Foi num domingo não tão distante que te vi pela última vez, olhos aflitos de quem não me veria mais. Não foi como num filme - seu semblante foi tomado pelo medo e eu o lia bem dentro dos seus olhos negros que ainda reconhecia. Num ímpeto, você tomou minha mão e a apertou com força, e por algum motivo entendi que você não queria que eu me fosse porque sabia que não me tornaria a ver. Em tão breves minutos, passaram pela minha frente nossas idas à fazenda, nossas férias animadas com conversas no alpendre e pé de moleque da vovó, a sala cheia de fotos da nossa história, de todos nós, a copa, o seu quarto enfeitado por um mural de momentos em que estivemos todos juntos. Lembrei-me das poucas vezes em que fui à igreja só porque sabia que você estaria lá, pra dizer a todo mundo que te conhecia. Inundaram-me a memória cenas de um tempo fácil ainda quando tudo o mais parecia difícil. Das gandaias às tardes tranquilas, fomos felizes ao nosso jeito. Por que é que pensei que te veria de novo enquanto você me dizia em sonhos que precisava ir? Ainda sinto sua mão frágil apertando a minha com firmeza, e eu me segurando e sorrindo e rezando pelo seu conforto em silêncio, e pensando entre quatro paredes que esse mundo é mesmo injusto, que você não tinha que sofrer assim. Você não. Você é meu avô, um homem forte e bonito... um homem bom. Gostaria de ter te dado a mão, te ajudado a atravessar; gostaria de ter podido te dizer para não ter medo, mas acho que na hora certa você laçou a morte como cavalo bravo, montou em seu dorso resoluto e foi devagarinho rumo à porta do céu, aos braços de Deus. Aqui, fica a saudade. Te amo, vô. Boa viagem.
Esse blog é destinado a compartilhar viagens literárias, e está aberto a seres humanos e afins... Divirtam-se!
sexta-feira, 14 de setembro de 2012
Attraversare
Foi num domingo não tão distante que te vi pela última vez, olhos aflitos de quem não me veria mais. Não foi como num filme - seu semblante foi tomado pelo medo e eu o lia bem dentro dos seus olhos negros que ainda reconhecia. Num ímpeto, você tomou minha mão e a apertou com força, e por algum motivo entendi que você não queria que eu me fosse porque sabia que não me tornaria a ver. Em tão breves minutos, passaram pela minha frente nossas idas à fazenda, nossas férias animadas com conversas no alpendre e pé de moleque da vovó, a sala cheia de fotos da nossa história, de todos nós, a copa, o seu quarto enfeitado por um mural de momentos em que estivemos todos juntos. Lembrei-me das poucas vezes em que fui à igreja só porque sabia que você estaria lá, pra dizer a todo mundo que te conhecia. Inundaram-me a memória cenas de um tempo fácil ainda quando tudo o mais parecia difícil. Das gandaias às tardes tranquilas, fomos felizes ao nosso jeito. Por que é que pensei que te veria de novo enquanto você me dizia em sonhos que precisava ir? Ainda sinto sua mão frágil apertando a minha com firmeza, e eu me segurando e sorrindo e rezando pelo seu conforto em silêncio, e pensando entre quatro paredes que esse mundo é mesmo injusto, que você não tinha que sofrer assim. Você não. Você é meu avô, um homem forte e bonito... um homem bom. Gostaria de ter te dado a mão, te ajudado a atravessar; gostaria de ter podido te dizer para não ter medo, mas acho que na hora certa você laçou a morte como cavalo bravo, montou em seu dorso resoluto e foi devagarinho rumo à porta do céu, aos braços de Deus. Aqui, fica a saudade. Te amo, vô. Boa viagem.
terça-feira, 11 de setembro de 2012
Ready
eu queria um dia saber o por quê de sermos tão despreparados, principalmente porque entre o nascer e o morrer fica subentendido que é preciso aprender alguma coisa (e me frustra bastante entender que existe realmente um manual de instruções em qualquer lugar que eu não alcanço, ainda que possa tocá-lo com um ínfimo esforço da minha indiferença forjada, forçada, pois se ainda agora me privo de querer adentrar por essa porta aberta...), uma que seja, para que tenhamos aquela sensação de sermos livres, grandes, de estarmos vivos: te olho de longe, despenteado, despreparado para lidar com o clichê mais comum, na iminência de topar com uma ideia qualquer que te vire a cabeça e te perfume o sono enquanto você vira pro lado direito e sorri em silêncio porque acha naquela impossibilidade uma pureza charmosa, certeza maravilhosa de que nada tomará seu tempo enquanto aquele frio na barriga persistir - enquanto o coração doer com uma lembrança longínqua dos mas e por quês que poderiam ter sido uma bela resposta para uma hora mais certa que agora. já é tarde; vá dormir e me leve consigo, e deixe a razão bufar como uma tia louca, que faz careta e se pergunta por que diabos temos que ser assim tão despreparados.
Ready
eu queria um dia saber o por quê de sermos tão despreparados, principalmente porque entre o nascer e o morrer fica subentendido que é preciso aprender alguma coisa (e me frustra bastante entender que existe realmente um manual de instruções em qualquer lugar que eu não alcanço, ainda que possa tocá-lo com um ínfimo esforço da minha indiferença forjada, forçada, pois se ainda agora me privo de querer adentrar por essa porta aberta...), uma que seja, para que tenhamos aquela sensação de sermos livres, grandes, de estarmos vivos: te olho de longe, despenteado, despreparado para lidar com o clichê mais comum, na iminência de topar com uma ideia qualquer que te vire a cabeça e te perfume o sono enquanto você vira pro lado direito e sorri em silêncio porque acha naquela impossibilidade uma pureza charmosa, certeza maravilhosa de que nada tomará seu tempo enquanto aquele frio na barriga persistir - enquanto o coração doer com uma lembrança longínqua dos mas e por quês que poderiam ter sido uma bela resposta para uma hora mais certa que agora. já é tarde; vá dormir e me leve consigo, e deixe a razão bufar como uma tia louca, que faz careta e se pergunta por que diabos temos que ser assim tão despreparados.
The Night
Não sei se por teimosia ou medo do escuro. Talvez pelo frescor do silêncio trazendo pra perto o mais simples barulhinho, ou pela calma que toma meus pulmões nos braços - eis enfim o término de mais uma batalha sem mortos ou feridos. Enfim um pedaço de um momento sem pessoa alguma. Aqui a luz está acesa, mas lá fora tudo mais adormece com ou sem calma, com ou sem remorso, problema respiratório, zumzum no ouvido, preguiça, esperança... volúpia. Ouço a geladeira e o cachorro do vizinho que, como eu, se recusa a fechar os olhos. Meu corpo se entrega, cansado, ao sofá surrado com cheiro de sonho antigo. Não me abrace assim, seu sofá, eu peço porque já não sei o que pedir. Minhas sapatilhas me olham com suas fitas de cetim - querem que eu vá já para a cama: amanhã preciso estar em minha melhor forma para pegar de vez a coreografia. Arquivos em pdf piscam enquanto um trabalho no word suga meus dizeres mais secretos. Acho que preciso organizar minhas prioridades. O vento sopra fresco e devagar me desperta. Se não fosse perigoso sairia agora para uma longa caminhada - concluo que um cachorro realmente faz falta. Quero também um jardim, cores e uma meia dúzia de sonhos possíveis. Onde é que eu aperto? Onde é que eu assino? Posso pagar com cartão?
Va bene, eu me rendo. Hora de dormir como as pessoas que acordam com os passarinhos.
The Night
Não sei se por teimosia ou medo do escuro. Talvez pelo frescor do silêncio trazendo pra perto o mais simples barulhinho, ou pela calma que toma meus pulmões nos braços - eis enfim o término de mais uma batalha sem mortos ou feridos. Enfim um pedaço de um momento sem pessoa alguma. Aqui a luz está acesa, mas lá fora tudo mais adormece com ou sem calma, com ou sem remorso, problema respiratório, zumzum no ouvido, preguiça, esperança... volúpia. Ouço a geladeira e o cachorro do vizinho que, como eu, se recusa a fechar os olhos. Meu corpo se entrega, cansado, ao sofá surrado com cheiro de sonho antigo. Não me abrace assim, seu sofá, eu peço porque já não sei o que pedir. Minhas sapatilhas me olham com suas fitas de cetim - querem que eu vá já para a cama: amanhã preciso estar em minha melhor forma para pegar de vez a coreografia. Arquivos em pdf piscam enquanto um trabalho no word suga meus dizeres mais secretos. Acho que preciso organizar minhas prioridades. O vento sopra fresco e devagar me desperta. Se não fosse perigoso sairia agora para uma longa caminhada - concluo que um cachorro realmente faz falta. Quero também um jardim, cores e uma meia dúzia de sonhos possíveis. Onde é que eu aperto? Onde é que eu assino? Posso pagar com cartão?
Va bene, eu me rendo. Hora de dormir como as pessoas que acordam com os passarinhos.
segunda-feira, 10 de setembro de 2012
Ghostbusters
Não tem nada que me faça querer hoje o que eu quis antes. Nada. Ainda assim, suspiro ao passar por alguns lugares cheios de lembranças de tempos felizes. Felizes? Será? Acho que tá mais praquela história da grama do vizinho...
Ghostbusters
Não tem nada que me faça querer hoje o que eu quis antes. Nada. Ainda assim, suspiro ao passar por alguns lugares cheios de lembranças de tempos felizes. Felizes? Será? Acho que tá mais praquela história da grama do vizinho...
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