quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Brave heart

Essa frase é muito importante pra mim, e queria que ela fosse também, do fundo do coração, pra vocês:
"Emancipate yourselves from mental slavery"
Não deixem jamais que alguém, seja lá quem for, tente lhes tirar esse bem tão precioso que é o livre pensar. É ele que gera estratégia, é ele que gera ação efetiva - é dele que nasce aquele pontinho pequeno e obstinado chamado revolução. Pensar nos dá asas para ir ao céu e ver o mundo de cima, como o Happy Prince de Wilde; traz a oportunidade de ampliarmos nossa existência ao provarmos desse e daquele sentimento.
Desejo a todos uma cabeça boa pra pensar e um coração saudável pra processar com sabedoria e humildade cada um desses inúmeros pensamentos...
Auguri!

Brave heart

Essa frase é muito importante pra mim, e queria que ela fosse também, do fundo do coração, pra vocês:
"Emancipate yourselves from mental slavery"
Não deixem jamais que alguém, seja lá quem for, tente lhes tirar esse bem tão precioso que é o livre pensar. É ele que gera estratégia, é ele que gera ação efetiva - é dele que nasce aquele pontinho pequeno e obstinado chamado revolução. Pensar nos dá asas para ir ao céu e ver o mundo de cima, como o Happy Prince de Wilde; traz a oportunidade de ampliarmos nossa existência ao provarmos desse e daquele sentimento.
Desejo a todos uma cabeça boa pra pensar e um coração saudável pra processar com sabedoria e humildade cada um desses inúmeros pensamentos...
Auguri!

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Sonho de uma noite de verão

Foi num sábado abafado e calorento. Subia o morro para chegar em casa, depois de seis horas trabalhando sem parar. Da minha testa pingava suor. Minha pasta pesava uma tonelada e eu me fixava em uma única necessidade: a de abrir a porta, jogar aquele tijolo no chão e entrar debaixo da água gelada. Pode ser realmente escaldante em dezembro, concluiu minha massa mole que se arrastava pelo passeio desnivelado. Calor. Cansaço. Fome. Raiva! Mas não, não, nada de desvirtuar o pensamento daquela aguinha gostosa esfriando aos poucos meu corpo quente, carregando consigo aquele suor impregnado, refrescando a carne... Como num passe de mágica lá estava eu, chave na mão, olhos pequenos, sorriso estúpido no rosto. Abri a porta e quase tive um ataque do coração ali mesmo. De trás de cada móvel foi surgindo uma sombra, tudo muito rápido, tudo ao mesmo tempo. Na penumbra, não via nada com clareza. Acendi a luz e a multidão acalorada que agora tomava conta da minha sala gritou "surpresa!". Olhava para meus móveis de forma a me certificar que aquela era realmente a minha casa. Mas como, quem tem a ch.... Não precisei concluir meu pensamento. Gilda. Da cozinha ela vinha, rebolenta e pintada como uma chacrete, segurando um bolo cheio de velas. Vinha sorridente, pediu inclusive para apagarem a luz, e seus olhos brilhavam de satisfação por ser a dona da idéia, a anfitriã da festa. Com chapeuzinhos e línguas-de-sogra, os convidados, sujeitos cujo telefone estava anotado em uma agenda de 1983 - entre eles uma tia doente que só sai de casa em ocasiões festivas -, se organizaram em volta da mesa e sem demora iniciaram a cantoria. Cantaram o big, o com quem será, e outro parabéns porque o fogueteiro acabara de chegar. Como eu não soprava as velas, alguns dos presentes começaram a me questionar. Gritos de "sopra" foram emergindo, até gritarem todos em uníssono, com os punhos fechados e os braços para cima, como num show de rock ou um jogo de futebol. Gilda aproximou-se. Passou o braço em volta da minha cintura e falou bem mimosa ao meu ouvido "Sopra as velinhas, meu amor, sopra". Esperei a comoção terminar e, sem alterar o tom de voz, olhei para todos, a seguir para Gilda, e disse "hoje é aniversário do seu ex-marido Paulo Ricardo, Gilda; o meu é em maio". Silêncio. Puro e absoluto. Todos me olhavam incrédulos, boca aberta, olhos esbugalhados. Gilda não conseguia dizer palavra, o corpo paralisado, a face lívida. Fui tomado por um desejo incontrolável de rir-me daquele espetáculo patético. Minha gargalhada saiu de repente, ácida e sonora. Um a um, os presentes começaram a rir também, e pude ouvir alguns suspirando aliviados: "puxa, esse Roberto... quase caí nessa!". Ligaram o som, trouxeram a bebida e caíram na farra. Fui tomar meu merecido banho e por lá fiquei, mas minha ausência definitivamente não foi problema para que a festa fosse realmente de arromba - foi até as cinco da manhã. No dia seguinte o porteiro me felicitou animado, e ainda teve tempo de dizer que uma certa senhora deve ter exagerado no salgadinho, porque saiu logo depois dos parabéns, cambaleando e branca como um fantasma.   

Sonho de uma noite de verão

Foi num sábado abafado e calorento. Subia o morro para chegar em casa, depois de seis horas trabalhando sem parar. Da minha testa pingava suor. Minha pasta pesava uma tonelada e eu me fixava em uma única necessidade: a de abrir a porta, jogar aquele tijolo no chão e entrar debaixo da água gelada. Pode ser realmente escaldante em dezembro, concluiu minha massa mole que se arrastava pelo passeio desnivelado. Calor. Cansaço. Fome. Raiva! Mas não, não, nada de desvirtuar o pensamento daquela aguinha gostosa esfriando aos poucos meu corpo quente, carregando consigo aquele suor impregnado, refrescando a carne... Como num passe de mágica lá estava eu, chave na mão, olhos pequenos, sorriso estúpido no rosto. Abri a porta e quase tive um ataque do coração ali mesmo. De trás de cada móvel foi surgindo uma sombra, tudo muito rápido, tudo ao mesmo tempo. Na penumbra, não via nada com clareza. Acendi a luz e a multidão acalorada que agora tomava conta da minha sala gritou "surpresa!". Olhava para meus móveis de forma a me certificar que aquela era realmente a minha casa. Mas como, quem tem a ch.... Não precisei concluir meu pensamento. Gilda. Da cozinha ela vinha, rebolenta e pintada como uma chacrete, segurando um bolo cheio de velas. Vinha sorridente, pediu inclusive para apagarem a luz, e seus olhos brilhavam de satisfação por ser a dona da idéia, a anfitriã da festa. Com chapeuzinhos e línguas-de-sogra, os convidados, sujeitos cujo telefone estava anotado em uma agenda de 1983 - entre eles uma tia doente que só sai de casa em ocasiões festivas -, se organizaram em volta da mesa e sem demora iniciaram a cantoria. Cantaram o big, o com quem será, e outro parabéns porque o fogueteiro acabara de chegar. Como eu não soprava as velas, alguns dos presentes começaram a me questionar. Gritos de "sopra" foram emergindo, até gritarem todos em uníssono, com os punhos fechados e os braços para cima, como num show de rock ou um jogo de futebol. Gilda aproximou-se. Passou o braço em volta da minha cintura e falou bem mimosa ao meu ouvido "Sopra as velinhas, meu amor, sopra". Esperei a comoção terminar e, sem alterar o tom de voz, olhei para todos, a seguir para Gilda, e disse "hoje é aniversário do seu ex-marido Paulo Ricardo, Gilda; o meu é em maio". Silêncio. Puro e absoluto. Todos me olhavam incrédulos, boca aberta, olhos esbugalhados. Gilda não conseguia dizer palavra, o corpo paralisado, a face lívida. Fui tomado por um desejo incontrolável de rir-me daquele espetáculo patético. Minha gargalhada saiu de repente, ácida e sonora. Um a um, os presentes começaram a rir também, e pude ouvir alguns suspirando aliviados: "puxa, esse Roberto... quase caí nessa!". Ligaram o som, trouxeram a bebida e caíram na farra. Fui tomar meu merecido banho e por lá fiquei, mas minha ausência definitivamente não foi problema para que a festa fosse realmente de arromba - foi até as cinco da manhã. No dia seguinte o porteiro me felicitou animado, e ainda teve tempo de dizer que uma certa senhora deve ter exagerado no salgadinho, porque saiu logo depois dos parabéns, cambaleando e branca como um fantasma.   

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

FEAR=LESS

I can still smile to you
I can still laugh at you
I can still remember you
as someone who loved me too -
I walk fearless through your lies
seeking for a piece of truth.

FEAR=LESS

I can still smile to you
I can still laugh at you
I can still remember you
as someone who loved me too -
I walk fearless through your lies
seeking for a piece of truth.

J’ACUSE !!!

J’ACUSE !!!

(Eu acuso!)

(Tributo ao professor Kássio Vinícius Castro Gomes)

« Mon devoir est de parler, je ne veux pas être complice.

(Émile Zola)

Meu dever é falar, não quero ser cúmplice. (...)

(Émile Zola)

Foi uma tragédia fartamente anunciada. Em milhares de casos, desrespeito. Em outros tantos, escárnio. Em Belo Horizonte, um estudante processa a escola e o professor que lhe deu notas baixas, alegando que teve danos morais ao ter que virar noites estudando para a prova subsequente. (Notem bem: o alegado “dano moral” do estudante foi ter que... estudar!). A coisa não fica apenas por aí. Pelo Brasil afora, ameaças constantes. Ainda neste ano, uma professora brutalmente espancada por um aluno. O ápice desta escalada macabra não poderia ser outro. O professor Kássio Vinícius Castro Gomes pagou com sua vida, com seu futuro, com o futuro de sua esposa e filhas, com as lágrimas eternas de sua mãe, pela irresponsabilidade que há muito vem tomando conta dos ambientes escolares. Há uma lógica perversa por trás dessa asquerosa escalada. A promoção do desrespeito aos valores, ao bom senso, às regras de bem viver e à autoridade foi elevada a método de ensino e imperativo de convivência supostamente democrática. No início, foi o maio de 68, em Paris: gritava-se nas ruas que “era proibido proibir”. Depois, a geração do “não bate, que traumatiza”. A coisa continuou: “Não reprove, que atrapalha”. Não dê provas difíceis, pois “temos que respeitar o perfil dos nossos alunos”. Aliás, “prova não prova nada”. Deixe o aluno “construir seu conhecimento.” Não vamos avaliar o aluno. Pensando bem, “é o aluno que vai avaliar o professor”. Afinal de contas, ele está pagando... E como a estupidez humana não tem limite, a avacalhação geral epidêmica, travestida de “novo paradigma” (Irc!), prosseguiu a todo vapor, em vários setores: “o bandido é vítima da sociedade”, “temos que mudar ‘tudo isso que está aí’; “mais importante que ter conhecimento é ser ‘crítico’.” Claro que a intelectualidade rasa de pedagogos de panfleto e burocratas carreiristas ganhou um imenso impulso com a mercantilização desabrida do ensino: agora, o discurso anti-disciplina é anabolizado pela lógica doentia e desonesta da paparicação ao aluno–cliente... Estamos criando gerações em que uma parcela considerável de nossos cidadãos é composta de adultos mimados, despreparados para os problemas, decepções e desafios da vida, incapazes de lidar com conflitos e, pior, dotados de uma delirante certeza de que “o mundo lhes deve algo”. Um desses jovens, revoltado com suas notas baixas, cravou uma faca com dezoito centímetros de lâmina, bem no coração de um professor. Tirou-lhe tudo o que tinha e tudo o que poderia vir a ter, sentir, amar.



Ao assassino, corretamente , deverão ser concedidos todos os direitos que a lei prevê: o direito ao tratamento humano, o direito à ampla defesa, o direito de não ser condenado em pena maior do que a prevista em lei. Tudo isso, e muito mais, fará parte do devido processo legal, que se iniciará com a denúncia, a ser apresentada pelo Ministério Público. A acusação penal ao autor do homicídio covarde virá do promotor de justiça. Mas, com a licença devida ao célebre texto de Emile Zola, EU ACUSO tantos outros que estão por trás do cabo da faca:



EU ACUSO a pedagogia ideologizada, que pretende relativizar tudo e todos, equiparando certo ao errado e vice-versa;

EU ACUSO os pseudo-intelectuais de panfleto, que romantizam a “revolta dos oprimidos” e justificam a violência por parte daqueles que se sentem vítimas;

EU ACUSO os burocratas da educação e suas cartilhas do politicamente correto, que impedem a escola de constar faltas graves no histórico escolar, mesmo de alunos criminosos, deixando-os livres para tumultuar e cometer crimes em outras escolas;

EU ACUSO a hipocrisia de exigir professores com mestrado e doutorado, muitos dos quais, no dia a dia, serão pressionados a dar provas bem tranqüilas, provas de mentirinha, para “adequar a avaliação ao perfil dos alunos”;

EU ACUSO os últimos tantos Ministros da Educação, que em nome de estatísticas hipócritas e interesses privados, permitiram a proliferação de cursos superiores completamente sem condições, freqüentados por alunos igualmente sem condições de ali estar;

EU ACUSO a mercantilização cretina do ensino, a venda de diplomas e títulos sem o mínimo de interesse e de responsabilidade com o conteúdo e formação dos alunos, bem como de suas futuras missões na sociedade;

EU ACUSO a lógica doentia e hipócrita do aluno-cliente, cada vez menos exigido e cada vez mais paparicado e enganado, o qual finge que não sabe que, para a escola que lhe paparica, seu boleto hoje vale muito mais do que seu sucesso e sua felicidade amanhã;

EU ACUSO a hipocrisia das escolas que jamais reprovam seus alunos, as quais formam analfabetos funcionais só para maquiar estatísticas do IDH e dizer ao mundo que o número de alunos com

segundo grau completo cresceu “tantos por cento”;

EU ACUSO os que aplaudem tais escolas e ainda trabalham pela massificação do ensino superior, sem entender que o aluno que ali chega deve ter o mínimo de preparo civilizacional, intelectual e moral, pois estamos chegando ao tempo no qual o aluno “terá direito” de se tornar médico ou advogado sem sequer saber escrever, tudo para o desespero de seus futuros clientes-cobaia;

EU ACUSO os que agora falam em promover um “novo paradigma”, uma “ nova cultura de paz”, pois o que se deve promover é a boa e VELHA cultura da “vergonha na cara”, do respeito às normas, à autoridade e do respeito ao ambiente universitário como um ambiente de busca do conhecimento;

EU ACUSO os “cabeças–boas” que acham e ensinam que disciplina é “careta”, que respeito às normas é coisa de velho decrépito,

EU ACUSO os métodos de avaliação de professores, que se tornaram templos de vendilhões, nos quais votos são comprados e vendidos em troca de piadinhas, sorrisos e notas fáceis;

EU ACUSO os alunos que protestam contra a impunidade dos políticos, mas gabam-se de colar nas provas, assim como ACUSO os professores que, vendo tais alunos colarem, não têm coragem de aplicar a devida punição.

EU VEEMENTEMENTE ACUSO os diretores e coordenadores que impedem os professores de punir os alunos que colam, ou pretendem que os professores sejam “promoters” de seus cursos;

EU ACUSO os diretores e coordenadores que toleram condutas desrespeitosas de alunos contra professores e funcionários, pois sua omissão quanto aos pequenos incidentes é diretamente responsável pela ocorrência dos incidentes maiores;

Uma multidão de filhos tiranos que se tornam alunos-clientes, serão despejados na vida como adultos eternamente infantilizados e totalmente despreparados, tanto tecnicamente para o exercício da profissão, quanto pessoalmente para os conflitos, desafios e decepções do dia a dia. Ensimesmados em seus delírios de perseguição ou de grandeza, estes jovens mostram cada vez menos preparo na delicada e essencial arte que é lidar com aquele ser complexo e imprevisível que podemos chamar de “o outro”. A infantilização eterna cria a seguinte e horrenda lógica, hoje na cabeça de muitas crianças em corpo de adulto: “Se eu tiro nota baixa, a culpa é do professor. Se não tenho dinheiro, a culpa é do patrão. Se me drogo, a culpa é dos meus pais. Se furto, roubo, mato, a culpa é do sistema. Eu, sou apenas uma vítima. Uma eterna vítima. O opressor é você, que trabalha, paga suas contas em dia e vive sua vida. Minhas coisas não saíram como eu queria. Estou com muita

raiva. Quando eu era criança, eu batia os pés no chão. Mas agora, fisicamente, eu cresci. Portanto, você pode ser o próximo.” Qualquer um de nós pode ser o próximo, por qualquer motivo. Em qualquer lugar, dentro ou fora das escolas. A facada ignóbil no professor Kássio dói no peito de todos nós. Que a sua morte não seja em vão. É hora de repensarmos a educação brasileira e abrirmos mão dos modismos e invencionices. A melhor “nova cultura de paz” que podemos adotar nas escolas e universidades é fazermos as pazes com os bons e velhos conceitos de seriedade, responsabilidade, disciplina e estudo de verdade.



Igor Pantuzza Wildmann

Advogado – Doutor em Direito. Professor universitário.

J’ACUSE !!!

J’ACUSE !!!

(Eu acuso!)

(Tributo ao professor Kássio Vinícius Castro Gomes)

« Mon devoir est de parler, je ne veux pas être complice.

(Émile Zola)

Meu dever é falar, não quero ser cúmplice. (...)

(Émile Zola)

Foi uma tragédia fartamente anunciada. Em milhares de casos, desrespeito. Em outros tantos, escárnio. Em Belo Horizonte, um estudante processa a escola e o professor que lhe deu notas baixas, alegando que teve danos morais ao ter que virar noites estudando para a prova subsequente. (Notem bem: o alegado “dano moral” do estudante foi ter que... estudar!). A coisa não fica apenas por aí. Pelo Brasil afora, ameaças constantes. Ainda neste ano, uma professora brutalmente espancada por um aluno. O ápice desta escalada macabra não poderia ser outro. O professor Kássio Vinícius Castro Gomes pagou com sua vida, com seu futuro, com o futuro de sua esposa e filhas, com as lágrimas eternas de sua mãe, pela irresponsabilidade que há muito vem tomando conta dos ambientes escolares. Há uma lógica perversa por trás dessa asquerosa escalada. A promoção do desrespeito aos valores, ao bom senso, às regras de bem viver e à autoridade foi elevada a método de ensino e imperativo de convivência supostamente democrática. No início, foi o maio de 68, em Paris: gritava-se nas ruas que “era proibido proibir”. Depois, a geração do “não bate, que traumatiza”. A coisa continuou: “Não reprove, que atrapalha”. Não dê provas difíceis, pois “temos que respeitar o perfil dos nossos alunos”. Aliás, “prova não prova nada”. Deixe o aluno “construir seu conhecimento.” Não vamos avaliar o aluno. Pensando bem, “é o aluno que vai avaliar o professor”. Afinal de contas, ele está pagando... E como a estupidez humana não tem limite, a avacalhação geral epidêmica, travestida de “novo paradigma” (Irc!), prosseguiu a todo vapor, em vários setores: “o bandido é vítima da sociedade”, “temos que mudar ‘tudo isso que está aí’; “mais importante que ter conhecimento é ser ‘crítico’.” Claro que a intelectualidade rasa de pedagogos de panfleto e burocratas carreiristas ganhou um imenso impulso com a mercantilização desabrida do ensino: agora, o discurso anti-disciplina é anabolizado pela lógica doentia e desonesta da paparicação ao aluno–cliente... Estamos criando gerações em que uma parcela considerável de nossos cidadãos é composta de adultos mimados, despreparados para os problemas, decepções e desafios da vida, incapazes de lidar com conflitos e, pior, dotados de uma delirante certeza de que “o mundo lhes deve algo”. Um desses jovens, revoltado com suas notas baixas, cravou uma faca com dezoito centímetros de lâmina, bem no coração de um professor. Tirou-lhe tudo o que tinha e tudo o que poderia vir a ter, sentir, amar.



Ao assassino, corretamente , deverão ser concedidos todos os direitos que a lei prevê: o direito ao tratamento humano, o direito à ampla defesa, o direito de não ser condenado em pena maior do que a prevista em lei. Tudo isso, e muito mais, fará parte do devido processo legal, que se iniciará com a denúncia, a ser apresentada pelo Ministério Público. A acusação penal ao autor do homicídio covarde virá do promotor de justiça. Mas, com a licença devida ao célebre texto de Emile Zola, EU ACUSO tantos outros que estão por trás do cabo da faca:



EU ACUSO a pedagogia ideologizada, que pretende relativizar tudo e todos, equiparando certo ao errado e vice-versa;

EU ACUSO os pseudo-intelectuais de panfleto, que romantizam a “revolta dos oprimidos” e justificam a violência por parte daqueles que se sentem vítimas;

EU ACUSO os burocratas da educação e suas cartilhas do politicamente correto, que impedem a escola de constar faltas graves no histórico escolar, mesmo de alunos criminosos, deixando-os livres para tumultuar e cometer crimes em outras escolas;

EU ACUSO a hipocrisia de exigir professores com mestrado e doutorado, muitos dos quais, no dia a dia, serão pressionados a dar provas bem tranqüilas, provas de mentirinha, para “adequar a avaliação ao perfil dos alunos”;

EU ACUSO os últimos tantos Ministros da Educação, que em nome de estatísticas hipócritas e interesses privados, permitiram a proliferação de cursos superiores completamente sem condições, freqüentados por alunos igualmente sem condições de ali estar;

EU ACUSO a mercantilização cretina do ensino, a venda de diplomas e títulos sem o mínimo de interesse e de responsabilidade com o conteúdo e formação dos alunos, bem como de suas futuras missões na sociedade;

EU ACUSO a lógica doentia e hipócrita do aluno-cliente, cada vez menos exigido e cada vez mais paparicado e enganado, o qual finge que não sabe que, para a escola que lhe paparica, seu boleto hoje vale muito mais do que seu sucesso e sua felicidade amanhã;

EU ACUSO a hipocrisia das escolas que jamais reprovam seus alunos, as quais formam analfabetos funcionais só para maquiar estatísticas do IDH e dizer ao mundo que o número de alunos com

segundo grau completo cresceu “tantos por cento”;

EU ACUSO os que aplaudem tais escolas e ainda trabalham pela massificação do ensino superior, sem entender que o aluno que ali chega deve ter o mínimo de preparo civilizacional, intelectual e moral, pois estamos chegando ao tempo no qual o aluno “terá direito” de se tornar médico ou advogado sem sequer saber escrever, tudo para o desespero de seus futuros clientes-cobaia;

EU ACUSO os que agora falam em promover um “novo paradigma”, uma “ nova cultura de paz”, pois o que se deve promover é a boa e VELHA cultura da “vergonha na cara”, do respeito às normas, à autoridade e do respeito ao ambiente universitário como um ambiente de busca do conhecimento;

EU ACUSO os “cabeças–boas” que acham e ensinam que disciplina é “careta”, que respeito às normas é coisa de velho decrépito,

EU ACUSO os métodos de avaliação de professores, que se tornaram templos de vendilhões, nos quais votos são comprados e vendidos em troca de piadinhas, sorrisos e notas fáceis;

EU ACUSO os alunos que protestam contra a impunidade dos políticos, mas gabam-se de colar nas provas, assim como ACUSO os professores que, vendo tais alunos colarem, não têm coragem de aplicar a devida punição.

EU VEEMENTEMENTE ACUSO os diretores e coordenadores que impedem os professores de punir os alunos que colam, ou pretendem que os professores sejam “promoters” de seus cursos;

EU ACUSO os diretores e coordenadores que toleram condutas desrespeitosas de alunos contra professores e funcionários, pois sua omissão quanto aos pequenos incidentes é diretamente responsável pela ocorrência dos incidentes maiores;

Uma multidão de filhos tiranos que se tornam alunos-clientes, serão despejados na vida como adultos eternamente infantilizados e totalmente despreparados, tanto tecnicamente para o exercício da profissão, quanto pessoalmente para os conflitos, desafios e decepções do dia a dia. Ensimesmados em seus delírios de perseguição ou de grandeza, estes jovens mostram cada vez menos preparo na delicada e essencial arte que é lidar com aquele ser complexo e imprevisível que podemos chamar de “o outro”. A infantilização eterna cria a seguinte e horrenda lógica, hoje na cabeça de muitas crianças em corpo de adulto: “Se eu tiro nota baixa, a culpa é do professor. Se não tenho dinheiro, a culpa é do patrão. Se me drogo, a culpa é dos meus pais. Se furto, roubo, mato, a culpa é do sistema. Eu, sou apenas uma vítima. Uma eterna vítima. O opressor é você, que trabalha, paga suas contas em dia e vive sua vida. Minhas coisas não saíram como eu queria. Estou com muita

raiva. Quando eu era criança, eu batia os pés no chão. Mas agora, fisicamente, eu cresci. Portanto, você pode ser o próximo.” Qualquer um de nós pode ser o próximo, por qualquer motivo. Em qualquer lugar, dentro ou fora das escolas. A facada ignóbil no professor Kássio dói no peito de todos nós. Que a sua morte não seja em vão. É hora de repensarmos a educação brasileira e abrirmos mão dos modismos e invencionices. A melhor “nova cultura de paz” que podemos adotar nas escolas e universidades é fazermos as pazes com os bons e velhos conceitos de seriedade, responsabilidade, disciplina e estudo de verdade.



Igor Pantuzza Wildmann

Advogado – Doutor em Direito. Professor universitário.

"Deixai que venham a mim as criancinhas"

"As crianças aprendem
aquilo que vivem.
Se uma criança vive criticada,
aprende a condenar.
Se uma criança vive com maus tratos,
aprende a brigar.
Se uma criança vive humilhada,
aprende a se sentir culpada.
Se uma criança é estimulada,
aprende a confiar.
Se uma criança é valorizada,
aprende a valorizar.
Se uma criança vive no equilíbrio,
aprende a ser justa.
Se uma criança vive em segurança,
aprende a ter fé.
Se uma criança é bem aceita,
aprende a respeitar.
Se uma criança vive na amizade,
aprende a ser amiga,
aprende a encontrar o amor no mundo."
(texto retirado de um quadro na sala do meu pediatra, que me atende até hoje)

Essa criança não precisa ser seu filho ou parente. Acolha as crianças, não porque elas são o futuro, mas porque o presente delas é algo muito precioso. Acolha enquanto pai ou mãe, médico ou professor, vizinho ou amigo - enquanto ser humano. Não perpetue sua miséria pessoal. Acolha essas crianças por elas e por você também.

"Deixai que venham a mim as criancinhas"

"As crianças aprendem
aquilo que vivem.
Se uma criança vive criticada,
aprende a condenar.
Se uma criança vive com maus tratos,
aprende a brigar.
Se uma criança vive humilhada,
aprende a se sentir culpada.
Se uma criança é estimulada,
aprende a confiar.
Se uma criança é valorizada,
aprende a valorizar.
Se uma criança vive no equilíbrio,
aprende a ser justa.
Se uma criança vive em segurança,
aprende a ter fé.
Se uma criança é bem aceita,
aprende a respeitar.
Se uma criança vive na amizade,
aprende a ser amiga,
aprende a encontrar o amor no mundo."
(texto retirado de um quadro na sala do meu pediatra, que me atende até hoje)

Essa criança não precisa ser seu filho ou parente. Acolha as crianças, não porque elas são o futuro, mas porque o presente delas é algo muito precioso. Acolha enquanto pai ou mãe, médico ou professor, vizinho ou amigo - enquanto ser humano. Não perpetue sua miséria pessoal. Acolha essas crianças por elas e por você também.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Indignação indigna

Desculpem, mas hoje vou ter que dar uma de dona Edith aqui: como é que a gente vive com tudo no preço que tá? Imaginem a situação de um professor de escola pública no Brasil... Ponderemos que nem todo professor prepara e nem todo aluno xinga, mas a situação chegou a um ponto tal que agora, com todo o trabalho que executa dentro e fora da sala de aula, além do desrespeito dos alunos, da repreensão de pais superprotetores e do descaso das instituições de ensino, o professor teme pela própria vida. Lembro de quando estudava Letras na UFMG e fiz uma disciplina na Faculdade de Educação com alunos de vários cursos - educação física, matemática, química e outros. Em um dado momento foi pedido que compartilhássemos nossas experiências enquanto professores. Alguns colegas da rede pública deram um testemunho de arrepiar. Contaram que já foram ameaçados com facas e revólveres dentro e fora da escola por alunos reprovados ou com faltas; que por incontáveis vezes os vidros de seus carros foram quebrados e pneus foram furados pelos alunos NA PORTA DA ESCOLA. E se vocês forem dar uma olhada no salário desses profissionais, vão ficar sem entender por que eles estudaram quatro anos e assumiram o compromisso de estudarem a vida inteira para enfrentarem esse dia a dia.  Não há status algum em ser professor no nosso país, uma profissão sem a qual nenhuma outra existiria. A concepção de educação no Brasil virou uma piada da qual todos riem sem que ninguém ache graça. Enquanto isso, como diz o outro, a gente se lasca mas se diverte: http://www.youtube.com/watch?v=zQQOzVF_zjs

Indignação indigna

Desculpem, mas hoje vou ter que dar uma de dona Edith aqui: como é que a gente vive com tudo no preço que tá? Imaginem a situação de um professor de escola pública no Brasil... Ponderemos que nem todo professor prepara e nem todo aluno xinga, mas a situação chegou a um ponto tal que agora, com todo o trabalho que executa dentro e fora da sala de aula, além do desrespeito dos alunos, da repreensão de pais superprotetores e do descaso das instituições de ensino, o professor teme pela própria vida. Lembro de quando estudava Letras na UFMG e fiz uma disciplina na Faculdade de Educação com alunos de vários cursos - educação física, matemática, química e outros. Em um dado momento foi pedido que compartilhássemos nossas experiências enquanto professores. Alguns colegas da rede pública deram um testemunho de arrepiar. Contaram que já foram ameaçados com facas e revólveres dentro e fora da escola por alunos reprovados ou com faltas; que por incontáveis vezes os vidros de seus carros foram quebrados e pneus foram furados pelos alunos NA PORTA DA ESCOLA. E se vocês forem dar uma olhada no salário desses profissionais, vão ficar sem entender por que eles estudaram quatro anos e assumiram o compromisso de estudarem a vida inteira para enfrentarem esse dia a dia.  Não há status algum em ser professor no nosso país, uma profissão sem a qual nenhuma outra existiria. A concepção de educação no Brasil virou uma piada da qual todos riem sem que ninguém ache graça. Enquanto isso, como diz o outro, a gente se lasca mas se diverte: http://www.youtube.com/watch?v=zQQOzVF_zjs

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Vida fácil

Já dizia aquele um que o que se leva da vida é conhecimento
que se desperta amor, se cava a própria cova, se planta competência...
Perguntam-me surpresos o que fazem essas luzes pelo meu cabelo
sem entenderem que são uma tentativa de preservar minha essência.
Pensam que os ditados populares ainda vão salvar o mundo?
Então respirem fundo e tentem ao menos reagir a cada fechar de olhos,
a cada pulsar de veias, a cada abrir fugaz de pernas
com alguma originalidade e um mínimo de inteligência.

Vida fácil

Já dizia aquele um que o que se leva da vida é conhecimento
que se desperta amor, se cava a própria cova, se planta competência...
Perguntam-me surpresos o que fazem essas luzes pelo meu cabelo
sem entenderem que são uma tentativa de preservar minha essência.
Pensam que os ditados populares ainda vão salvar o mundo?
Então respirem fundo e tentem ao menos reagir a cada fechar de olhos,
a cada pulsar de veias, a cada abrir fugaz de pernas
com alguma originalidade e um mínimo de inteligência.

domingo, 12 de dezembro de 2010

DIY

A chuva insiste em cair, e eu, embebida em puro ócio, não paro de pensar no quanto as pessoas me fazem mal. Poderia escrever uma mini história sobre uma menina fraca, sempre doente, cansada e triste. Cada vez mais fraca, abatida e preocupada com a opinião de seus superiores, ela consultou vários especialistas do campo prático ao espiritual - tomou muitos remédios, fez passes e simpatias,  participou de rituais, ouviu conselhos, mas nada a curou. Um belo dia a pessoa mais improvável descobriu que quem a enfraquecia eram as pessoas. Os outros para ela eram como um balde de criptonita - quanto mais gente, menos energia. Ela então decidiu afastar-se das pessoas. Fez um protesto sobre o uso do telefone, distribuiu meias respostas e não se deu ao trabalho de fazer qualquer pergunta. Ainda assim, não melhorava. Ficou em dúvida com relação à natureza dessas pessoas, e quis saber se somente os otários, falsos, enxeridos e desocupados tinham um efeito ruim sobre ela. Para tirar a dúvida, foi a um evento na Praça da Liberdade num domingo quente, próximo ao Natal. Um formigueiro; um pesadelo; um show de horror. Segurou-se no ombro do sobrinho e sentiu que não passar do chão talvez não fosse tão simples assim. Teve vontade de gritar, de abrir caminho por entre aquela gente toda e correr até as pernas não quererem mais. Constatou que tinha alergia também às pessoas feias/ às barulhentas/ às cafonas/ às agitadas/ às oportunistas/ às lascivas/ às mórbidas/ às estranhas e às óbvias. Sabe, àquelas que respiram... Quis se livrar de todas elas de uma vez. Fechou os olhos, encheu a mão com meia dúzia de seres imprescindíveis e reconheceu ali sua porção de humanidade. Vestiu sua carapuça de vidro e preparou-se para sair à rua; não teve mais medo ou pena de ninguém.

DIY

A chuva insiste em cair, e eu, embebida em puro ócio, não paro de pensar no quanto as pessoas me fazem mal. Poderia escrever uma mini história sobre uma menina fraca, sempre doente, cansada e triste. Cada vez mais fraca, abatida e preocupada com a opinião de seus superiores, ela consultou vários especialistas do campo prático ao espiritual - tomou muitos remédios, fez passes e simpatias,  participou de rituais, ouviu conselhos, mas nada a curou. Um belo dia a pessoa mais improvável descobriu que quem a enfraquecia eram as pessoas. Os outros para ela eram como um balde de criptonita - quanto mais gente, menos energia. Ela então decidiu afastar-se das pessoas. Fez um protesto sobre o uso do telefone, distribuiu meias respostas e não se deu ao trabalho de fazer qualquer pergunta. Ainda assim, não melhorava. Ficou em dúvida com relação à natureza dessas pessoas, e quis saber se somente os otários, falsos, enxeridos e desocupados tinham um efeito ruim sobre ela. Para tirar a dúvida, foi a um evento na Praça da Liberdade num domingo quente, próximo ao Natal. Um formigueiro; um pesadelo; um show de horror. Segurou-se no ombro do sobrinho e sentiu que não passar do chão talvez não fosse tão simples assim. Teve vontade de gritar, de abrir caminho por entre aquela gente toda e correr até as pernas não quererem mais. Constatou que tinha alergia também às pessoas feias/ às barulhentas/ às cafonas/ às agitadas/ às oportunistas/ às lascivas/ às mórbidas/ às estranhas e às óbvias. Sabe, àquelas que respiram... Quis se livrar de todas elas de uma vez. Fechou os olhos, encheu a mão com meia dúzia de seres imprescindíveis e reconheceu ali sua porção de humanidade. Vestiu sua carapuça de vidro e preparou-se para sair à rua; não teve mais medo ou pena de ninguém.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

A outra

Ela segurava seu rosto e sentia a barba macia. As mãos estavam trêmulas - como era belo! Olhava com dificuldade dentro daqueles olhos escuros e pequenos; tudo girava ao seu redor. Com o coração apertado, comunicou sua vontade. Ele concordou - pensava exatamente da mesma forma. O jovem casal de amantes chorou lágrimas de verdade.

Havia escolhido casar-se com o amigo da escola. O melhor amigo, aquele que sabia de tudo. Conhecidos desde sempre, partilharam o primeiro, o segundo e todos os beijos, dividiram os detalhes sórdidos de cada transa. Um dia surgiu o desejo mútuo de participar da mesma cena, unir as forças malucas perdidas com um monte de pessoas erradas. Um dia se olharam e acharam que aquela era uma combinação interessante. Foi encantador; familiar; confortável; seguro; completo; onipresente. No outro dia também. No mês seguinte, a simbiose era evidente. Discutiam casamento e filhos deitados na grama, cobertos de nuvens. Sem demora o casamento aconteceu. Ele casou-se com outra. Anna nasceu logo depois, e enquanto ela mamava no peito  a esposa decidiu que estava na hora de encomendar Davi. 

É amor isso que está acontecendo conosco? Um dia se olharam e acharam que não havia mais  saída. Num ímpeto o pensamento alcançou outras pessoas - era hora de olharem em volta. Eu... Eu sei, eu também. Você... Não sei. Você? Sei lá. Fica mais um pouco? Até quando? Primeiro até amanhã. Depois a gente vê... Pipoca? Sorvete. Você... Amo, amo sim. Você... é, te amo também. Então por quê? Por um tanto de motivos, por nenhum - afinal quem precisa de um motivo nos dias de hoje? Será que amanhã isso vai passar? Talvez, pode ser. Me abraça bem forte, e aí pode ser que a gente não sinta mais tanto medo. Até amanhã? É, até amanhã. Depois a gente vê...

A outra

Ela segurava seu rosto e sentia a barba macia. As mãos estavam trêmulas - como era belo! Olhava com dificuldade dentro daqueles olhos escuros e pequenos; tudo girava ao seu redor. Com o coração apertado, comunicou sua vontade. Ele concordou - pensava exatamente da mesma forma. O jovem casal de amantes chorou lágrimas de verdade.

Havia escolhido casar-se com o amigo da escola. O melhor amigo, aquele que sabia de tudo. Conhecidos desde sempre, partilharam o primeiro, o segundo e todos os beijos, dividiram os detalhes sórdidos de cada transa. Um dia surgiu o desejo mútuo de participar da mesma cena, unir as forças malucas perdidas com um monte de pessoas erradas. Um dia se olharam e acharam que aquela era uma combinação interessante. Foi encantador; familiar; confortável; seguro; completo; onipresente. No outro dia também. No mês seguinte, a simbiose era evidente. Discutiam casamento e filhos deitados na grama, cobertos de nuvens. Sem demora o casamento aconteceu. Ele casou-se com outra. Anna nasceu logo depois, e enquanto ela mamava no peito  a esposa decidiu que estava na hora de encomendar Davi. 

É amor isso que está acontecendo conosco? Um dia se olharam e acharam que não havia mais  saída. Num ímpeto o pensamento alcançou outras pessoas - era hora de olharem em volta. Eu... Eu sei, eu também. Você... Não sei. Você? Sei lá. Fica mais um pouco? Até quando? Primeiro até amanhã. Depois a gente vê... Pipoca? Sorvete. Você... Amo, amo sim. Você... é, te amo também. Então por quê? Por um tanto de motivos, por nenhum - afinal quem precisa de um motivo nos dias de hoje? Será que amanhã isso vai passar? Talvez, pode ser. Me abraça bem forte, e aí pode ser que a gente não sinta mais tanto medo. Até amanhã? É, até amanhã. Depois a gente vê...

Punk

"Too smart for school, too stupid for work" - I just don't know where the fuck this will take me...

Punk

"Too smart for school, too stupid for work" - I just don't know where the fuck this will take me...

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

A casa das sete mulheres

Sem sombra de dúvida há dúvida em tudo que a gente faz. Depois de Matrix e do show de Truman, nem a certeza de viver do jeito que a gente acha que vive faz mais tanto sentido. Às vezes entro nuns transes tão intensos que fico pensando se sou uma ou duas ou várias pessoas se revezando pra banda tocar direito. Quando choro entendo que uma delas  faltou ao trabalho e sobrecarregou as demais. Até que ser várias é uma boa desculpa para meu fracasso sempre que tento construir alguma coisa.

A casa das sete mulheres

Sem sombra de dúvida há dúvida em tudo que a gente faz. Depois de Matrix e do show de Truman, nem a certeza de viver do jeito que a gente acha que vive faz mais tanto sentido. Às vezes entro nuns transes tão intensos que fico pensando se sou uma ou duas ou várias pessoas se revezando pra banda tocar direito. Quando choro entendo que uma delas  faltou ao trabalho e sobrecarregou as demais. Até que ser várias é uma boa desculpa para meu fracasso sempre que tento construir alguma coisa.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Encontro marcado

E aí,
tem um
cigarro?
Não,
mas
poderia
ter.
Poderia
fazer
você
fumar
outra
vez.
Posso
ser
o que
você
quiser,
dama
da
sociedade
ou
gata
de rua
é só
dizer.
Em
troca
você
me dá
o prazer
de
devolver-
te
o vício
e aí
só aí
você vai
poder
se entregar
ao querer
e viver
toda
uma vida
acreditando
que
a culpa
nunca
foi
sua.

Encontro marcado

E aí,
tem um
cigarro?
Não,
mas
poderia
ter.
Poderia
fazer
você
fumar
outra
vez.
Posso
ser
o que
você
quiser,
dama
da
sociedade
ou
gata
de rua
é só
dizer.
Em
troca
você
me dá
o prazer
de
devolver-
te
o vício
e aí
só aí
você vai
poder
se entregar
ao querer
e viver
toda
uma vida
acreditando
que
a culpa
nunca
foi
sua.

Light my fire

No dia em que eu disser foda-se, diga putaquipariu - só assim eu vou saber se achei o que estava procurando... Grite, xingue como nunca xingou antes, mas faça-o de forma geniosa, para que eu me cubra de deleite com a magia do seu emputecimento - deixe essas palavras todas fluírem em mim! Reclame que as coisas não são assim e serei sua for life, e nadarei de braços abertos pela sua masculinidade, e afagarei seus cabelos com calculada indiferença, até você me olhar com inocência e pedir mais. Diga merda, merda, fique indignado! Enquanto isso vou assistir a tudo com um sorriso ambíguo no rosto e um balde de pipoca do lado, pronta para o que vem depois.

Light my fire

No dia em que eu disser foda-se, diga putaquipariu - só assim eu vou saber se achei o que estava procurando... Grite, xingue como nunca xingou antes, mas faça-o de forma geniosa, para que eu me cubra de deleite com a magia do seu emputecimento - deixe essas palavras todas fluírem em mim! Reclame que as coisas não são assim e serei sua for life, e nadarei de braços abertos pela sua masculinidade, e afagarei seus cabelos com calculada indiferença, até você me olhar com inocência e pedir mais. Diga merda, merda, fique indignado! Enquanto isso vou assistir a tudo com um sorriso ambíguo no rosto e um balde de pipoca do lado, pronta para o que vem depois.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Antes da chuva

Ballet. Aulas de inglês. Rock'n'roll. Devaneios atemporais. Livros, livros, livros... Afinal, será que é assim que uma pessoa consegue ser plena? Perdendo-se alucinadamente em cada lojinha de doces? Abrindo a porta da sua cabeça e deixando todo mundo entrar? Que tal oferecer um pedaço seu na barganha? Você deixa a pessoa entrar e ainda dá uma surpresinha pra mantê-la ao menos... domesticada. Por que será que dói quando alguém cuja existência ainda não foi descoberta curte a sua festinha, leva a surpresa pra enfeitar a sala de estar e ainda fala mal do bolo e da decoração? Por que acreditar que o que não mata nos fortalece? Medo de ser fraco... de estar perdido e acabar no lugar errado. Já li receitas prontas, já conheci profissionais de sucesso, pessoas que se orgulham do que fazem e contam as calorias para alcançarem uma vida plena freneticamente. Pessoas que anotam cada centavo que sai da carteira compulsivamente, e assim equilibram suas contas. Pessoas que se acostumaram a sorrir e a comer comida fria porque é o que dá pra fazer. Pessoas que resolvem jogar tudo pra cima e começam de novo, e após o primeiro tropeço são tomadas pelo pavor e sonham com todas aquelas caras diárias sussurrando "eu avisei". Pessoas que nasceram sabendo o que queriam ser e tiveram sorte; pessoas que nasceram sabendo o que queriam ser e passaram a vida correndo na direção oposta por achar que não seria digno. O mundo está cheio de pessoas buscando coisas, sentimentos, outras pessoas. E cá entre nós, será que a cabeça aguenta se você parar? Era uma vez um enviado do Messias que durante anos preservou sua existência rogando pragas homéricas a quem quer que o ousasse tocar. Ele foi mantido preso em segredo e era temido por todos que o sabiam. Durante uma celebração no castelo, uma bela mulher enfeitiçou o rei com  sua dança e se ofereceu em troca da cabeça do traidor. O rei não pensou duas vezes e pediu ao carrasco para executá-lo. Em poucos minutos a cabeça circulava em uma bandeja, para delírio dos convidados. No dia seguinte, três discípulos chegaram ao castelo para buscá-la. Aceitaram resignados sua tarefa, e o conto termina dizendo que como o sol era quente e a cabeça era muito pesada, tiveram que se revezar várias vezes pelo caminho. Espera pela recompensa ou medo do castigo, o que diabos nos move? Esperei o semestre todo para poder andar de patins pela Praça do Papa, com medo de me machucar e não poder participar do festival de ballet. Já passou o festival e os patins continuam no armário. Ensaiei o semestre todo para poder tocar no final do ano. Faço o que tenho que fazer, mas ainda assim sempre conto com um milagre - não confio na capacidade trivial do ser humano. Sabe aquele tempo meu e seu, aquele tempo em que nós dois éramos células pulsantes em um organismo tão peculiar? Na verdade ele nunca existiu. Eu existo aqui e você existe lá. Jamais conseguiremos nos ajudar a escolher a estrada porque somos diferentes. Olho pra mim aqui, feita de tanta coisa, e te desejo boa sorte sem sequer saber quem de nós vai precisar mais. Da janela o céu tenta me dizer que deve ser isso mesmo, e me sorri sem censura antes da chuva cair.

Antes da chuva

Ballet. Aulas de inglês. Rock'n'roll. Devaneios atemporais. Livros, livros, livros... Afinal, será que é assim que uma pessoa consegue ser plena? Perdendo-se alucinadamente em cada lojinha de doces? Abrindo a porta da sua cabeça e deixando todo mundo entrar? Que tal oferecer um pedaço seu na barganha? Você deixa a pessoa entrar e ainda dá uma surpresinha pra mantê-la ao menos... domesticada. Por que será que dói quando alguém cuja existência ainda não foi descoberta curte a sua festinha, leva a surpresa pra enfeitar a sala de estar e ainda fala mal do bolo e da decoração? Por que acreditar que o que não mata nos fortalece? Medo de ser fraco... de estar perdido e acabar no lugar errado. Já li receitas prontas, já conheci profissionais de sucesso, pessoas que se orgulham do que fazem e contam as calorias para alcançarem uma vida plena freneticamente. Pessoas que anotam cada centavo que sai da carteira compulsivamente, e assim equilibram suas contas. Pessoas que se acostumaram a sorrir e a comer comida fria porque é o que dá pra fazer. Pessoas que resolvem jogar tudo pra cima e começam de novo, e após o primeiro tropeço são tomadas pelo pavor e sonham com todas aquelas caras diárias sussurrando "eu avisei". Pessoas que nasceram sabendo o que queriam ser e tiveram sorte; pessoas que nasceram sabendo o que queriam ser e passaram a vida correndo na direção oposta por achar que não seria digno. O mundo está cheio de pessoas buscando coisas, sentimentos, outras pessoas. E cá entre nós, será que a cabeça aguenta se você parar? Era uma vez um enviado do Messias que durante anos preservou sua existência rogando pragas homéricas a quem quer que o ousasse tocar. Ele foi mantido preso em segredo e era temido por todos que o sabiam. Durante uma celebração no castelo, uma bela mulher enfeitiçou o rei com  sua dança e se ofereceu em troca da cabeça do traidor. O rei não pensou duas vezes e pediu ao carrasco para executá-lo. Em poucos minutos a cabeça circulava em uma bandeja, para delírio dos convidados. No dia seguinte, três discípulos chegaram ao castelo para buscá-la. Aceitaram resignados sua tarefa, e o conto termina dizendo que como o sol era quente e a cabeça era muito pesada, tiveram que se revezar várias vezes pelo caminho. Espera pela recompensa ou medo do castigo, o que diabos nos move? Esperei o semestre todo para poder andar de patins pela Praça do Papa, com medo de me machucar e não poder participar do festival de ballet. Já passou o festival e os patins continuam no armário. Ensaiei o semestre todo para poder tocar no final do ano. Faço o que tenho que fazer, mas ainda assim sempre conto com um milagre - não confio na capacidade trivial do ser humano. Sabe aquele tempo meu e seu, aquele tempo em que nós dois éramos células pulsantes em um organismo tão peculiar? Na verdade ele nunca existiu. Eu existo aqui e você existe lá. Jamais conseguiremos nos ajudar a escolher a estrada porque somos diferentes. Olho pra mim aqui, feita de tanta coisa, e te desejo boa sorte sem sequer saber quem de nós vai precisar mais. Da janela o céu tenta me dizer que deve ser isso mesmo, e me sorri sem censura antes da chuva cair.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Weary bits

At the end of the day
you turn to me and say
we should slow down a bit
and I believe you.
When morning comes
I beg like a bum
for the most ordinary treat
though I never mean to!
Meanwhile
I live in denial;
pretend to admit
 and wait for the truth...

Weary bits

At the end of the day
you turn to me and say
we should slow down a bit
and I believe you.
When morning comes
I beg like a bum
for the most ordinary treat
though I never mean to!
Meanwhile
I live in denial;
pretend to admit
 and wait for the truth...

domingo, 28 de novembro de 2010

Papai Noel

Eu achava que você era um cara legal. Sério. Via em você a concepção do sujeito bom, que de peito aberto encarava os leões, cobras e lagartos espalhados pelo seu dia. Aos vinte e tantos anos encontrou-se às voltas com seu destino - pediu duas cervejas e teve com ele uma longa conversa de pai para filho. Desapontou-se com a descoberta de que o pai era mesmo você, não havia dúvidas. Tomou então uma decisão importante, que mudaria o curso de tudo: abdicou do conforto mundano para ouvir sua essência. Era hora de exercer o dom de ajudar - hora de salvar o mundo...
Se a gente parar por aqui, há duas interpretações importantes:
1) Sua ingenuidade chega a ser bonita;
2) Não importa quão maltraçado seu caminho estiver, não importa em que momento você se perdeu - tudo é uma questão de palavra, e palavra não volta atrás.
Esses dias estava dirigindo pela cidade e me surpreendi com a quantidade de cores novas e interessantes dos carros de agora. Comentei com meu marido e ele calmamente me pediu que tirasse os óculos escuros. Senti um frio na barriga ao perceber que as cores eram as mesmas de sempre, sem brilho especial ou novidade alguma. Achei que você era um cara legal, mas tive que tirar os óculos por um breve instante. Mesmo que isso não te interesse, agora não acho mais.

Papai Noel

Eu achava que você era um cara legal. Sério. Via em você a concepção do sujeito bom, que de peito aberto encarava os leões, cobras e lagartos espalhados pelo seu dia. Aos vinte e tantos anos encontrou-se às voltas com seu destino - pediu duas cervejas e teve com ele uma longa conversa de pai para filho. Desapontou-se com a descoberta de que o pai era mesmo você, não havia dúvidas. Tomou então uma decisão importante, que mudaria o curso de tudo: abdicou do conforto mundano para ouvir sua essência. Era hora de exercer o dom de ajudar - hora de salvar o mundo...
Se a gente parar por aqui, há duas interpretações importantes:
1) Sua ingenuidade chega a ser bonita;
2) Não importa quão maltraçado seu caminho estiver, não importa em que momento você se perdeu - tudo é uma questão de palavra, e palavra não volta atrás.
Esses dias estava dirigindo pela cidade e me surpreendi com a quantidade de cores novas e interessantes dos carros de agora. Comentei com meu marido e ele calmamente me pediu que tirasse os óculos escuros. Senti um frio na barriga ao perceber que as cores eram as mesmas de sempre, sem brilho especial ou novidade alguma. Achei que você era um cara legal, mas tive que tirar os óculos por um breve instante. Mesmo que isso não te interesse, agora não acho mais.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Casual

Seis da tarde;
dia quente.
A claraboia
pinta o céu
ao nosso alcance.
Sombras finas
se enfumaçam
tomam forma
se transformam
com ternura
incandescente
reacendem
o azul aparente
o torpor de antes.
O verbo vira
exclamação!
a última canção
chama pelo sol
poente
as nuvens se movem
vestem as cores
da noite
gatos pardos
desfilam orgulho
pelos telhados
e a novidade,
velha de repente,
vai-se por onde veio
esvai-se na penumbra
de um dia cheio,
sem pudor
amor
ou outra chance.

Casual

Seis da tarde;
dia quente.
A claraboia
pinta o céu
ao nosso alcance.
Sombras finas
se enfumaçam
tomam forma
se transformam
com ternura
incandescente
reacendem
o azul aparente
o torpor de antes.
O verbo vira
exclamação!
a última canção
chama pelo sol
poente
as nuvens se movem
vestem as cores
da noite
gatos pardos
desfilam orgulho
pelos telhados
e a novidade,
velha de repente,
vai-se por onde veio
esvai-se na penumbra
de um dia cheio,
sem pudor
amor
ou outra chance.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Sol da meia-noite

Queria saber falar de amor!
Uai, mas você não sabe?
Ah, queria fazer muito mais... Transformar cidades inteiras em raios de sol, secar a água de todos os olhos com um sorriso, transformar a mágoa do dia-a-dia em fome e sede de verdade!...
Mas então esse tal de amor não tem nada de bento, não: isso aí que você falou é a cara do sertão da Paraíba. Mora lá um mês e você vai ver o que é raio de sol, seca, fome e sede de verdade no dia-a-dia. Bobagem essa de amor; só me faltava essa! Depois perguntam por que é que amor não traz felicidade... Humpf, coisa de gente doida... Trabalha, minha filha - trabalha muito que passa.

Sol da meia-noite

Queria saber falar de amor!
Uai, mas você não sabe?
Ah, queria fazer muito mais... Transformar cidades inteiras em raios de sol, secar a água de todos os olhos com um sorriso, transformar a mágoa do dia-a-dia em fome e sede de verdade!...
Mas então esse tal de amor não tem nada de bento, não: isso aí que você falou é a cara do sertão da Paraíba. Mora lá um mês e você vai ver o que é raio de sol, seca, fome e sede de verdade no dia-a-dia. Bobagem essa de amor; só me faltava essa! Depois perguntam por que é que amor não traz felicidade... Humpf, coisa de gente doida... Trabalha, minha filha - trabalha muito que passa.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Ele e eu

No feriado de 15 de novembro visitei a cidade de minha mãe, por onde não passava havia muito. O vento tinha cor de nostalgia; a chuva tinha cheiro de casa. E eu, que quero morar em qualquer cidade por onde passo, quis fazer fogueira também ali. Quis, quis... e vi um par de olhinhos azuis-verdes me olhando preocupado. Entendi que agora somos dois. Um papel e duas assinaturas, dois alvarás de fuga em busca de uma vida menos ordinária. Escolhi quem eu mais amava para juntar-se a mim no ficar ou fugir - por coincidência era justamente a pessoa que me amava mais. E de repente era assim. Decidi incluí-lo no meu mundo e o trouxe comigo. Dirigi por todo o caminho, contei histórias, levei-o até meus antigos bancos de praça. Juntos permanecemos, sentados em frente à escola, abraçados um ao outro como se o mundo pudesse acabar ali mesmo, ou começar naquele instante. Fechamos os olhos e revivemos os oito anos da nossa história, e pensamos que cada pedacinho dela fazia sentido. Concluímos que para viver o amor plenamente, é preciso abrir todas as portas sem medo e esperar por um sorriso antes de darmos as mãos e escolhermos um só caminho. Às dez da noite de um dia cheio, não há nada melhor que fazer as pazes debaixo das cobertas, mesmo que amanhã tenha seu quê de complicado. O que dizer de uma  noite de chuva em casa, dividindo calma com meu marido enquanto ouço Velvet Underground? Que Deus deve me proteger mais do que protege os outros. Tenho muita sorte.

Ele e eu

No feriado de 15 de novembro visitei a cidade de minha mãe, por onde não passava havia muito. O vento tinha cor de nostalgia; a chuva tinha cheiro de casa. E eu, que quero morar em qualquer cidade por onde passo, quis fazer fogueira também ali. Quis, quis... e vi um par de olhinhos azuis-verdes me olhando preocupado. Entendi que agora somos dois. Um papel e duas assinaturas, dois alvarás de fuga em busca de uma vida menos ordinária. Escolhi quem eu mais amava para juntar-se a mim no ficar ou fugir - por coincidência era justamente a pessoa que me amava mais. E de repente era assim. Decidi incluí-lo no meu mundo e o trouxe comigo. Dirigi por todo o caminho, contei histórias, levei-o até meus antigos bancos de praça. Juntos permanecemos, sentados em frente à escola, abraçados um ao outro como se o mundo pudesse acabar ali mesmo, ou começar naquele instante. Fechamos os olhos e revivemos os oito anos da nossa história, e pensamos que cada pedacinho dela fazia sentido. Concluímos que para viver o amor plenamente, é preciso abrir todas as portas sem medo e esperar por um sorriso antes de darmos as mãos e escolhermos um só caminho. Às dez da noite de um dia cheio, não há nada melhor que fazer as pazes debaixo das cobertas, mesmo que amanhã tenha seu quê de complicado. O que dizer de uma  noite de chuva em casa, dividindo calma com meu marido enquanto ouço Velvet Underground? Que Deus deve me proteger mais do que protege os outros. Tenho muita sorte.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Listen (unknown author)

"I ask no more for kisses, my dear.
But have you no words for me?
Echoes only am I to hear,
Of whispered reveries?
Desires that so remain un-uttered,
Scream with violence,
As, speechless,
I quietly
Listen to your silence."

Listen (unknown author)

"I ask no more for kisses, my dear.
But have you no words for me?
Echoes only am I to hear,
Of whispered reveries?
Desires that so remain un-uttered,
Scream with violence,
As, speechless,
I quietly
Listen to your silence."

Rehab

Por que é que em cima da minha cabeça está sempre nublado? Por que é que a todo tempo penso em correr rumo a um portão que está fechado? Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa -  para mim nada pode ser mais complicado. Que coisa!... Insisto tanto que as pessoas têm que se achar, mas nado de braçada em meio a quês, por quês e mas sem querer (ou saber) explicar. Será que isso é medo de  abrir a porta e encontrar ou medo de não ter mais o que procurar? Medo de que o amor não passe de um buquê de curiosidades, jogado para o alto ao som da primeira promessa, da primeira dívida. Medo de que a paixão se torne um maço de cigarros largado no bolso da calça batida - um mal-estar obrigatório, uma necessidade de sugar os dias com calma e desgosto, um após o outro, para a qualquer momento tocar fogo no mundo como um dragão furioso. Já fumei muitos cigarros vendo a vida passar da janela do quarto, do carro, do ônibus, da minha imaginação. Esperava pela vida com leveza e posso até dizer que com certa emoção. Agora eu leio, escrevo, leciono, tento até mesmo ocupar meu sono; perco-me de tal forma que não consigo acreditar que vale a pena voltar a ver.  Queria caber dentro de um poema, e acabei prisioneira do meu próprio padecer. Meu Deus, num mundo feito de mentira e verdade, por que diabos há tanta possibilidade? O calor de uma lembrança faz meu corpo inteiro amolecer sem piedade. Começo a andar e me desfaço em um milhão de fragmentos espalhados pelo ar, pela rua, a céu aberto. Quero estar mais perto, mas a estrada é tortuosa e a alegria é confusa, sempre contrária ao meu pensamento. Penso, penso e nunca entendo! Anseio por sentir o sol forte atravessando minha pele fina, perfurando minhas carnes com doçura até o cerne de todo o entendimento... e lá vem você arrastando os chinelos, trazendo um vidro de filtro solar. Corro, tento escapar, pulo de ponta em uma piscina de expectativas e espero que a sorte venha me buscar. Da beirada você me olha com pena e me estende a mão. Estou exausta,  faminta, sem forças sequer para dizer não. Assumo ser um ser sem cabimento  ou qualquer chance de recuperação;  no mundo de quem vive cansado, uma simples trégua é sinônimo de solução.

Rehab

Por que é que em cima da minha cabeça está sempre nublado? Por que é que a todo tempo penso em correr rumo a um portão que está fechado? Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa -  para mim nada pode ser mais complicado. Que coisa!... Insisto tanto que as pessoas têm que se achar, mas nado de braçada em meio a quês, por quês e mas sem querer (ou saber) explicar. Será que isso é medo de  abrir a porta e encontrar ou medo de não ter mais o que procurar? Medo de que o amor não passe de um buquê de curiosidades, jogado para o alto ao som da primeira promessa, da primeira dívida. Medo de que a paixão se torne um maço de cigarros largado no bolso da calça batida - um mal-estar obrigatório, uma necessidade de sugar os dias com calma e desgosto, um após o outro, para a qualquer momento tocar fogo no mundo como um dragão furioso. Já fumei muitos cigarros vendo a vida passar da janela do quarto, do carro, do ônibus, da minha imaginação. Esperava pela vida com leveza e posso até dizer que com certa emoção. Agora eu leio, escrevo, leciono, tento até mesmo ocupar meu sono; perco-me de tal forma que não consigo acreditar que vale a pena voltar a ver.  Queria caber dentro de um poema, e acabei prisioneira do meu próprio padecer. Meu Deus, num mundo feito de mentira e verdade, por que diabos há tanta possibilidade? O calor de uma lembrança faz meu corpo inteiro amolecer sem piedade. Começo a andar e me desfaço em um milhão de fragmentos espalhados pelo ar, pela rua, a céu aberto. Quero estar mais perto, mas a estrada é tortuosa e a alegria é confusa, sempre contrária ao meu pensamento. Penso, penso e nunca entendo! Anseio por sentir o sol forte atravessando minha pele fina, perfurando minhas carnes com doçura até o cerne de todo o entendimento... e lá vem você arrastando os chinelos, trazendo um vidro de filtro solar. Corro, tento escapar, pulo de ponta em uma piscina de expectativas e espero que a sorte venha me buscar. Da beirada você me olha com pena e me estende a mão. Estou exausta,  faminta, sem forças sequer para dizer não. Assumo ser um ser sem cabimento  ou qualquer chance de recuperação;  no mundo de quem vive cansado, uma simples trégua é sinônimo de solução.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Everlasting

I have a dream.
In my dream
your eyes smile to me
somewhere close to the sea
In my dream
there's no concern
about what we did or didn't learn.
In my dream
everyone is heard
and nobody ever gets hurt
In my dream
we don't hide
because love is on our side
In my dream
you never cry
for God knows how hard you try
In my dream
we are never scared
of this shitty society who wants us dead
In my dream
there comes daytime:
I must get up, brush my teeth and face life.
It's so desperately different
from a dream!
Jesus definitely don't want me for a sunbeam;
well, maybe God does...

Everlasting

I have a dream.
In my dream
your eyes smile to me
somewhere close to the sea
In my dream
there's no concern
about what we did or didn't learn.
In my dream
everyone is heard
and nobody ever gets hurt
In my dream
we don't hide
because love is on our side
In my dream
you never cry
for God knows how hard you try
In my dream
we are never scared
of this shitty society who wants us dead
In my dream
there comes daytime:
I must get up, brush my teeth and face life.
It's so desperately different
from a dream!
Jesus definitely don't want me for a sunbeam;
well, maybe God does...

sábado, 13 de novembro de 2010

SELTAEB

Reading minds is a gift;
thinking is smart.
Knowing what you want
on the other hand
is a piece of fine art...

Use as many languages you wish to say I do
when it turns out to be the right thing to say;
but make sure you never need to hide
your name, your love, yourself away...

SELTAEB

Reading minds is a gift;
thinking is smart.
Knowing what you want
on the other hand
is a piece of fine art...

Use as many languages you wish to say I do
when it turns out to be the right thing to say;
but make sure you never need to hide
your name, your love, yourself away...

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

A lenda do cavaleiro andante

Mais do que às vezes a gente procura sarna pra se coçar, loucura pra se apegar, e consequentemente promessa pra pagar. Pra não admitir que é, a gente fala que está, e paga pra ver o circo pegar fogo. Uma amiga me disse certa vez que não era gay; estava gay. Tem uns dez anos que dura essa fase. Todo mundo anda tão liberal, tudo é tão relativo que qualquer coisa que você entender é culpa sua, no matter what. Entendeu? Percebeu? Sim? Não? De qualquer maneira você se fodeu. Bom, ruim, estranho, você acha, o outro pratica... A moda agora é usar frases esparsas. Acho que não consigo dizer que te amo, mas não importa: eu admito, te amo - desculpe. Uau, que efeito! Te diz alguma coisa? Ainda não cheguei no ápice cult de achar aqui um quê de alguém disse algo. Aliás, não acho nada - mas aprecio a intenção e o gasto de energia. Nada contra o uó-modernismo, apenas tenho estado... digamos... mais prática. E por falar em estar, tenho achado que muita gente anda a colocar a culpa dos lapsos de compreensão no estou assim. Todos nós conhecemos algum  membro da comunidade que está alcoólatra porque a vida está muito boa ou uma verdadeira merda. A cidade está povoada pelos sujeitos que estão maconheiros porque a vida é um barato, mas sabem que aos 58 é capaz de a coisa mudar um pouquinho. Há ainda aqueles que têm a plena convicção de estarem infiéis, porque a sabedoria popular garante que para apimentar a relação, nada como uma pimentinha alheia. E o eu sou, cadê? A gente tem tantos estágios temporários que em um certo ponto da estrada, perdemos aquele crachá escrito "você". Procuramos na gaveta, debaixo da cama, dentro do carro, da bolsa; procuramos nosso coração como quem procura uma chave; tatuamos palavras de outros e deixamos as nossas para trás. Você precisa de amor, mas não se compromete, não se relaciona, não se doa. Você tem necessidade de uma vida sem que ao menos pare o que está fazendo e construa! Você se olha no espelho e enxerga tudo o mais, e pensa que ninguém sabe o quanto se perdeu. Você bate forte na mesa e se pergunta: mas afinal, o que é que nós somos? Eu  me atrevo e te respondo: somos aquela argila grosseira e barrenta que serve de matéria para os nossos sonhos.

A lenda do cavaleiro andante

Mais do que às vezes a gente procura sarna pra se coçar, loucura pra se apegar, e consequentemente promessa pra pagar. Pra não admitir que é, a gente fala que está, e paga pra ver o circo pegar fogo. Uma amiga me disse certa vez que não era gay; estava gay. Tem uns dez anos que dura essa fase. Todo mundo anda tão liberal, tudo é tão relativo que qualquer coisa que você entender é culpa sua, no matter what. Entendeu? Percebeu? Sim? Não? De qualquer maneira você se fodeu. Bom, ruim, estranho, você acha, o outro pratica... A moda agora é usar frases esparsas. Acho que não consigo dizer que te amo, mas não importa: eu admito, te amo - desculpe. Uau, que efeito! Te diz alguma coisa? Ainda não cheguei no ápice cult de achar aqui um quê de alguém disse algo. Aliás, não acho nada - mas aprecio a intenção e o gasto de energia. Nada contra o uó-modernismo, apenas tenho estado... digamos... mais prática. E por falar em estar, tenho achado que muita gente anda a colocar a culpa dos lapsos de compreensão no estou assim. Todos nós conhecemos algum  membro da comunidade que está alcoólatra porque a vida está muito boa ou uma verdadeira merda. A cidade está povoada pelos sujeitos que estão maconheiros porque a vida é um barato, mas sabem que aos 58 é capaz de a coisa mudar um pouquinho. Há ainda aqueles que têm a plena convicção de estarem infiéis, porque a sabedoria popular garante que para apimentar a relação, nada como uma pimentinha alheia. E o eu sou, cadê? A gente tem tantos estágios temporários que em um certo ponto da estrada, perdemos aquele crachá escrito "você". Procuramos na gaveta, debaixo da cama, dentro do carro, da bolsa; procuramos nosso coração como quem procura uma chave; tatuamos palavras de outros e deixamos as nossas para trás. Você precisa de amor, mas não se compromete, não se relaciona, não se doa. Você tem necessidade de uma vida sem que ao menos pare o que está fazendo e construa! Você se olha no espelho e enxerga tudo o mais, e pensa que ninguém sabe o quanto se perdeu. Você bate forte na mesa e se pergunta: mas afinal, o que é que nós somos? Eu  me atrevo e te respondo: somos aquela argila grosseira e barrenta que serve de matéria para os nossos sonhos.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

O pé de estrela

... mesmo assim ela foi. Queria ver com os próprios olhos. Carregava aquela esperança digna de ser transformada em algo verdadeiro, como num passe de mágica. Com uma olhadela alcançou as horas, e lembro de ter pensado alto que aquele calor todo não combinava com a ocasião. Quis montar em sua bicicleta velha e sair pelo mundo, mas a bicicleta não existia mais, e as ruas eram agora muito menores e mais estreitas que naquele tempo. Sua cabeça doía de culpa, e só ela sabia por quê. Pensava em Tiana. Burra, como era burra! Como pode você ser tão burra assim, meu Deus? Chorou sem querer, e se zangou com o fato de que  aquela dor não passaria... 

Tiana era analfabeta e havia crescido numa fazenda. Aos seis anos foi trabalhar em casa de meus avós, junto com a mãe. Fazia de tudo, e logo logo anunciou que poderia cuidar da casa sozinha. Anos depois viemos a saber que Tiana havia assumido toda a responsabilidade da casa para que a mãe voltasse aos dias de pinga e solidão na roça - não queria que os patrões a vissem embriagada dia e noite com cachaça emprestada. Era boa demais, tão humilde que dava raiva, aflição. Tudo estava certo, tudo era justo. Coitada da Tiana, era o que todo mundo se dizia, o que todo mundo pensava quando ela surgia. Ela só sorria. Um belo dia, trouxe uma amiga da capital para passar férias. Ruiva, olhos claros, sorriso brilhante. Até eu acreditaria no que ela dizia, bela e travessa bonequinha russa. Logo se interessou por Tiana, e já no primeiro dia afeiçoou-se a ela. Contava suas peripécias, fazia-a rir como criança. Tiana um dia perguntou emocionada se ela era um anjo do céu.  Você já foi ao céu, Tiana? Tiana corou. Uai, mas não tem jeito, não, tem? Como não tem? É claro que tem! É só plantar um pé de estrela... Tiana olhava curiosa para aquele anjo e pensava que ele estava lá pra mostrar o caminho das cores e das crianças. Meio ressabiada, perguntou como se plantava esse tal pé de estrela. Muito fácil: todos os dias, antes de dormir, faça uma oração e pegue uma estrela do céu com a mão. Coloque-a na terra e regue com água pura. Quando você plantar a milésima estrela, feche os olhos e aperte-os com força por alguns segundos. Ao abrir os olhos, o pé de estrela vai aparecer na sua frente. Suba no lugar mais próximo do topo e agarre-se a ele com toda força. Daí para o céu é um pulo. Os olhos de Tiana brilhavam, ela não conseguia dizer nem essa nem aquela palavra. Desmente isso aí, Usha - Dores é terra de gente que acredita. Não liga pra ela, Tiana - é uma boba. Puxei-a pelo braço.Tiana riu-se e foi cuidar do serviço. 

Mil noites depois, lá estava ela. Dos cabelos saíam estrelas; dos olhos claros pingava  água pura. Tiana havia pulado do último andar do prédio mais alto que nem era tão alto assim; sendo velhinha, não resistiu aos ferimentos. O sol brilhava forte como num dia de carnaval. Te amo, Tiana. Te amo, sua velha boba. Corria em direção à casa e esperava que chovesse. Esperava que a água fria lhe lavasse a alma. Esperava que Tiana a olhasse com ternura e lhe sorrisse com a timidez de quem nunca soube como seria mais bonito. Fechou os olhos, apertou-os com força e esperou ver Tiana lá em cima do pé de estrela, subindo aos céus dentro da mão de Deus, enquanto a multidão incrédula  acreditava presenciar um milagre. Por mil outras noites ela plantou estrelas e, com a fé de quem fica, esperou. Tiana não abriu os olhos e a chuva não caiu.

O pé de estrela

... mesmo assim ela foi. Queria ver com os próprios olhos. Carregava aquela esperança digna de ser transformada em algo verdadeiro, como num passe de mágica. Com uma olhadela alcançou as horas, e lembro de ter pensado alto que aquele calor todo não combinava com a ocasião. Quis montar em sua bicicleta velha e sair pelo mundo, mas a bicicleta não existia mais, e as ruas eram agora muito menores e mais estreitas que naquele tempo. Sua cabeça doía de culpa, e só ela sabia por quê. Pensava em Tiana. Burra, como era burra! Como pode você ser tão burra assim, meu Deus? Chorou sem querer, e se zangou com o fato de que  aquela dor não passaria... 

Tiana era analfabeta e havia crescido numa fazenda. Aos seis anos foi trabalhar em casa de meus avós, junto com a mãe. Fazia de tudo, e logo logo anunciou que poderia cuidar da casa sozinha. Anos depois viemos a saber que Tiana havia assumido toda a responsabilidade da casa para que a mãe voltasse aos dias de pinga e solidão na roça - não queria que os patrões a vissem embriagada dia e noite com cachaça emprestada. Era boa demais, tão humilde que dava raiva, aflição. Tudo estava certo, tudo era justo. Coitada da Tiana, era o que todo mundo se dizia, o que todo mundo pensava quando ela surgia. Ela só sorria. Um belo dia, trouxe uma amiga da capital para passar férias. Ruiva, olhos claros, sorriso brilhante. Até eu acreditaria no que ela dizia, bela e travessa bonequinha russa. Logo se interessou por Tiana, e já no primeiro dia afeiçoou-se a ela. Contava suas peripécias, fazia-a rir como criança. Tiana um dia perguntou emocionada se ela era um anjo do céu.  Você já foi ao céu, Tiana? Tiana corou. Uai, mas não tem jeito, não, tem? Como não tem? É claro que tem! É só plantar um pé de estrela... Tiana olhava curiosa para aquele anjo e pensava que ele estava lá pra mostrar o caminho das cores e das crianças. Meio ressabiada, perguntou como se plantava esse tal pé de estrela. Muito fácil: todos os dias, antes de dormir, faça uma oração e pegue uma estrela do céu com a mão. Coloque-a na terra e regue com água pura. Quando você plantar a milésima estrela, feche os olhos e aperte-os com força por alguns segundos. Ao abrir os olhos, o pé de estrela vai aparecer na sua frente. Suba no lugar mais próximo do topo e agarre-se a ele com toda força. Daí para o céu é um pulo. Os olhos de Tiana brilhavam, ela não conseguia dizer nem essa nem aquela palavra. Desmente isso aí, Usha - Dores é terra de gente que acredita. Não liga pra ela, Tiana - é uma boba. Puxei-a pelo braço.Tiana riu-se e foi cuidar do serviço. 

Mil noites depois, lá estava ela. Dos cabelos saíam estrelas; dos olhos claros pingava  água pura. Tiana havia pulado do último andar do prédio mais alto que nem era tão alto assim; sendo velhinha, não resistiu aos ferimentos. O sol brilhava forte como num dia de carnaval. Te amo, Tiana. Te amo, sua velha boba. Corria em direção à casa e esperava que chovesse. Esperava que a água fria lhe lavasse a alma. Esperava que Tiana a olhasse com ternura e lhe sorrisse com a timidez de quem nunca soube como seria mais bonito. Fechou os olhos, apertou-os com força e esperou ver Tiana lá em cima do pé de estrela, subindo aos céus dentro da mão de Deus, enquanto a multidão incrédula  acreditava presenciar um milagre. Por mil outras noites ela plantou estrelas e, com a fé de quem fica, esperou. Tiana não abriu os olhos e a chuva não caiu.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Éramos três

Éramos três e caminhávamos aflitas por uma estrada desconhecida. Eram quatro e vinte da tarde e o sol já não brilhava mais. Era um dia bege sem nuvens, e eu atravessava preocupada todas as conjugações do verbo ser sem saber se era ou se estava. Esperava por alguém que pudesse me salvar de mim mesma. Éramos três - eu, a dor e a consciência - e tentávamos em vão chegar a algum lugar sem que soubéssemos o endereço. Acreditávamos no rumo impenetrável dos destinos. A dor gerava energia; a consciência gerava dor. Caminhamos assim por um bom tempo, caladas, dependentes, unidas pela necessidade de um foco. Sentei-me em um velho banco de praça, tão empoeirado quanto velhos amigos e doces lembranças. A dor não quis sentar-se.  Fiz um grande esforço e sorri - ela não resistiu e se foi, ofendida. Peguei a consciência pela mão. Estava fria, trêmula; tinha medo do que viria depois. Com calma, consegui convencê-la a produzir outra coisa que não o erro, impregnado de náusea e pecado, tristeza e julgamento. Inicialmente ela fechou os olhos, descrente, como um pai de família que perde o emprego após trinta anos de serviços prestados e não acha que pode fazer outra coisa. Dei-lhe força, e disse-lhe com todas as letras que cada um de nós poderia ser o que quisesse. Só então, meio sem como ou por quê, percebi que acreditava naquela frase. Minha amiga sorriu e cedeu-me o colo. Com suas mãos suaves afagou-me os cabelos. Começou a me explicar que esse era um exercício diário... A noite caiu e me cobriu com seu manto de estrelas; adormeci  sem saber como terminava o conselho.

Éramos três

Éramos três e caminhávamos aflitas por uma estrada desconhecida. Eram quatro e vinte da tarde e o sol já não brilhava mais. Era um dia bege sem nuvens, e eu atravessava preocupada todas as conjugações do verbo ser sem saber se era ou se estava. Esperava por alguém que pudesse me salvar de mim mesma. Éramos três - eu, a dor e a consciência - e tentávamos em vão chegar a algum lugar sem que soubéssemos o endereço. Acreditávamos no rumo impenetrável dos destinos. A dor gerava energia; a consciência gerava dor. Caminhamos assim por um bom tempo, caladas, dependentes, unidas pela necessidade de um foco. Sentei-me em um velho banco de praça, tão empoeirado quanto velhos amigos e doces lembranças. A dor não quis sentar-se.  Fiz um grande esforço e sorri - ela não resistiu e se foi, ofendida. Peguei a consciência pela mão. Estava fria, trêmula; tinha medo do que viria depois. Com calma, consegui convencê-la a produzir outra coisa que não o erro, impregnado de náusea e pecado, tristeza e julgamento. Inicialmente ela fechou os olhos, descrente, como um pai de família que perde o emprego após trinta anos de serviços prestados e não acha que pode fazer outra coisa. Dei-lhe força, e disse-lhe com todas as letras que cada um de nós poderia ser o que quisesse. Só então, meio sem como ou por quê, percebi que acreditava naquela frase. Minha amiga sorriu e cedeu-me o colo. Com suas mãos suaves afagou-me os cabelos. Começou a me explicar que esse era um exercício diário... A noite caiu e me cobriu com seu manto de estrelas; adormeci  sem saber como terminava o conselho.

domingo, 7 de novembro de 2010

Every time I think

Another day comes and I'm still in bed. I beg and I pray and I moan before opening my eyes. Once I'm awake, life starts happening and I can't stop thinking. What else? What if...? What the f...? I'm quite often upset by a number of little things. Suspicious. Annoyed. Sad or alone? Lonely. Careless, hopeless, misunderstood; usually mistaken for somebody else: people I don't like, people I don't know. I try to give what people want to take and I cry because it's never enough. At the end of the day I don't even know what I mean anymore. When I fall asleep, my soul flies away and looks for a place I could feel at ease. When I wake up I realise it's too far from here and I'm just too badly paid! Every time I think I can, there comes another day...

Every time I think

Another day comes and I'm still in bed. I beg and I pray and I moan before opening my eyes. Once I'm awake, life starts happening and I can't stop thinking. What else? What if...? What the f...? I'm quite often upset by a number of little things. Suspicious. Annoyed. Sad or alone? Lonely. Careless, hopeless, misunderstood; usually mistaken for somebody else: people I don't like, people I don't know. I try to give what people want to take and I cry because it's never enough. At the end of the day I don't even know what I mean anymore. When I fall asleep, my soul flies away and looks for a place I could feel at ease. When I wake up I realise it's too far from here and I'm just too badly paid! Every time I think I can, there comes another day...

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Procrastinator

Will it make any difference if I say I love you?
Will it be a cliché if you feel it too?
Will we ever stop tricking our minds?
Will we run against time when it's tarde demais?
Will I insist on pretending I'm blind
while you insist on believing in nevermind?
Will time grab us both by the arm
and beg us to cut the crap, the charm
and this and that and everything?
Will we ever allow our hearts to sing?
If you know what I mean
If you see what I've seen
You will stay where you are
for in books and dreams
love comes with suspense
but my blood flows in streams
where our truth is romance
and shall never be this far...
Will we ever hear what people say
and start thinking that tomorrow comes today?
Perhaps one deep blue day, dancing barefoot, à beira do mar...

Procrastinator

Will it make any difference if I say I love you?
Will it be a cliché if you feel it too?
Will we ever stop tricking our minds?
Will we run against time when it's tarde demais?
Will I insist on pretending I'm blind
while you insist on believing in nevermind?
Will time grab us both by the arm
and beg us to cut the crap, the charm
and this and that and everything?
Will we ever allow our hearts to sing?
If you know what I mean
If you see what I've seen
You will stay where you are
for in books and dreams
love comes with suspense
but my blood flows in streams
where our truth is romance
and shall never be this far...
Will we ever hear what people say
and start thinking that tomorrow comes today?
Perhaps one deep blue day, dancing barefoot, à beira do mar...

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Finados

http://www.youtube.com/watch?v=haUM0svQWWs


Cupid, draw back your bow
and let your arrow flow
Straight to my lover's heart for me
Nobody but me
Cupid, please hear my cry
and let your arrow fly
straight to my lover's heart for me


Listen I don't want to bother you but I'm in distress
There's danger of me losing all of my happiness
I love a man who doesn't know I exist
And this you can fix, soooo...


Cupid, draw back your bow
and let your arrow flow
straight to my lover's heart for me
Nobody but me
Cupid, please hear my cry
and let your arrow fly
Straight to my lover's heart for me


Now if your arrow makes his love strong for me
I swear I'm gonna love him 'til eternity
I know between the both of us, his heart we can steal
Cupid help me if you will!


So Cupid, draw back your bow
and let your arrow flow
straight to my lover's heart for me
Nobody but me
Cupid, please hear my cry
and let your arrow fly
straight to my lover's heart for me...

Finados

http://www.youtube.com/watch?v=haUM0svQWWs


Cupid, draw back your bow
and let your arrow flow
Straight to my lover's heart for me
Nobody but me
Cupid, please hear my cry
and let your arrow fly
straight to my lover's heart for me


Listen I don't want to bother you but I'm in distress
There's danger of me losing all of my happiness
I love a man who doesn't know I exist
And this you can fix, soooo...


Cupid, draw back your bow
and let your arrow flow
straight to my lover's heart for me
Nobody but me
Cupid, please hear my cry
and let your arrow fly
Straight to my lover's heart for me


Now if your arrow makes his love strong for me
I swear I'm gonna love him 'til eternity
I know between the both of us, his heart we can steal
Cupid help me if you will!


So Cupid, draw back your bow
and let your arrow flow
straight to my lover's heart for me
Nobody but me
Cupid, please hear my cry
and let your arrow fly
straight to my lover's heart for me...