quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Top 30

Isso... agora olha pra cá. Vira a cabeça devagar. Vai virando... calma... excelente! Faz uma coisa bem doida aí - você é bailarina ou não é? Então? Faz tipo uma pirueta. Já sei! Faz uma abertura. Se vira aí, minha filha, faz alguma coisa bem interessante porque você é a última. Vai fechar com chave de ouro, hein? O sapato você arruma um seu mesmo, pode ser preto, qualquer um. Uma meia preta, viu? Traz também uma meia preta bem preta que aí não tem erro. Agora no seu cabelo... seu cabelo tá curto, né? Uai... vamo colocar ele pra cima então, bem pra cima, cheio de ponta pra todo lado, bem louco. Que estilo! Só falta a maquiagem. Me empresta a sombra e o lápis aí, gente. Iiiiissssssooooooo. Vou fazer uns riscos vermelhos de batom aqui no olho que é pra gente ter uma noção. O blush pode ser essa sombra meio laranja mesmo. Vem comigo, quero te mostrar pra todo mundo. Enquanto isso vai tentando andar nesse sapato da loja do lado. Isso, até lá dá certo - só não vale cair, hein, hahaha... Atenção: olha que linda a minha modelo! Produção própria, bem - sei ou não sei das coisas? Ela não é modelo, é professora de inglês da Cultura Inglesa, cliente minha. Vai trabalhar que nem uma palhaça, com maquiagem e cabelo, vai sair do trabalho correndo e chegar aqui correndo pra fechar o meu desfile. Não ficou um luxo? Ela vai me fazer um favor, porque pagar não tô podendo. O vestido tá um pouco grande, mas qualquer coisa a gente dá um nozinho nas alças, qual o problema? Desfile é assim: tem menina que desfila com sapato 39 e calça 35, é despojado mesmo.

(diálogo entre uma ex-wannabe-modelo lojista e uma ex-aspirante a modelo de 30 anos)

Background information: Há exatos 15 anos, a ex-aspirante a modelo que hoje beira os 31 foi chamada de bonita. Foi dito a ela inclusive que seria possível viver dessa beleza incomum (leia-se: extrema magreza beirando a inanição, braços extra-longos e pernas parecidas com os braços). A menina de 15 anos sonhou, sonhou, ... e chegou em casa. A mãe não concordou e pronto. Quando a mãe concordou, acharam uma agência no Centro (a parte caradepaumente chamada de Lourdes) que fez uma oferta irrecusável: morar em São Paulo e trabalhar na MTV. Um pequeno detalhe: as modelos não receberiam visitas dos pais pelos primeiros seis meses. Como eu disse, só um detalhe. E a carreira meteórica da bela feia acabou aí. A menina achou que era feia por mais alguns anos e virou um bom bocado de páginas feias ao descobrir que era bonita. No ápice de seus 30, ela é chamada para desfilar - o orgulho apaixona-se cegamente pela vaidade. 

(diálogo - parte 2)

Mas qual o problema com a roupa? A roupa tava linda, gente, um pouco mais largo é o charme... Dá o nozinho, não tem problema nenhum. Meia preta e sapato preto ou meia bege e sapato bege. Se arruma em casa, se vira, às oito e cinco você tá lá, né? Claro que vai dar tempo, se você trabalha até as oito não vejo problema em você chegar às oito e cinco. Vem do trabalho maquiada com o sapato e a meia. Dá uma olhada no lugar onde você vai desfilar - quando chegar, vai direto pra lá. Que isso, como as pessoas tão falando que o vestido não tá bom? Já te expliquei que em desfile não tem dessas coisas. Bom, se você também tá achando, é melhor deixar pra lá. Vou arrumar outra pra entrar no seu lugar, vai ficar melhor assim. Agora tô cheia de coisas pra resolver, não tô podendo perder meu tempo com isso.  Pode deixar que vou achar alguém pra te substituir. Tira a roupa e dá pra moça colocar no cabide. Pede pra moça tirar o seu nome que tá escrito na roupa, tá bom? Brigada, querida. Tchau.

 OBRIGADA, MÃE. AINDA BEM QUE EU literalmente TOQUEI A VIDA.

Top 30

Isso... agora olha pra cá. Vira a cabeça devagar. Vai virando... calma... excelente! Faz uma coisa bem doida aí - você é bailarina ou não é? Então? Faz tipo uma pirueta. Já sei! Faz uma abertura. Se vira aí, minha filha, faz alguma coisa bem interessante porque você é a última. Vai fechar com chave de ouro, hein? O sapato você arruma um seu mesmo, pode ser preto, qualquer um. Uma meia preta, viu? Traz também uma meia preta bem preta que aí não tem erro. Agora no seu cabelo... seu cabelo tá curto, né? Uai... vamo colocar ele pra cima então, bem pra cima, cheio de ponta pra todo lado, bem louco. Que estilo! Só falta a maquiagem. Me empresta a sombra e o lápis aí, gente. Iiiiissssssooooooo. Vou fazer uns riscos vermelhos de batom aqui no olho que é pra gente ter uma noção. O blush pode ser essa sombra meio laranja mesmo. Vem comigo, quero te mostrar pra todo mundo. Enquanto isso vai tentando andar nesse sapato da loja do lado. Isso, até lá dá certo - só não vale cair, hein, hahaha... Atenção: olha que linda a minha modelo! Produção própria, bem - sei ou não sei das coisas? Ela não é modelo, é professora de inglês da Cultura Inglesa, cliente minha. Vai trabalhar que nem uma palhaça, com maquiagem e cabelo, vai sair do trabalho correndo e chegar aqui correndo pra fechar o meu desfile. Não ficou um luxo? Ela vai me fazer um favor, porque pagar não tô podendo. O vestido tá um pouco grande, mas qualquer coisa a gente dá um nozinho nas alças, qual o problema? Desfile é assim: tem menina que desfila com sapato 39 e calça 35, é despojado mesmo.

(diálogo entre uma ex-wannabe-modelo lojista e uma ex-aspirante a modelo de 30 anos)

Background information: Há exatos 15 anos, a ex-aspirante a modelo que hoje beira os 31 foi chamada de bonita. Foi dito a ela inclusive que seria possível viver dessa beleza incomum (leia-se: extrema magreza beirando a inanição, braços extra-longos e pernas parecidas com os braços). A menina de 15 anos sonhou, sonhou, ... e chegou em casa. A mãe não concordou e pronto. Quando a mãe concordou, acharam uma agência no Centro (a parte caradepaumente chamada de Lourdes) que fez uma oferta irrecusável: morar em São Paulo e trabalhar na MTV. Um pequeno detalhe: as modelos não receberiam visitas dos pais pelos primeiros seis meses. Como eu disse, só um detalhe. E a carreira meteórica da bela feia acabou aí. A menina achou que era feia por mais alguns anos e virou um bom bocado de páginas feias ao descobrir que era bonita. No ápice de seus 30, ela é chamada para desfilar - o orgulho apaixona-se cegamente pela vaidade. 

(diálogo - parte 2)

Mas qual o problema com a roupa? A roupa tava linda, gente, um pouco mais largo é o charme... Dá o nozinho, não tem problema nenhum. Meia preta e sapato preto ou meia bege e sapato bege. Se arruma em casa, se vira, às oito e cinco você tá lá, né? Claro que vai dar tempo, se você trabalha até as oito não vejo problema em você chegar às oito e cinco. Vem do trabalho maquiada com o sapato e a meia. Dá uma olhada no lugar onde você vai desfilar - quando chegar, vai direto pra lá. Que isso, como as pessoas tão falando que o vestido não tá bom? Já te expliquei que em desfile não tem dessas coisas. Bom, se você também tá achando, é melhor deixar pra lá. Vou arrumar outra pra entrar no seu lugar, vai ficar melhor assim. Agora tô cheia de coisas pra resolver, não tô podendo perder meu tempo com isso.  Pode deixar que vou achar alguém pra te substituir. Tira a roupa e dá pra moça colocar no cabide. Pede pra moça tirar o seu nome que tá escrito na roupa, tá bom? Brigada, querida. Tchau.

 OBRIGADA, MÃE. AINDA BEM QUE EU literalmente TOQUEI A VIDA.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

I dare you

Today I woke up with this plundering desire... to dare. It was such an overwhelming feeling that my heart started beating fast, faster and faster to the point I could no longer see. Eventually I started asking myself why. Why me? Why now? Why should I? Maybe I could dare for the sake of practice - we both know I could easily dare out of love. Real love doesn't just fade away, doesn't wear off; it drives us to the unimaginable non-stop; it offers a single-ticket ride towards the unknown, and we both know there's no way back. At this point it feels so good to be away with the fairies... It's pure and true, but it's not the answer. Let's face it: no matter how hard I try to enlighten, to sweeten, to ennoble my existence, I'll always feel like a blister in the sun. No more lies - I must dare in the name of weariness. Being tired shuts down each and every possibility of believing. Not believing opens up such a huge hole in our chests that we spend more time trying to heal it than actually trying.

O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que elas acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis. (F.Pessoa)

I have no idea what might happen if I were not so very tired. My only truth is not in books or sweet dreams, is not wrapped in silk: today I must dare to, against all my own odds, keep breathing... I dare you to live with me - I dare us both to do a bit more than surviving.

I dare you

Today I woke up with this plundering desire... to dare. It was such an overwhelming feeling that my heart started beating fast, faster and faster to the point I could no longer see. Eventually I started asking myself why. Why me? Why now? Why should I? Maybe I could dare for the sake of practice - we both know I could easily dare out of love. Real love doesn't just fade away, doesn't wear off; it drives us to the unimaginable non-stop; it offers a single-ticket ride towards the unknown, and we both know there's no way back. At this point it feels so good to be away with the fairies... It's pure and true, but it's not the answer. Let's face it: no matter how hard I try to enlighten, to sweeten, to ennoble my existence, I'll always feel like a blister in the sun. No more lies - I must dare in the name of weariness. Being tired shuts down each and every possibility of believing. Not believing opens up such a huge hole in our chests that we spend more time trying to heal it than actually trying.

O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que elas acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis. (F.Pessoa)

I have no idea what might happen if I were not so very tired. My only truth is not in books or sweet dreams, is not wrapped in silk: today I must dare to, against all my own odds, keep breathing... I dare you to live with me - I dare us both to do a bit more than surviving.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Professional friend

I'm a friendly person; that's all. Anything other than that comes naturally, so don't expect. I don't smile to show I care, I don't call because that's what I'm supposed to do. I'm one of those people who will never keep a politeness book in the bag, and I'm not sorry. You should know I'll never ask you to do differently or the same. I'll never wait for you to call, I'll never beg you to be there - I've been right where you are... and it hurts. Grudge is a word I had to learn, and now I know resentment has never been part of my 24/7. So much happens every minute of my every day that I simply don't remember whos or whats! I'm not used to bearing a grudge, but again I don't expect you to understand. Actually, we shouldn't expect anything from anyone; that's the only way to feel truly free. I don't mean to sound rude, but I can't be bothered to become a professional friend, and it's totally fine by me if you disagree. I'm friendly - no more, no less. Take it or leave it.

Professional friend

I'm a friendly person; that's all. Anything other than that comes naturally, so don't expect. I don't smile to show I care, I don't call because that's what I'm supposed to do. I'm one of those people who will never keep a politeness book in the bag, and I'm not sorry. You should know I'll never ask you to do differently or the same. I'll never wait for you to call, I'll never beg you to be there - I've been right where you are... and it hurts. Grudge is a word I had to learn, and now I know resentment has never been part of my 24/7. So much happens every minute of my every day that I simply don't remember whos or whats! I'm not used to bearing a grudge, but again I don't expect you to understand. Actually, we shouldn't expect anything from anyone; that's the only way to feel truly free. I don't mean to sound rude, but I can't be bothered to become a professional friend, and it's totally fine by me if you disagree. I'm friendly - no more, no less. Take it or leave it.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

O rap do feio

Essa vai pra você que é feio e tá cansado de saber
e pra você que acha que é bonito, porque é tão babaca que ninguém teve coragem de te dizer.

O feio joga lixo no chão
e limpa o nariz com a mão
O feio insiste em gritar
pra ver se alguém nota que ele tá lá
O feio arrota no bar
e coça o saco pra barbarizar
O feio fala mal do bonito
pra não se lembrar que é esquisito
O feio pra caçar confusão
bate na mesa, fala palavrão
O feio põe música alta
do contrário ninguém vai dar falta
O feio pra mostrar atitude
diz que tá bem, o importante é saúde
O feio tem gente que engole
e o babaca ainda faz corpo mole
O feio não devia existir
mas de quem é que a gente ia rir?

O Ministério da Saúde mais uma vez adverte: SER FEIO É ALGO QUE VOCÊ PODE MUDAR (ah, e que também não dá pra disfarçar, viu? Só a título de curiosidade mesmo...)

O rap do feio

Essa vai pra você que é feio e tá cansado de saber
e pra você que acha que é bonito, porque é tão babaca que ninguém teve coragem de te dizer.

O feio joga lixo no chão
e limpa o nariz com a mão
O feio insiste em gritar
pra ver se alguém nota que ele tá lá
O feio arrota no bar
e coça o saco pra barbarizar
O feio fala mal do bonito
pra não se lembrar que é esquisito
O feio pra caçar confusão
bate na mesa, fala palavrão
O feio põe música alta
do contrário ninguém vai dar falta
O feio pra mostrar atitude
diz que tá bem, o importante é saúde
O feio tem gente que engole
e o babaca ainda faz corpo mole
O feio não devia existir
mas de quem é que a gente ia rir?

O Ministério da Saúde mais uma vez adverte: SER FEIO É ALGO QUE VOCÊ PODE MUDAR (ah, e que também não dá pra disfarçar, viu? Só a título de curiosidade mesmo...)

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Coleção

Guardo num baú seco e frio minha coleção de vergonhas, grande parte delas fruto de super exposição ao sol da madrugada. De algumas procuro em vão não me lembrar; de outras, penso desanimada que precisei para, de certa forma, sobreviver. Não há culpa indolor que doa, não há medo inodoro que se sinta, e ainda assim luto a cada dia para estancar essa falta de pequenas sutilezas, essa ingenuidade indiretamente proporcional à esperteza, esse calo certo ao final da dança. Mato um leão por dia dentro dessas carnes magras, e o que sobra dói quando respiro. O que fazer com essas feridas? Vil seria cobrí-las, infeliz é apedrejá-las. Será que continuo a iludi-las? Nada feito - elas encontram-se agora imunes, resistem bravamente aos curativos de sonhos e banalidades. Dentre todas as coisas, já que cá estamos, existe uma que eu devo entender: depois da meia-noite, a princesa que dá a mão ao príncipe não vira abóbora - com classe de menina ela corre para a valsa, e dá asas ao que há de ser seu lado bom.    

Coleção

Guardo num baú seco e frio minha coleção de vergonhas, grande parte delas fruto de super exposição ao sol da madrugada. De algumas procuro em vão não me lembrar; de outras, penso desanimada que precisei para, de certa forma, sobreviver. Não há culpa indolor que doa, não há medo inodoro que se sinta, e ainda assim luto a cada dia para estancar essa falta de pequenas sutilezas, essa ingenuidade indiretamente proporcional à esperteza, esse calo certo ao final da dança. Mato um leão por dia dentro dessas carnes magras, e o que sobra dói quando respiro. O que fazer com essas feridas? Vil seria cobrí-las, infeliz é apedrejá-las. Será que continuo a iludi-las? Nada feito - elas encontram-se agora imunes, resistem bravamente aos curativos de sonhos e banalidades. Dentre todas as coisas, já que cá estamos, existe uma que eu devo entender: depois da meia-noite, a princesa que dá a mão ao príncipe não vira abóbora - com classe de menina ela corre para a valsa, e dá asas ao que há de ser seu lado bom.    

Hellquiem para um sonho

Eu sou quem você deixou escapar;
você é o que não pude realizar.
Dentre todas as estripulias
e animosidades de nosso dia-a-dia,
escolhemos por partilhar a teimosia.
Teimosia em correr,
em não saber,
em refazer,
em consertar,
em dizer o não dito
em desdizer
o que estava escrito
em exigir do dia um raio de luar.
Eis que o tempo passa
a lua chega mansa e fria
e ficamos os dois assim
parados feito duas estrelas
movendo-nos sem que se perceba
eu girando por você
você girando por mim
sopro de poeira cósmica
pelo seu jardim
 ânsia do meu paladar.
.

Hellquiem para um sonho

Eu sou quem você deixou escapar;
você é o que não pude realizar.
Dentre todas as estripulias
e animosidades de nosso dia-a-dia,
escolhemos por partilhar a teimosia.
Teimosia em correr,
em não saber,
em refazer,
em consertar,
em dizer o não dito
em desdizer
o que estava escrito
em exigir do dia um raio de luar.
Eis que o tempo passa
a lua chega mansa e fria
e ficamos os dois assim
parados feito duas estrelas
movendo-nos sem que se perceba
eu girando por você
você girando por mim
sopro de poeira cósmica
pelo seu jardim
 ânsia do meu paladar.
.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

"Pilhéria sem graça"

Era uma bela tarde de sábado, daquelas de sol morno e vento fresco. Preparava-me para dar um gole no chopp quando involuntariamente olhei para a frente. Vi então um aceno vindo em minha direção, aparentemente sem pretensão e sem expectativa - principalmente se considerarmos que quem acenava era um jovem senhor no ápice dos seus setenta e poucos anos. Achei engraçado demais. Acenei de volta e sorri. Um sorriso saiu do lado de lá. Pensei em escrever sobre isso e tirei uma caneta da bolsa. Peguei um pedaço de papel qualquer e comecei a me aventurar, quando senti um cutucãozinho no ombro esquerdo. O jovem senhor tinha cruzado o palco da Travessa e alegremente se posicionava em frente à minha figura tranquila e desarmada. Fez as honras e sentou-se sem cerimônia. Contou um pouco de si, expressou sua opinião acerca de uma boa dúzia de assuntos, disse  que era escritor de livros chatos. Falou-me da minha força, especulou sobre minha maturidade e consciência. Agradeceu pelo aceno e pelo sorriso com integridade. Deixou o email, queria me mostrar os poemas que só agora começou a escrever. Sem medo, dei a ele o endereço do meu blog. Fiquei feliz com a possibilidade de uma relação saudável entre um senhor amigável e uma moça comprometida. Que evolução! Voltei a escrever com a mesma tranquilidade. Eis que o senhor volta até a minha mesa e me lança a cantada mais infantil. Suspirei em desencanto. O mundo é o mundo, Amâncio, nem mais nem menos do que você acha que é...

"Pilhéria sem graça"

Era uma bela tarde de sábado, daquelas de sol morno e vento fresco. Preparava-me para dar um gole no chopp quando involuntariamente olhei para a frente. Vi então um aceno vindo em minha direção, aparentemente sem pretensão e sem expectativa - principalmente se considerarmos que quem acenava era um jovem senhor no ápice dos seus setenta e poucos anos. Achei engraçado demais. Acenei de volta e sorri. Um sorriso saiu do lado de lá. Pensei em escrever sobre isso e tirei uma caneta da bolsa. Peguei um pedaço de papel qualquer e comecei a me aventurar, quando senti um cutucãozinho no ombro esquerdo. O jovem senhor tinha cruzado o palco da Travessa e alegremente se posicionava em frente à minha figura tranquila e desarmada. Fez as honras e sentou-se sem cerimônia. Contou um pouco de si, expressou sua opinião acerca de uma boa dúzia de assuntos, disse  que era escritor de livros chatos. Falou-me da minha força, especulou sobre minha maturidade e consciência. Agradeceu pelo aceno e pelo sorriso com integridade. Deixou o email, queria me mostrar os poemas que só agora começou a escrever. Sem medo, dei a ele o endereço do meu blog. Fiquei feliz com a possibilidade de uma relação saudável entre um senhor amigável e uma moça comprometida. Que evolução! Voltei a escrever com a mesma tranquilidade. Eis que o senhor volta até a minha mesa e me lança a cantada mais infantil. Suspirei em desencanto. O mundo é o mundo, Amâncio, nem mais nem menos do que você acha que é...

sábado, 18 de setembro de 2010

Mente quieta espinha ereta

Sempre tive horror a consultas médicas. Primeiro pelo possível choque de ser diagnosticada com uma doença que o médico nem se dá ao trabalho de tentar explicar - pelo menos não em nossa língua materna. Segundo pela situação pateticamente constrangedora de, após um relato metódico de cada dor, cada desconforto, cada detalhe sórdido (e por que não embaraçoso?) de sua possível enfermidade, nosso amigo, com ar sério e revelador, constatar que você possívelmente sofre de 1) ansiedade; 2) falta de vitaminas; ou 3) carência progressiva. Mas afinal, o que cura mais do que ser estável? Um casal heterossexual bem-sucedido com dois ou três filhos, que chega ao ápice num dado momento e pode então comprar o melhor carro da categoria, e que aos sábados leva a caçula que fala francês a um restaurante alemão. Uma família que sofre sem saber que está sofrendo, dadas as inúmeras opções de compra. Nutricionista, endocrinologista, massagista, analista, motorista - como faltar vitaminas? como não sobreviver emocionalmente? O que cura tanto quanto ser estável é a necessidade de ocupar esse lugar. A mulher trabalha, o marido trabalha, o filho mal pode esperar para trabalhar também e assim não sobra tempo pra pensar na morte da bezerra - não sobra tempo nem pra chorar. Se essas pessoas sentem uma pontada, um enjôo ou uma tontura, certamente deve haver algo errado - porque, afinal de contas, tempo é dinheiro, seja ele ganho ou gasto. Ser à toa com dinheiro então... acho sensacional, acho que vicia. Enquanto isso meu dente completou três aninhos de dor, minha perna esquerda permanece dormente há um mês, tenho aftas desde que saí do útero, meu estômago queima como se eu fosse aqueles personagens de desenho animado com um buraco no meio todos os dias pontualmente na hora de dormir e de acordar, e minha cabeça dói tanto em ocasiões aleatórias que tenho que sentar no chão e fechar os olhos até passar... tudo isso sem que tenha sido localizado um problema aparente. É, Amâncio, melhor mesmo é viver acreditando que o seu único problema é ser você...

Mente quieta espinha ereta

Sempre tive horror a consultas médicas. Primeiro pelo possível choque de ser diagnosticada com uma doença que o médico nem se dá ao trabalho de tentar explicar - pelo menos não em nossa língua materna. Segundo pela situação pateticamente constrangedora de, após um relato metódico de cada dor, cada desconforto, cada detalhe sórdido (e por que não embaraçoso?) de sua possível enfermidade, nosso amigo, com ar sério e revelador, constatar que você possívelmente sofre de 1) ansiedade; 2) falta de vitaminas; ou 3) carência progressiva. Mas afinal, o que cura mais do que ser estável? Um casal heterossexual bem-sucedido com dois ou três filhos, que chega ao ápice num dado momento e pode então comprar o melhor carro da categoria, e que aos sábados leva a caçula que fala francês a um restaurante alemão. Uma família que sofre sem saber que está sofrendo, dadas as inúmeras opções de compra. Nutricionista, endocrinologista, massagista, analista, motorista - como faltar vitaminas? como não sobreviver emocionalmente? O que cura tanto quanto ser estável é a necessidade de ocupar esse lugar. A mulher trabalha, o marido trabalha, o filho mal pode esperar para trabalhar também e assim não sobra tempo pra pensar na morte da bezerra - não sobra tempo nem pra chorar. Se essas pessoas sentem uma pontada, um enjôo ou uma tontura, certamente deve haver algo errado - porque, afinal de contas, tempo é dinheiro, seja ele ganho ou gasto. Ser à toa com dinheiro então... acho sensacional, acho que vicia. Enquanto isso meu dente completou três aninhos de dor, minha perna esquerda permanece dormente há um mês, tenho aftas desde que saí do útero, meu estômago queima como se eu fosse aqueles personagens de desenho animado com um buraco no meio todos os dias pontualmente na hora de dormir e de acordar, e minha cabeça dói tanto em ocasiões aleatórias que tenho que sentar no chão e fechar os olhos até passar... tudo isso sem que tenha sido localizado um problema aparente. É, Amâncio, melhor mesmo é viver acreditando que o seu único problema é ser você...

Mineirês

Achei tão bonitinho isso... queria compartilhar com minhas amigas e leitoras mineirinhas da gema - e com os marmanjos de plantão - afinal, é das mineiras que eles gostam mais, né mes?


O SOTAQUE DAS MINEIRAS

(F.P.B. Netto)


O sotaque das mineiras deveria ser ilegal, imoral ou engordar...

Afinal, se tudo que é bom tem um desses horríveis efeitos colaterais, como é que o falar, sensual e lindo das moças de Minas ficou de fora?
Porque, Deus, que sotaque!

Mineira devia nascer com tarja preta avisando: 'ouvi-la faz mal à saúde'.

Se uma mineira, falando mansinho,me pedir para assinar um contrato, doando tudo que tenho, sou capaz de perguntar: 'só isso?'.

Assino, achando que ela me faz um favor...
Eu sou suspeitíssimo.

Confesso: esse sotaque me desarma.

Certa vez quase propus casamento à uma menina que me ligou por engano, só pelo sotaque.

Os mineiros têm um ódio mortal das palavras completas.


Preferem, sabe-se lá por que, abandoná-las no meio do caminho.

Não dizem: pode parar, dizem: 'pó parar'

Não dizem: onde eu estou?, dizem: 'onde queu tô.'

Os não-mineiros, ignorantes nas coisas de Minas, supõem, precipitada e levianamente, que os mineiros vivem - lingüisticamente falando - apenas de uais, trens e sôs.

Digo-lhes que não.

Mineiro não fala que o sujeito é competente em tal ou qual atividade.

Fala que ele é bom de serviço.

Pouco importa que seja um juiz, um jogador de futebol ou um ator de filme pornô.

Se der no couro - metaforicamente falando, claro - ele é bom de serviço.

Faz sentido...



Mineiras não usam o famosíssimo tudo bem.

Sempre que duas mineiras se encontram, uma delas há de perguntar pra outra: 'cê tá boa?'.

Para mim, isso é pleonasmo.

Perguntar para uma mineira se ela tá boa é desnecessário...



Há outras.

Vamos supor que você esteja tendo um caso com uma mulher casada.

Um amigo seu, se for mineiro, vai chegar e dizer: - Mexe com isso não, sô (leia-se: sai dessa, é fria, etc).

O verbo 'mexer', para os mineiros, tem os mais amplos significados.

Quer dizer, por exemplo, trabalhar.

Se lhe perguntarem com o que você mexe, não fique ofendido.

Só querem saber o seu ofício.



Os mineiros também não gostam do verbo conseguir.

Aqui ninguém consegue nada.

Você não dá conta.

Sôcê (se você) acha que não vai chegar a tempo, você liga e diz: '- Aqui, não vou dar conta de chegar na hora, não, sô.'



Esse 'aqui' é outra delícia que só tem aqui.

É antecedente obrigatório, sob pena de punição pública, de qualquer frase.

É mais usada, no entanto, quando você quer falar e não estão lhe dando muita atenção: é uma forma de dizer 'olá, me escutem, por favor'.

É a última instância antes de jogar um pão de queijo na cabeça do interlocutor.



Mineiras não dizem 'apaixonado por'.

Dizem, sabe-se lá por que, 'apaixonado com'.

Soa engraçado aos ouvidos forasteiros.

Ouve-se a toda hora: 'Ah, eu apaixonei com ele...'

Ou: 'sou doida com ele' (ele, no caso, pode ser você, um carro, um cachorro).



Eu preciso avisar à língua portuguesa que gosto muito dela, mas prefiro, com todo respeito, a mineira.

Nada pessoal

Aqui certas regras não entram.

São barradas pelas montanhas.



Por exemplo: em Minas, se você quiser falar que precisa ir a um lugar, vai dizer: - 'Eu preciso de ir..'

Onde os mineiros arrumaram esse 'de', aí no meio, é uma boa pergunta...

Só não me perguntem!

Mas que ele existe, existe.

Asseguro que sim, com escritura lavrada em cartório.



No supermercado, o mineiro não faz muitas compras, ele compra um tanto de coisa...

O supermercado não estará lotado, ele terá um tanto de gente.

Se a fila do caixa não anda, é porque está agarrando lá na frente.

Entendeu? Agarrar é agarrar, ora!



Se, saindo do supermercado, a mineirinha vir um mendigo e ficar com pena, suspirará: '- Ai, gente, que dó.'



É provável que a essa altura o leitor já esteja apaixonado pelas mineiras...

Não vem caçar confusão pro meu lado!

Porque, devo dizer, mineiro não arruma briga, mineiro 'caça confusão'.

Se você quiser dizer que tal sujeito é arruaceiro, é melhor falar, para se fazer entendido, que ele 'vive caçando confusão'.



Ah, e tem o 'Capaz...'

Se você propõe algo a uma mineira, ela diz: 'capaz' !!!

Vocês já ouviram esse 'capaz'?

É lindo. Quer dizer o quê?

Sei lá, quer dizer 'ce acha que eu faço isso'!? - com algumas toneladas de ironia...



Se você ameaçar casar com a Gisele Bundchen, ela dirá: 'ô dó dôcê'.

Entendeu? Não? Deixa para lá.



É parecido com o 'nem...' . Já ouviu o 'nem...'?

Completo ele fica: '- Ah, nem...'

O que significa?

Significa, amigo leitor, que a mineira que o pronunciou não fará o que você propôs de jeito nenhum.

Mas de jeito nenhum mesmo.

Você diz: 'Meu amor, cê anima de comer um tropeiro no Mineirão?'.

Resposta: 'nem...'

Ainda não entendeu? Uai, nem é nem.

Leitor, você é meio burrinho ou é impressão?



Preciso confessar algo: minha inclinação é para perdoar, com louvor, os deslizes vocabulares das mineiras.

Aliás, deslizes nada.

Só porque aqui a língua é outra, não quer dizer que a oficial esteja com a razão.



Se você, em conversa, falar: 'Ah, fui lá comprar umas coisas...'..

- Que's coisa? - ela retrucará.

O plural dá um pulo.

Sai das coisas e vai para o 'que'!



Ouvi de uma menina culta um 'pelas metade', no lugar de 'pela metade'.

E se você acusar injustamente uma mineira, ela, chorosa, confidenciará:

- Ele pôs a culpa 'ni mim'.



A conjugação dos verbos tem lá seus mistérios, em Minas...

Ontem, uma senhora docemente me consolou: 'preocupa não, bobo!'.

E meus ouvidos, já acostumados às ingênuas conjugações mineiras nem se espantam.

Talvez se espantassem se ouvissem um: 'não se preocupe', ou algo assim.

Fórmula mineira é sintética e diz tudo.



Até o tchau, em Minas, é personalizado.

Ninguém diz tchau, pura e simplesmente.

Aqui se diz: 'tchau pro cê', 'tchau pro cês'.

É útil deixar claro o destinatário do tchau...

Mineirês

Achei tão bonitinho isso... queria compartilhar com minhas amigas e leitoras mineirinhas da gema - e com os marmanjos de plantão - afinal, é das mineiras que eles gostam mais, né mes?


O SOTAQUE DAS MINEIRAS

(F.P.B. Netto)


O sotaque das mineiras deveria ser ilegal, imoral ou engordar...

Afinal, se tudo que é bom tem um desses horríveis efeitos colaterais, como é que o falar, sensual e lindo das moças de Minas ficou de fora?
Porque, Deus, que sotaque!

Mineira devia nascer com tarja preta avisando: 'ouvi-la faz mal à saúde'.

Se uma mineira, falando mansinho,me pedir para assinar um contrato, doando tudo que tenho, sou capaz de perguntar: 'só isso?'.

Assino, achando que ela me faz um favor...
Eu sou suspeitíssimo.

Confesso: esse sotaque me desarma.

Certa vez quase propus casamento à uma menina que me ligou por engano, só pelo sotaque.

Os mineiros têm um ódio mortal das palavras completas.


Preferem, sabe-se lá por que, abandoná-las no meio do caminho.

Não dizem: pode parar, dizem: 'pó parar'

Não dizem: onde eu estou?, dizem: 'onde queu tô.'

Os não-mineiros, ignorantes nas coisas de Minas, supõem, precipitada e levianamente, que os mineiros vivem - lingüisticamente falando - apenas de uais, trens e sôs.

Digo-lhes que não.

Mineiro não fala que o sujeito é competente em tal ou qual atividade.

Fala que ele é bom de serviço.

Pouco importa que seja um juiz, um jogador de futebol ou um ator de filme pornô.

Se der no couro - metaforicamente falando, claro - ele é bom de serviço.

Faz sentido...



Mineiras não usam o famosíssimo tudo bem.

Sempre que duas mineiras se encontram, uma delas há de perguntar pra outra: 'cê tá boa?'.

Para mim, isso é pleonasmo.

Perguntar para uma mineira se ela tá boa é desnecessário...



Há outras.

Vamos supor que você esteja tendo um caso com uma mulher casada.

Um amigo seu, se for mineiro, vai chegar e dizer: - Mexe com isso não, sô (leia-se: sai dessa, é fria, etc).

O verbo 'mexer', para os mineiros, tem os mais amplos significados.

Quer dizer, por exemplo, trabalhar.

Se lhe perguntarem com o que você mexe, não fique ofendido.

Só querem saber o seu ofício.



Os mineiros também não gostam do verbo conseguir.

Aqui ninguém consegue nada.

Você não dá conta.

Sôcê (se você) acha que não vai chegar a tempo, você liga e diz: '- Aqui, não vou dar conta de chegar na hora, não, sô.'



Esse 'aqui' é outra delícia que só tem aqui.

É antecedente obrigatório, sob pena de punição pública, de qualquer frase.

É mais usada, no entanto, quando você quer falar e não estão lhe dando muita atenção: é uma forma de dizer 'olá, me escutem, por favor'.

É a última instância antes de jogar um pão de queijo na cabeça do interlocutor.



Mineiras não dizem 'apaixonado por'.

Dizem, sabe-se lá por que, 'apaixonado com'.

Soa engraçado aos ouvidos forasteiros.

Ouve-se a toda hora: 'Ah, eu apaixonei com ele...'

Ou: 'sou doida com ele' (ele, no caso, pode ser você, um carro, um cachorro).



Eu preciso avisar à língua portuguesa que gosto muito dela, mas prefiro, com todo respeito, a mineira.

Nada pessoal

Aqui certas regras não entram.

São barradas pelas montanhas.



Por exemplo: em Minas, se você quiser falar que precisa ir a um lugar, vai dizer: - 'Eu preciso de ir..'

Onde os mineiros arrumaram esse 'de', aí no meio, é uma boa pergunta...

Só não me perguntem!

Mas que ele existe, existe.

Asseguro que sim, com escritura lavrada em cartório.



No supermercado, o mineiro não faz muitas compras, ele compra um tanto de coisa...

O supermercado não estará lotado, ele terá um tanto de gente.

Se a fila do caixa não anda, é porque está agarrando lá na frente.

Entendeu? Agarrar é agarrar, ora!



Se, saindo do supermercado, a mineirinha vir um mendigo e ficar com pena, suspirará: '- Ai, gente, que dó.'



É provável que a essa altura o leitor já esteja apaixonado pelas mineiras...

Não vem caçar confusão pro meu lado!

Porque, devo dizer, mineiro não arruma briga, mineiro 'caça confusão'.

Se você quiser dizer que tal sujeito é arruaceiro, é melhor falar, para se fazer entendido, que ele 'vive caçando confusão'.



Ah, e tem o 'Capaz...'

Se você propõe algo a uma mineira, ela diz: 'capaz' !!!

Vocês já ouviram esse 'capaz'?

É lindo. Quer dizer o quê?

Sei lá, quer dizer 'ce acha que eu faço isso'!? - com algumas toneladas de ironia...



Se você ameaçar casar com a Gisele Bundchen, ela dirá: 'ô dó dôcê'.

Entendeu? Não? Deixa para lá.



É parecido com o 'nem...' . Já ouviu o 'nem...'?

Completo ele fica: '- Ah, nem...'

O que significa?

Significa, amigo leitor, que a mineira que o pronunciou não fará o que você propôs de jeito nenhum.

Mas de jeito nenhum mesmo.

Você diz: 'Meu amor, cê anima de comer um tropeiro no Mineirão?'.

Resposta: 'nem...'

Ainda não entendeu? Uai, nem é nem.

Leitor, você é meio burrinho ou é impressão?



Preciso confessar algo: minha inclinação é para perdoar, com louvor, os deslizes vocabulares das mineiras.

Aliás, deslizes nada.

Só porque aqui a língua é outra, não quer dizer que a oficial esteja com a razão.



Se você, em conversa, falar: 'Ah, fui lá comprar umas coisas...'..

- Que's coisa? - ela retrucará.

O plural dá um pulo.

Sai das coisas e vai para o 'que'!



Ouvi de uma menina culta um 'pelas metade', no lugar de 'pela metade'.

E se você acusar injustamente uma mineira, ela, chorosa, confidenciará:

- Ele pôs a culpa 'ni mim'.



A conjugação dos verbos tem lá seus mistérios, em Minas...

Ontem, uma senhora docemente me consolou: 'preocupa não, bobo!'.

E meus ouvidos, já acostumados às ingênuas conjugações mineiras nem se espantam.

Talvez se espantassem se ouvissem um: 'não se preocupe', ou algo assim.

Fórmula mineira é sintética e diz tudo.



Até o tchau, em Minas, é personalizado.

Ninguém diz tchau, pura e simplesmente.

Aqui se diz: 'tchau pro cê', 'tchau pro cês'.

É útil deixar claro o destinatário do tchau...

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Amarelo

Vi-me andando pela estrada
eram três da madrugada
de um tal dia ruim
Perguntava-me calada
se as nuances da jornada
eram bege ou carmim...
Mente azul atordoada
quis sentar-me na calçada
e erguer o copo a mim
Pilhéria anti-engraçada
pois que na hora marcada
passou boi, passou boiada
e ela não quis dizer sim.

Amarelo

Vi-me andando pela estrada
eram três da madrugada
de um tal dia ruim
Perguntava-me calada
se as nuances da jornada
eram bege ou carmim...
Mente azul atordoada
quis sentar-me na calçada
e erguer o copo a mim
Pilhéria anti-engraçada
pois que na hora marcada
passou boi, passou boiada
e ela não quis dizer sim.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Viagem ao centro da Terra

Eu venho da insistência em repetir o absurdo - venho do cansaço. Surgi de uma bolha de prazer ambíguo, de força curta. Existi sem ser capaz de mudar qualquer coisa, em meio a um martírio calado e de longa  procedência. Mastigou-se por anos intermináveis o pão sem que se sentisse o gosto. Venho da crença de tornar possível o notoriamente improvável, e talvez por isso mesmo eu tenha essa fome de viver uma história por dia, de fazer-me crer, ainda que pela mais infundada balela, ainda que pela minha teoria de um + zero = nenhum. Venho daquele lugar onde uma vida juntos só tem sentido ao transformar-se em duas vidas separadas. Com tudo isso aprendi que o bom senso é maior que a maior parte dos sentimentos involuntários. In other words: FUCKING SHIT!

Viagem ao centro da Terra

Eu venho da insistência em repetir o absurdo - venho do cansaço. Surgi de uma bolha de prazer ambíguo, de força curta. Existi sem ser capaz de mudar qualquer coisa, em meio a um martírio calado e de longa  procedência. Mastigou-se por anos intermináveis o pão sem que se sentisse o gosto. Venho da crença de tornar possível o notoriamente improvável, e talvez por isso mesmo eu tenha essa fome de viver uma história por dia, de fazer-me crer, ainda que pela mais infundada balela, ainda que pela minha teoria de um + zero = nenhum. Venho daquele lugar onde uma vida juntos só tem sentido ao transformar-se em duas vidas separadas. Com tudo isso aprendi que o bom senso é maior que a maior parte dos sentimentos involuntários. In other words: FUCKING SHIT!

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Luz

De dia sonhava acordada - fechava os olhos a todo momento em busca daquela sensação inesquecível de um único toque atemporal. Forçava a memória a fim de relembrar os cheiros, a brisa e o calor daquela noite. Passava os dias meio tonta, e queria que as noites caíssem como quem deseja sentir a chuva que não mais perfuma a terra. Podia enfim cerrar os olhos, cílios longos como cortinas de veludo que guardam o mais precioso sonho. Revisitava aquele pequeno café ao final da rua, e via-o tal e qual ele era. Tentava recordar a música, a bebida, as cores e as pessoas, ainda que nada disso tivesse lá tanta importância. O que ela queria mesmo era que chegasse aquela hora, a hora da sensação incompreensível de um único toque atemporal. Dois corações colados como um ímã, duas respirações ofegantes, dois corpos dormentes, exultantes, febris. Duas almas que se redescobriram em meio a um mar de renúncia... um mar de distância. Dia após dia ela fechava os olhos e recriava aquele momento mágico, aquela sensação indescritível de um único toque atemporal. O tempo passou e gradativamente a distância explicou seu nome - ela agora fazia força para se lembrar, os olhos apertados procurando novamente aquela luz que esfriava a espinha e fazia cócegas de amor bem no fundo do estômago. Não tinha mais tanto tempo, havia passado tanto tempo... aquele dia ficou embaçado. Olhava e não via nada. Tudo o que ela gostaria era de ter todo o tempo do mundo para focalizar a lente de suas memórias, e ter dia e noite a chance de aguardar com emoção a chegada daquele momento preciso em que ela se entregaria de corpo e alma àquele único contato, um abraço que a faria esquecer o que há de novo. Ajoelhou-se em remissão e rezou. Foi breve, apenas pediu para ser capaz de ver o que realmente importava. Sentiu então aquela presença, e os cheiros, a brisa e o calor daquele corpo envolveram-na completamente.  Fechou os olhos em êxtase, e sentiu suas carnes pulsarem como nunca haviam antes. Entregou-se. Ao acordar, qual não foi sua surpresa ao perceber que seus olhos não se abriam mais... Duas pesadas cortinas de fumaça a impediam de enxergar o mundo lá fora. Agora ela teria dias, horas, meses, anos, o resto da vida para experienciar aquela sensação inestimável de um único toque atemporal. Pensou, pensou... saiu à rua e quis ler e escrever, sentir o sol na pele, o cheiro da chuva penetrando a terra. Só um bom tempo depois ela se casou.

Luz

De dia sonhava acordada - fechava os olhos a todo momento em busca daquela sensação inesquecível de um único toque atemporal. Forçava a memória a fim de relembrar os cheiros, a brisa e o calor daquela noite. Passava os dias meio tonta, e queria que as noites caíssem como quem deseja sentir a chuva que não mais perfuma a terra. Podia enfim cerrar os olhos, cílios longos como cortinas de veludo que guardam o mais precioso sonho. Revisitava aquele pequeno café ao final da rua, e via-o tal e qual ele era. Tentava recordar a música, a bebida, as cores e as pessoas, ainda que nada disso tivesse lá tanta importância. O que ela queria mesmo era que chegasse aquela hora, a hora da sensação incompreensível de um único toque atemporal. Dois corações colados como um ímã, duas respirações ofegantes, dois corpos dormentes, exultantes, febris. Duas almas que se redescobriram em meio a um mar de renúncia... um mar de distância. Dia após dia ela fechava os olhos e recriava aquele momento mágico, aquela sensação indescritível de um único toque atemporal. O tempo passou e gradativamente a distância explicou seu nome - ela agora fazia força para se lembrar, os olhos apertados procurando novamente aquela luz que esfriava a espinha e fazia cócegas de amor bem no fundo do estômago. Não tinha mais tanto tempo, havia passado tanto tempo... aquele dia ficou embaçado. Olhava e não via nada. Tudo o que ela gostaria era de ter todo o tempo do mundo para focalizar a lente de suas memórias, e ter dia e noite a chance de aguardar com emoção a chegada daquele momento preciso em que ela se entregaria de corpo e alma àquele único contato, um abraço que a faria esquecer o que há de novo. Ajoelhou-se em remissão e rezou. Foi breve, apenas pediu para ser capaz de ver o que realmente importava. Sentiu então aquela presença, e os cheiros, a brisa e o calor daquele corpo envolveram-na completamente.  Fechou os olhos em êxtase, e sentiu suas carnes pulsarem como nunca haviam antes. Entregou-se. Ao acordar, qual não foi sua surpresa ao perceber que seus olhos não se abriam mais... Duas pesadas cortinas de fumaça a impediam de enxergar o mundo lá fora. Agora ela teria dias, horas, meses, anos, o resto da vida para experienciar aquela sensação inestimável de um único toque atemporal. Pensou, pensou... saiu à rua e quis ler e escrever, sentir o sol na pele, o cheiro da chuva penetrando a terra. Só um bom tempo depois ela se casou.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Pai de Todos

Nem só de tristeza vive o homem. Há também o rancor, a raiva, a angústia, a inveja, o pinto e o tédio. Todos regidos pelo medo da morte, da velhice, da solidão, da pobreza, da inércia, da grama do vizinho que desponta como a mais verde da rua. Nem só de sentimentos ruins vive o homem. Há também os pensamentos ruins, os piores, os péssimos, os terríveis, os mais repulsivos. Pensamentos repugnantes que o homem consegue transformar em ações justificáveis, invólucros  da paz. Nem só de malcheiro vive o homem. Há também o perfume francês, o terno italiano, o carro americano, o requinte inglês. Cara lavada, gestos copiados de um curso de auto-afirmação, um penteado digno. Aprendeu a apertar as mãos e a fazer as unhas. Está acima de tudo. Sonha com crimes hediondos enquanto beija a namorada, busca o filho na escola para atentamente observar os colegas. Fantasia com o que há de mais baixo - secretamente orgulha-se de ser tão promíscuo. Sua perversidade é revestida pelos mais inovadores mecanismos de defesa. O homem se casa para ir mais tranquilo à Afonso Pena*; come bastante no almoço para esconder a cocaína que o alimenta; bebe para ter mais prazer ao bater na mulher; humilha subordinados e contata profissionais do submundo a fim de ser humilhado. O homem tem estômago para engolir todos os dias o caldo quente do seu ideário putrefato - o homem varre para debaixo do tapete as imperfeições de sua cadência insólita - o homem ri da sua própria sorte e engole o choro, e diz a si mesmo, cheio de bravura e convicção, que está preparado para colocar a cabeça no travesseiro. Nem só de tristeza vive o homem. O pior já passou.

*Afonso Pena: ponto de prostitutas e travestis mais popular entre a classe média de Belo Horizonte.

Pai de Todos

Nem só de tristeza vive o homem. Há também o rancor, a raiva, a angústia, a inveja, o pinto e o tédio. Todos regidos pelo medo da morte, da velhice, da solidão, da pobreza, da inércia, da grama do vizinho que desponta como a mais verde da rua. Nem só de sentimentos ruins vive o homem. Há também os pensamentos ruins, os piores, os péssimos, os terríveis, os mais repulsivos. Pensamentos repugnantes que o homem consegue transformar em ações justificáveis, invólucros  da paz. Nem só de malcheiro vive o homem. Há também o perfume francês, o terno italiano, o carro americano, o requinte inglês. Cara lavada, gestos copiados de um curso de auto-afirmação, um penteado digno. Aprendeu a apertar as mãos e a fazer as unhas. Está acima de tudo. Sonha com crimes hediondos enquanto beija a namorada, busca o filho na escola para atentamente observar os colegas. Fantasia com o que há de mais baixo - secretamente orgulha-se de ser tão promíscuo. Sua perversidade é revestida pelos mais inovadores mecanismos de defesa. O homem se casa para ir mais tranquilo à Afonso Pena*; come bastante no almoço para esconder a cocaína que o alimenta; bebe para ter mais prazer ao bater na mulher; humilha subordinados e contata profissionais do submundo a fim de ser humilhado. O homem tem estômago para engolir todos os dias o caldo quente do seu ideário putrefato - o homem varre para debaixo do tapete as imperfeições de sua cadência insólita - o homem ri da sua própria sorte e engole o choro, e diz a si mesmo, cheio de bravura e convicção, que está preparado para colocar a cabeça no travesseiro. Nem só de tristeza vive o homem. O pior já passou.

*Afonso Pena: ponto de prostitutas e travestis mais popular entre a classe média de Belo Horizonte.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Pão e circo

Dinheiro serve mesmo pra quê? A gente se vende por ele por quê? Cidade pequena = vida grande: cultura, calma, prazer e possibilidades. Avanço ou retrocesso? E o meu futuro, cabe onde, dentro de quê? Já não consigo segurá-lo, nem mesmo com as duas mãos. Viajo para um lugar tranquilo, e o charme das esquinas quase vazias me seduz a todo instante. É pena eu abrigar essa temível coleção de pensamentos. Não há como imaginar o desconforto de uma alma em constante ebulição. Quisera eu ser menor, respirar mais, dividir meu existir em compassos quaternários. Penso em viver devagar, ter uma casa pequena numa cidade pequena, repleta de flores e crianças pequenas, sonhos e dinheiros bastantes. Sim, diga sim - por que não? A grandeza do que eu vejo acaba por deixar meus sonhos pequenos em banho-maria. A música me dá de comer todos os dias; me leva adiante!... Sinto tanta luz ao meu redor que ser pequena simplesmente não seria justo.

Pão e circo

Dinheiro serve mesmo pra quê? A gente se vende por ele por quê? Cidade pequena = vida grande: cultura, calma, prazer e possibilidades. Avanço ou retrocesso? E o meu futuro, cabe onde, dentro de quê? Já não consigo segurá-lo, nem mesmo com as duas mãos. Viajo para um lugar tranquilo, e o charme das esquinas quase vazias me seduz a todo instante. É pena eu abrigar essa temível coleção de pensamentos. Não há como imaginar o desconforto de uma alma em constante ebulição. Quisera eu ser menor, respirar mais, dividir meu existir em compassos quaternários. Penso em viver devagar, ter uma casa pequena numa cidade pequena, repleta de flores e crianças pequenas, sonhos e dinheiros bastantes. Sim, diga sim - por que não? A grandeza do que eu vejo acaba por deixar meus sonhos pequenos em banho-maria. A música me dá de comer todos os dias; me leva adiante!... Sinto tanta luz ao meu redor que ser pequena simplesmente não seria justo.