sexta-feira, 19 de agosto de 2022

Comer Rezar Amar

 Em 2018, minha querida tia Leléia teve um câncer na tireóide e eu fui a Brasília em janeiro para vê-la e visitar minha família. Para minha alegria, meu primo Leandro, que mora em Uberaba e eu não via há um tempão, também estava lá e já tinha agendado um horário com o Gustavo, tatuador famoso no Brasil inteiro por ser o mestre da caligrafia. Meu primo queria tatuar a assinatura do nosso avô no peito. Fui de curiosa, tomei umas e acabei saindo de lá com a palavra Attraversiamo na minha letra e uma pombinha no ombro direito (desenho e ideia dele a pombinha). O mais intrigante é que se você prestar atenção, vai ver que a pombinha meio que puxa a palavra com ela, como se quisesse alçar vôo pra fora do corpo - ou levá-lo pra um passeio que mudará sua vida para sempre. Foi o que o filme Comer Rezar Amar fez por mim. O ano era 2010. Tinha acabado de me casar após sete anos juntos. Passamos por algumas turbulências, vivemos nossa imaturidade dos vinte e poucos lado a lado e decidimos seguir o curso socialmente natural do casamento em cartório pra comprar casa, meiar as contas e ser dependente no plano de saúde. Logo eu, a última romântica, casei sem ter sido pedida em casamento, sem véu, sem buquê, sem saber se aquela era a melhor opção, mesmo amando a dupla e a companhia. No mesmo ano em que eu me casei, exatos oito meses depois, fui assistir a esse filme no cinema. Ao meu redor, caos: havia me tornado hedonista, egoísta, desejosa de toda e qualquer coisa que me anestesiasse e aplacasse a enorme solidão que eu sentia. Não foi culpa de ninguém, nem da nossa ingenuidade em acreditar que o amor seria suficiente. Acostumada desde a adolescência com a reportada semelhança com a Julia Roberts, foi ainda mais incômodo pra mim ver uma pessoa que até eu achava parecida comigo naquele papel, na angústia daquela busca, na dor que envolve toda mudança, no medo do desconhecido, na coragem desequilibrante de seguir em frente sem qualquer ideia de como há de se desenhar uma vida nova a partir de um minuto, de um dia, uma semana, um mês. A gente só sabe que tem que atravessar e vai, chorando, gritando pra ensurdecer o desespero, remando e olhando pra frente, mais magra, desbotada, cansada de procurar por cores em um filme concebido em preto e branco. Medo é combustível, adrenalina, força motriz das maiores reviravoltas - a vontade não dá conta sozinha, não. É o frio na barriga que te impulsiona, é aquela sensação pré-pulo na piscina, seguida do desconforto meio libertador no momento exato em que seu corpo inteiro entra em contato com a água gelada e a temperatura muda e o coração acelera pra, em seguida, você furar o teto com a cabeça e respirar e ver que a vida segue lá fora, e que tudo vai bem. Parabéns: você atravessou a onda de incertezas e agora já pode dizer com convicção que existe vida após uma decisão difícil - uma vida boa, com sol, chuva, tatuagem que fica e ousadia pra fazer verão em outro canto quando o frio se prolongar por tempo demais. Coma, reze e ame com sabedoria - e que mesmo com toda a disritmia, a travessia te traga paz.

segunda-feira, 15 de agosto de 2022

Away with the fairies

Num sábado nublado, deixei a casa ressabiada – outra vez a viajar sozinha, cansada, pro destino aquiescer. Ia atrás das verdades difíceis de engolir, difíceis de esquecer. Buscava aquela beleza longa, lenta, aquela que fica, que é toda sua, crua, e que pra tanta gente nada representa. Ressignificar histórias... deitar o corpo, fechar os olhos cheios de memória e pedir pra sonhar com sensatez. Em menos de um mês corria de um lado pro outro querendo a mesma coisa – afeto, família, lar... esperava o aconchego se aprochegar. Devagar, pequenices começaram a se formar com cor e cheiro de nuvens – quanto amor, quantas luzes se acenderam pra eu passar! Veio até mim um lindo menino e perguntou Por que você chora? Porque seu pai te ama tanto que já o amo agora – quis que o meu me amasse assim... não consigo ir embora. Segurou minha mão. Por que então te afastas? Fique aqui – só isso basta. Afaguei suas bochechas rosadas – Talvez você tenha razão, mas preciso saber onde dá essa estrada.


Caminhei sem medo, banhada de amor e fé que não se explicam, coração transbordando de benevolência. Ganhei o perdão que eu pedira, o abraço que há tanto buscava – pesquei a sorte de um amor correspondido com toda a paciência. Fiz juras, ouvi promessas, entendi que o que me interessa é amar e ser amada, sem medo; sem pressa. Fiz as pazes com o passado, reescrevi o capítulo que sempre havia dado errado... ganhei bons sonhos de presente. Acordei segura, confiante, consciente, vesti minha melhor roupa, ornei-me de belos enfeites e cheguei exultante à sua porta. As palavras estavam ensaiadas e tudo que eu pensava era no recomeço daquele dia, no fim da guerra fria que me mortificava. Meu pai não atendeu, não ligou, não abriu a porta – nada importava, para ele estava morta. Deixei gaiola aberta com terna dedicatória, dei meia-volta e tentei em vão cobrir-me de nem-te-ligo, semblante desfeito, lágrimas teimosas a molhar meu sorriso manso, amigo... a embargar meus passos duros de falsa vitória.

*Dedicado a todos os pais que amam seus filhos, e a todos os filhos que compreendem com qualquer tipo de gratidão o amor de seus pais. Esse dia dos pais foi diferente, sem nem ao mesmo a possibilidade de dar com a cara na sua porta... Foi estranho, vazio, triste porque não tenho a menor ideia de onde e como você está, pai. Com todo o egoísmo que me cabe, queria que a gente tivesse tido tempo de ter um dia dos pais diferente. Que os anjos cuidem de você - meus bônus-hora são todos seus. 

IPÊ AMARELO

Como ela é linda...

Sempre foi – passou pela vida sem saber.

Deixa eu te contar uma história. Era uma vez uma senhora que implicou com um ipê amarelo no meio de um jardim porque ele só floria uma vez ao ano. Senti uma pena estranha do que chamei secretamente de amargura – peso do que não se aceita. Pois se eu olhava praquele tronco esbelto cheio de braços a chamar o futuro e só me vinha cheiro de novidade e esperança... Por meses era guardador de orvalho, sereno, calor, vento e alimento para os passarinhos; aninhava flores outras pelo corpo esguio, gentil cavalheiro. Encantava-me o privilégio de quem tinha um ipê amarelo particular, a desabotoar seus grãos de sol pela grama afora, espalhando carpe diems pela casa – vontades de vestir-me daquelas flores e tecer com elas horas curtas e lindas como cada um daqueles dias de cor e festa. A espera era preciosa; faria-me apreciar o charme outonal daquele campo sem flor, saborear a demora. E de repente era um; depois dois; e num devagar constante iam pipocando amarelices pelos troncos delicados, sempre apontados para o céu. Nunca pensei viver de perto uma coisa tão bonita. Era uma vez um ipê amarelo que virou um toco porque floria pouco, canto vazio bem no meio.

É assim a vida, pai. Como o ipê amarelo, a gente demora a florescer, teima até entender que toda vez que olha pra trás tem algum beijo, algum sorriso. A espera é preciosa; nos faz apreciar o charme outonal do nosso campo sem flor, saborear a demora. E de repente é um despertar; um perdão; um pedido de desculpas; um eu te amo que faz chorar. Tinha também um bougainville que tapeteava a entrada com suas flores cor-de-rosa. Não tem mais; foi embora. Ah, mas isso é história pra outra história. Essa foi só pra te contar que a vida é curta de tão longa, e que agora é hora de florir nossas infâncias no bolso da sua calça, nosso amor, sua família, que o resto é pacotinho de memórias adubando a próxima esquina. Amo você, ipê amarelo.

sábado, 13 de agosto de 2022

Con-solo

 Mas o que é esse tal de amor? Pra uns, amor é segurança; para outros, paz - e para a maioria (afirmo no maior atrevimento), amor é aquele torpor gostoso, aquela onda alta, perigosa, mas que você quer surfar até o final porque bate um sino lá dentro do peito e o barulhinho é bom. Ainda que haja perspectivas químicas, psicológicas e espirituais sobre o que é o amor, o que ele não pode (sou atrevida mesmo, chupa essa manga) é ser morno. O amor não pode ser morno porque morno dói, porque morno é sinal de desatenção, de descuido, de sem desejo, sem vontade... de desafeto de corpo, de cabeça e de coração. Começa com um, mas o outro se cansa de nadar sozinho, de tentar sozinho, de estar sozinho num baião de dois. E por algum motivo mais estranho que os mistérios de Stranger Things, eles seguem juntos, descoordenados, duas almas sozinhas que foram ensinadas a serem felizes sozinhas, que a solitude é o novo hype. É esse o motivo, não tem mistério algum: temos sido ensinados que precisamos estar bem com nosso próprio ser antes de trabalhar em dupla. Já te disseram isso na escola? Nada! Pelo contrário: na escola a gente aprende que precisa da expertise do outro, da força do outro, da disposição, energia, alegria do outro pra construir nosso barquinho, a maquete da feira de ciências, pra fazer o macarrão do dia dos países, pra montar uma linha de acusação sem qualquer conhecimento de direito que vai condenar Capitu pra surpresa do próprio Machado de Assis. Na escola aprendi a entender a importância do outro em um projeto de grande porte, em um plano que, com falas emboladas e ideias várias, torna-se um majestoso estandarte à frente de um bloco de forró que conta com músicos, dançarinos, artistas, produtores, cada um com seu papel. Quando a gente pensa em uma banda, um grupo de dança, um filme, quando a gente se lembra de projetos que tinham tudo pra dar certo e deram foi com os burros n'água porque a gente decidiu fazer sozinho ou o resto do pessoal deu pra trás, a gente entende a importância do outro nas nossas vidas. Nem meu pai, que lutou tanto pra se isolar do mundo, deu o último suspiro desacompanhado - e tenho pra mim que, pra ele, fez toda a diferença. Pois que quando a gente pensa em se relacionar, vem um psicólogo ou um coach de relacionamentos cuja única formação são coleções de desabafos que ele transformou com palavras bonitas e te diz que sua independência e tenacidade assustam os homens; que você é areia demais pro caminhão de muita gente; que você nasceu sozinha e vai morrer sozinha, então tem que aprender a ficar bem sozinha na vida (e que atingir esse nirvana vai causar inveja nas mulheres mal amadas e pânico nos coitados despreparados dos homens). Aiai... Aqui vou eu desfilar minhas convicções ariscas pela sua timeline - já que esse é um espaço meu, deixa eu debater sozinha sobre a sozinhez (vocês já devem ter visto que eu adoro inventar palavras - aprendi com meu brother Guiminha desde o grande sertão e não parei mais :)). Pra começar minha reflexão, acredito que se acontecer de a gente partir desse plano sem companhia física no momento do desencarne, temos muitos companheiros encarnados e desencarnados que nos estarão guiando e amparando em pensamento - eu estive lá com meu pai sem estar; sei que ele não se foi só. Nascer sozinho, então, sei que a gente não nasce - somos amparados por um grupo de pessoas especializadas em nos ajudar a vir ao mundo, e ainda que desgrudem nossa mãe da gente, ela nunca (mais) se desgruda de nós - cá estou do alto dos meus 42 anos e meio pra te trazer essa verdade. Pois se até pra você virar gente na barriga da sua mãe ela precisa do seu pai... A gente nasce, cresce e, ao longo da vida, temos os laços de sangue e os do coração, e vamos, cada um no seu tempo e do seu jeito, tecendo essa teia de relações por toda uma existência (e nem vamos aqui adentrar a perspectiva espiritual que traz conexões de muitas vidas). Tem aqueles que a gente acha que nasceu conhecendo, tem aqueles que temos certeza que fazem parte das nossas vidas sem nunca terem feito, tem os que a gente queria que ficassem mas que se vão, tem os que deixam a gente ir sem cerimônia, tem os que querem que a gente vá; tem os que querem e se esforçam pra que a gente fique. Pela minha experiência: foque nesses. Olhe pra quem olha pra você de um jeito diferente em primeiro lugar - queira quem te quer bem, quem se faz feliz na sua companhia. Já compartilhei com vocês há mais tempo reflexões doídas sobre o coração de quem já amou uma vez, no Rowing. É doído porque quanto mais bonito, mais profundo, mais sincrônico e mais mágico, mais difícil é seguir em paz quando já não há mais aquela pessoa que representa todo o amor que você nem sabia que buscava de tão bonito - e é impossível (repito: impossível) ter isso outra vez. É o que eu e meu grupo de achismos arrogantes achamos, tu que lute pra nos provar o contrário ;) Quando a gente vive uma coisa inteira, sincera, mútua, quando a gente se entrega sem medo e partilha a intimidade de um jeito natural e se sente acolhida, protegida, desejada, mimada, linda na nossa singularidade, compreendida na nossa loucura, é como se o tempo abrisse uma fenda, um portal atrás da cachoeira, e tudo parasse pra gente amolecer o corpo, baixar a guarda e viver a lindura daquela coisa. E aí, depois de alguns anos e alguns encontros com pessoas especiais mas incompatíveis, você começa a pedalar de novo, e contabilizar suas horas de prazer e lazer consigo mesma, porque é assim que você vai se sentir plena. Você não é mais aquela pessoa ingênua que vive de ar e de amor - o amor não é suficiente, você constata. Elenca o que precisa em um relacionamento. Faz cursos de autoconhecimento pra não cair na balela do tal frio na barriga que não enche barriga de ninguém. Agora você se conhece; se cuida; se basta. Sozinha tá ótimo, poderia viver assim minha vida inteira (?). Tá bom, se cuidar e se amar são as bases do nosso bem-estar, de uma passagem mais confortável por essa vida, mas se bastar... Tenho certeza que eu me basto, mas me bastar não é suficiente pra mim, com toda a suficiência e filosofia que essa frase requer. Quero colo, quero fugir de casa, quero dormir aqui com você, quero alguém pra me abraçar quando eu estiver com medo, quando tiver um pesadelo, quero não precisar voltar depois das três. Quero companheiro de viagem, interlocutor, contador de piadas, ouvinte de desabafos, modalizador de críticas, dissipador de discórdias, desconversador de conversas que não alegram ninguém. Quero vetor de otimismo, incentivador sincero - quero sincero -- quero sincero. E quero o tcham que separa o amigo que é tudo isso e muito mais do amante que te desnuda com olhos sedentos de desejo, curiosidade, compreensão, afeto - amor. Sem isso, seu par é só mais um grande motivador da sua solitude, alguém que, com(o) você, torce pra acreditar que é possível ser feliz sem sentir, porque sentir está fora de moda, superestimado, clichê danado pra quem instagrama solitude e sofre de solidão.

quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Cruzadas

 ... fazia conjecturas das mais profundas sentado àquela mesa. Acompanhava-me uma garrafa de cerveja que, para minha tristeza, não esboçava qualquer sinal de condescendência ou reprovação. Era uma terça-feira morna e eu olhava em volta - mesas ocupadas por dois casais e uma pá de figuras solitárias (se bem que poderiam estar realmente somente sozinhas, mas sei que o drama em doses homeopáticas me cai bem). Mirei-me com os olhos de fora: camisa denunciando os agastares do dia, mãos levemente ressequidas, unhas pra cortar, calças pra lavar, cinto comprimindo a barriga num misto de culpa e redenção. Eu bebo sim... e daí? Apeguei-me a essa ideia do e daí que pode querer dizer e depois. A pergunta não é por que e sim para quê, meu jovem - overheard; overruled. O depois pede o antes e o antes até àquela hora já havia sido ruminado - digerido e reciclado - sem - pasmem - grandes (r)evoluções. Servi mais um copo e observei mais cautelosamente aquela cena. Pensava em criar histórias pra cada uma daquelas pessoas, mas rapidamente me dei conta que nenhuma delas queria voltar pra casa, que aquele era um momento simples de sossego, de pausa, de adiamento de conversas importantes com o espelho. Não entendia por que não podia simplesmente tomar minha cerveja, mangiar a ceia e esvaziar a cabeça. Beber já não era um jeito de escapar de mim. Xeque-mate. Eu me rendo - dessa bebida não provo mais. Com as ideias confusas e a vista turva de banzo e de noite, vi se aproximar uma menina; não, uma moça; não, espere, uma (jovem?) mulher. Uma jovem. Uma mulher. Uma mulher jovem, com roupas de quem mora perto, jeito compassivo, olhar frágil, distraído. Desconectado. Trazia consigo um cachorro, que buscava em cada passo a novidade, que nem mandava nem desmandava - estava ali, companheiro meio despreparado pra missão de cuidar dela, leal por afeto, por gratidão, porque a vida assim o fez. Trazia aquela energia caótica de quem quer sair, quer ficar, quer morar naquele abraço e abraçar outros cantos do mundo de uma vez. Volta e meia era freado pela própria coleira, que a jovem mulher (não consigo pensar em outra forma de chamá-la), a essa altura, havia sem alarde prendido ao pé da cadeira. Fiquei me perguntando o porquê de uma pessoa levar um cachorro a um bar e prendê-lo ao pé da coisa toda. Carência? Culpa? Medo do desconhecido? Enquanto eu me ocupava em julgá-la, ela colocou um livro grosso na mesa, abriu o livro na parte marcada e tirou dele uma caneta. Já havia ali uma cerveja e um copo pela metade, que ela tomava com tranquilidade enquanto olhava com atenção a página aberta. Ficou com a caneta na boca por um momento e começou a escrever no livro. Eram palavras cruzadas. Por vezes ela passava minutos inteiros olhando pra um ponto fixo; de repente, seu rosto se iluminava e ela saía escrivinhando pra qualquer lado. Tomou toda a cerveja, pediu um peixe, que dividiu com o cachorro, pediu outra cerveja com a delicadeza de quem pede uma taça de vinho em um lugar sofisticado e prosseguiu cruzando a caneta por terras inexploradas. Houve uma parada maior que o habitual. Ela forçava a vista, olhava pra cima... Respirou fundo, pesadamente. Foi até o final do livro, copiou alguma coisa e pude notar a frustração ética no retesar do seu corpo enquanto escrevia aquelas novas palavras, vocabulário que ela ainda não dominara, e, queria crer, por esse motivo não existia. Depois da ginástica mental, ela teve que olhar a resposta - fim da linha, bebê. O perfeccionismo vai te engolir viva, moça, tive vontade de dizer. Mais um gole, um suspiro, uma nova cruzadinha em branco. Resiliência. Resignação. Passatempo. Passa, tempo, que nessa atividade quase autista de adivinhar palavras ela vai marinando suas dores e seus dilemas em água morna. A cerveja acabou logo depois do peixe. Ela organizou os leftovers meticulosamente e, como em um ballet coordenado, pediu a conta, serviu-se do último copo e deu o último gole logo após o pagamento. Fechou o livro, tomou a coleira e foi por onde tinha vindo, sem bolsa, sem telefone, sem maquiagem, sem relógio, sem pânico, sem pressa. Tomou uma fatia de tempo como se ninguém ou nada mais existisse, como se a vida fosse uma peça que parei pra assistir quando ela parou docemente de insistir que mais alguém caberia naquela equação.