Mãe sofre. Mãe acredita nos seus filhos até o fim. Mãe desacredita também. Grita. Xinga. Mete a mão. Chama a polícia. Interna. É, mãe é gente como a gente, a fim demais de ter uma vida boa. Cada surto é um sopro de esperança; cada chacoalhada renova as ideias, borbulha o sangue que vai pro coração. Dizem que mãe tem que aguentar. Mãe tem é que se orgulhar, uai! Pôr pra fora uma massa enorme, desconfortável e, agora, dependente. Não deve ser fácil. Que ele coma primeiro, que durma primeiro, que seja feliz primeiro. De repente a mãe não tem vontade própria - e é condenada se tiver. De repente o filho é o centro do mundo e pronto. E mesmo com todo o ceder, não dá pra saber quando acaba o sorriso, o abraço, a chuva de cartinhas com desenhos coloridos... por que em uma mesma noite a rainha vira abóbora, saco de batatas? Relegada a segundo plano, ela resiste. É ela quem permite? Seria rechaçada se não permitisse? Do outro lado da sala, o pai - impassível, incólume... protegido pelo peso da tradicional inércia. Mãe é ser humano, gente que quer ser gente, viver com dignidade. Mãe quer criar os filhos e seguir a vida e esperar por dias bons, alguns milagres e poucas aventuras. Mães ficam amargas. Choram. Pensam em como seriam suas vidas se não tivessem sido mães. Ninguém pra cuidar além de si mesmas. Talvez por isso mesmo elas tenham sido mães - pra ressignificar as noções de tempo, espaço, necessidade, prioridade, sonho, centro de tudo. Será que eu não pude ser pra centrar tudo em mim? Mas não fica bem egoísta? O pior é não poder gerar um filho biologicamente e ceder sua liberdade de tomar um picolé no fim da tarde a uma pessoa qualquer, sem laços consanguíneos, sem direito adquirido, sem bandeira da paz a tiracolo, sem amizade no rosto, sem mãos sobre pedras. A cada terremoto uma erosão, uma fissura no terreno mal-embasado, um banho mais demorado que o usual, um chá pra você e sua cabeça, um pentear de cabelos com a mais pura introspecção. Mãe acredita e sofre, quer e reza, troca o certo pelo incerto, faz o impossível para cuidar, criar, esquecer de si só para lembrar do outro - mãe paga e padece e evolui e se enobrece. Que Deus livre do mal as que não tiveram o mesmo privilégio.
Esse blog é destinado a compartilhar viagens literárias, e está aberto a seres humanos e afins... Divirtam-se!
domingo, 30 de junho de 2019
sexta-feira, 21 de junho de 2019
Invernal
Hoje é o primeiro dia do inverno. Aniversário do meu amigo André Santana, que há alguns anos sumiu sem deixar rastro. Lembro-me exatamente do dia em que ele me disse Cheguei junto com o inverno. Partiu em pleno verão, devaneio praiano. A cada 21 de junho me lembro do André, do Stereographic, do trance darkzera que ele fazia. Era forte. Sabia que era elaborado, que era profundo, mas desorganizava as minhas ideias. Ele ficou famoso e mais tarde aquele som desorganizou as dele também. A balada. A droga. A bebida. A bebida. A bebida. A droga...! Tem gente com discurso pronto pra explicar que tem controle sobre isso. Deixa eu explicar uma coisa: ninguém tem controle sobre o vazio. The void. Não se trata de controlar o uso de uma substância que suga a sua energia hoje pra te derrubar amanhã - um verdadeiro knockout. Trata-se de controlar sua ânsia por um pouco de adrenalina, de invencibilidade, de descontrole... por uma vida menos ordinária. E assim vem o sexo desprotegido, a vulnerabilidade do não saber, o frio na barriga quando você acorda e nem imagina o que aconteceu depois das seis horas de ontem. A gente bebe pra esquecer e se lembra mais, se lembra enquanto o corpo derrete embaixo do chuveiro. De medo. De pena. Regrets. Ah, foda-se - amanhã vai ser outro dia e logo adiante lá estará você repetindo o ciclo. Tranquilo seria se você fosse um ser à parte, sozinho no mundo, sem amarras. Mas tem a sua mãe. O seu pai. A sua irmã. A sua esposa. Seus filhos? Olá, alguém aí acordado pensando nisso? Quando o André se foi eu pensei. Eram tantas mensagens no facebook, tantas pistas falsas, tantos "ele foi visto aqui e ali"... E do outro lado da tela a mãe e o irmão seguiam cada fio daquela meada ensandecida. Um dia ele era um cara dos mais bonitos, ciclista, saudável. No outro a paranóia virava de quando em vez o seu pescoço. Qualquer barulho era sinal de alerta. As pessoas estavam sempre armando alguma coisa. O mundo tornou-se um lugar opressivo demais. Sufocante. Na hora do sufoco bom mesmo é chorar aquelas lágrimas que doem pra sair; gritar bem alto num lugar distante; caminhar com uma porrada no ouvido pra virar feto com um mantra de relaxamento uma hora depois; falar palavrão por escrito; tomar sol, tomar chuva, tomar arco-íris na cara. Abraçar a sua sogra antes e depois do chá, do bolo com pão de queijo e daquela conversa, se perder naquele abraço que revigora, naquele laço que se criou no princípio de tudo. Abri a porta do elevador e senti aquele frio invernal balançar as folhas da minha saudade já latente, e quis voltar e dizer obrigada por tudo. As coisas parecem doer mais no inverno, como se todo mundo estivesse ocupado demais preparando algo bem gostoso pra comer sozinho antes de dormir.
quinta-feira, 20 de junho de 2019
Tell me what you'll see
Estado civil: recém-separada. Pela segunda vez. Tantas coisas pra dizer sobre tantas coisas, tantas situações e circunstâncias que nos definem e de repente parece que só isso importa - se você foi (mais uma vez) maltratada, traída, subjugada, ingênua, mesquinha, hipócrita... De que adianta todo esse ruído dentro do peito? Vozes que perguntam sem querer respostas, todas aquelas dúvidas disfarçadas de certezas bradando aos sete ventos. Você chora sem nem conseguir elencar os porquês. É o que acontece quando a gente pede pra ver. E eu, tão envolvida que estou com os estudos do evangelho e com minhas tarefas na casa espírita, me recusei inúmeras vezes a enxergar o que estava diante dos meus olhos. Mais um episódio de incompatibilidade. Um mais um não pode dar um, não mesmo. Mesmo com todo o meu orgulho, egoísmo e desejo de continuar onde estava, a espiritualidade não pôde me deixar quieta. Veja, Érika. Veja. Se houver obstáculo tão grande quanto o medo, peça a Jesus para te carregar enquanto ele te mostra que você precisa saber, precisa reagir, precisa sair daí. Com a cabeça às voltas, cheia de ideias confusas, eu vi. Vi o descaso, o abandono de si, vi o desrespeito. Vi a calúnia, a humilhação. Vi a violência, a ira, vi o peso da luxúria. Por dentro meus tecidos repuxavam, meus ossos craquelavam. O peso da dor acaba por trazer a mudança - porque quando dói você TEM QUE MUDAR. Mudar de casa, de telefone, de perspectiva, de hábitos, de sonhos. Até achei que fosse mais fraca, e consegui, no meio do furacão, abrir os olhos e me ver grande. Forte. Segurando rojão. Subindo e descendo com uma obstinação que veio da minha única vontade louca de ser feliz. Entre um minuto e outro, aquela falta de ar e o choro involuntário e a vontade de mandar pra puta que pariu quem quer que tenha me jogado fora na mesma sacola onde estava escrito "nossos planos". Caralho... Quem faz isso? A outra parte que comprou seus planos e enrolou pra pagar e acabou atrasando as prestações pra se dar um chapéu novo. If the cap fits, let'em wear it... Você deixa a chave sobre o balcão e pensa que quando virar pra abrir a porta, aquela sua casa vai voltar pro proprietário, aquele chapéu novo vai vestir outra cabeça e a sua vai ficar pelada até você encontrar aquele boné velho, perdido na mala da boa e velha eu. Poderia estar resmungando, reagindo mal, me entregando a um dia ruim, maltratando meu corpo só pra esquecer, em festa estranha com gente esquisita, mas preferi escrever um pouco de bobagens, tomar dois litros d'água, ler um pouco e me preparar para aquele momento mágico em que você entra no Netflix como se tivesse atravessado o portal de Greyscow e, mergulhada em adrenalina, começa a navegar pelos trailers e sinopses em busca da série perfeita, aquela que pede maratona de feriado. Bem destemida, né? Nada... Tenho tido muito medo das pessoas, porque elas buscam alegria onde a alegria não habita; porque elas não aprendem com a dor; porque elas não sabem chorar; porque de tanto traírem elas se atormentam e se traem; porque elas acreditam que a anestesia trará redenção. Até ter outras coisas pra me definir além do meu estado civil, prefiro diluir essa dor com água e esperar pelo dia em que alguém vai me dizer (ainda que seja em sonho) que eu passei de fase no vídeo game, que o sol está doido pra me acompanhar em uma caminhada e que assim que eu botar o pé na rua vou ver várias versões de mim mesma nos olhos de quem quiser me acompanhar. Vim, paguei pra ver e sei que a vitória já pediu o Uber :)
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