Certa vez um amigo me disse que para saber como eu estava ele checava meu blog. Pensei como, para um analista de profissão como ele, devia ser divertido traçar um perfil praticamente fidedigno com base no que eu escrevo. Expresso-me, é verdade, de forma muito transparente. Não sei se alguma vez escrevi alguma coisa que não condiz com o que eu penso - até os contos e os poemas têm uma acidez particular, ideias que saíram da minha cabeça, das minhas leituras tão peculiares de conversas no elevador, comentários no ponto de ônibus, awkward silences. E agora essas pequenezas do dia-a-dia simplesmente não existem mais. Há mais de dois meses o estar perto é restrito. Enquanto uns alimentam a paranóia, outros se deprimem. A gente bebe pra esquecer que desistiu do workout virtual, que o Netflix basta, que passar o dia de pijama é mais confortável que sair na rua. Tenho um novo amigo, um filhotinho de labrador que ia se mudar comigo pra uma casa com quintal. A cada dia de vida dele, o apartamento diminui e a preocupação aumenta. E enquanto minha vida passa, não deixo de observar que, em plena quarentena, a vizinha mal educada do andar de cima continua desfilando de salto pela casa. Não gosto desse apartamento - falta espaço, sobra barulho. Meu cachorro não pode passear - EU NÃO POSSO PASSEAR. Vamos os dois ter que aprender a brincar juntos nesse apertamento, até que possamos nos mudar pra algum lugar com um pedacinho de céu aberto, de sol pra nós dois. Sinto falta dos meus alunos, das minhas idas à academia, dos rituais da minha rotina, e ao invés de fingir que eu sei quando tudo vai ficar bem, comprei uns Chandelles, Passatempo, biscoito de maizena que eu AMO molhar no leite gelado, muito chá, torrada, água de coco e tapioca pra eu comer com queijo. Tenho uns amigos que só falam de política - todos torcem para o mesmo time e ainda tentam me convencer a "debater" com eles. Preguiça. Preguiça de conversa no zoom, de videochamada, de vídeo escroto, de vídeo fofo, de vídeo das filhas das minhas primas a cada 5 minutos, de fotos, de lives... de gente. Só não passo o dia inteiro sonhando com mundos melhores porque o Ziggy precisa comer, brincar e dormir no meu colo de vez em quando, minha bola branca de olhos azuis. Estou começando a achar que a gente se basta, e sinto um alívio estranho no peito ao pensar que podemos de fato viver assim, só os dois, à espera de um milagre - até a próxima encarnação.