humanos e habitantes daquela comunidade para uma mudança no cenário que já nos é familiar. Chega de tentar tapar o sol com a peneira - os professores não
aguentam mais. O amor cura - e amor também é disciplina. Ao ver a foto dos
alunos uniformizados, limpos e com seus cabelos penteados em fila, lembrei-me
das minhas aulas de ballet. Tinha que chegar com antecedência suficiente para
colocar o uniforme - collant preto, saia preta, meia-calça e sapatilha rosa. O
coque tinha que estar perfeito, sem um fio solto, com gel, grampos e rede. A
aula começava pontualmente, e havia um ritual a ser seguido de forma rigorosa -
aquecimento, barra, centro. Nunca fui tão feliz - não havia diferença entre
nós, e, ainda que alguns tivessem mais aptidão que os outros, os direitos e
deveres eram iguais, sem privilégios. Esforço-me para compreender onde está o respeito à
diversidade em um mundo onde o preconceito é pago com preconceito - onde o
gordo odeia o magro, o pobre odeia o rico, o preto odeia o branco, o gay odeia
o hetero, onde só existe o seu V ou F. Falta respeito.
Essa exposição de ideias nada tem a ver com
correntes de pensamento comunistas, até porque um regime que conta com uma
minoria de ditadores milionários de um lado e uma nação indigente e oprimida de
outro de fato não me representa. Quem é a burguesia na fila do pão da imposição
servil, não é mesmo? Por outro lado, também não compactuo com regimes
pseudo-democratas onde os tubarões estão à solta e a massa vai sendo empurrada
pra lá e pra cá, sempre oprimida e ameaçada, escravizada, suando de manhã pra
comer à noite enquanto meia dúzia de babacas dita as regras com o bolso cheio
de dinheiro nosso. Sempre trabalhei, e entra governo, sai governo, ainda estou
aqui - alguns dias mais, outros menos satisfeita. Sempre fui professora - e
todos os governos que o Brasil já teve desde que eu comecei a lecionar ferraram
a educação de uma maneira ou de outra - hipócrita é não admitir isso. Todos. Os governos. Ferraram. A
educação. Se você duvida, veja há quantos anos não existe aumento substancial nos salários, quantas greves já foram realizadas nos últimos 20 anos e quantos benefícios já perdemos durante esse tempo - direitos adquiridos com muita luta que nos foram tirados. É assim que eu sinto; é assim que eu vejo. Se você achar que não,
tudo bem - não vou tentar te convencer, mas sempre vou querer saber dos seus fatos, do repentino aumento da satisfação, do bem-estar, da segurança física, emocional e financeira da classe em qualquer momento da nossa história de 2000 pra cá,
que é pra eu ligar dois mais dois e levar meus achismos pra um lugar mais
seguro. Se cada belo discurso sobre respeito pudesse se transformar em ato
concreto, a gente estaria se tratando melhor, fazendo parcerias com pessoas
realmente diferentes, que por isso mesmo têm tanto a nos acrescentar.
Recentemente assisti ao filme The Nightingale. Para mim ficou clara a
desconstrução do racismo a partir de uma parceria improvável entre uma branca
prisioneira e um negro aborígene. O preconceito branco, pago com desdém negro,
dá lugar a uma situação de cooperação por necessidade que, interessantemente,
se transforma, mais tarde, em solidariedade, proteção e afeto - dois bastardos
para o mundo em que habitavam, duas pessoas que não suportavam mais serem subjugadas,
caçadas e torturadas por sua origem se unem em prol da libertação, da
liberdade. Nas críticas, o filme é considerado irresponsável por "evocar
uma vingança feminista branca". Falta sensibilidade. Falta profundidade.
Faltam awkward silences, que a gente quer constantemente preencher com
qualquer bobagem. Falta respeito.
Falo por você e por mim, por esse momento cheio
de meias-verdades em que ninguém quer se entender. Está na hora de a gente
derrubar esse muro de Berlim e puxar quem estiver por perto pra um abraço
apertado. O amor não tem efeitos colaterais; o respeito só machuca se estiver
mascarado de orgulho e vaidade. Precisamos de nós mesmos, uns dos outros e de
mais fé nas bases que buscamos construir. Sem esse compromisso, a hipocrisia
vai se sentir no direito de assombrar nossos sonhos mais lindos...