Em 2018, minha querida tia Leléia teve um câncer na tireóide e eu fui a Brasília em janeiro para vê-la e visitar minha família. Para minha alegria, meu primo Leandro, que mora em Uberaba e eu não via há um tempão, também estava lá e já tinha agendado um horário com o Gustavo, tatuador famoso no Brasil inteiro por ser o mestre da caligrafia. Meu primo queria tatuar a assinatura do nosso avô no peito. Fui de curiosa, tomei umas e acabei saindo de lá com a palavra Attraversiamo na minha letra e uma pombinha no ombro direito (desenho e ideia dele a pombinha). O mais intrigante é que se você prestar atenção, vai ver que a pombinha meio que puxa a palavra com ela, como se quisesse alçar vôo pra fora do corpo - ou levá-lo pra um passeio que mudará sua vida para sempre. Foi o que o filme Comer Rezar Amar fez por mim. O ano era 2010. Tinha acabado de me casar após sete anos juntos. Passamos por algumas turbulências, vivemos nossa imaturidade dos vinte e poucos lado a lado e decidimos seguir o curso socialmente natural do casamento em cartório pra comprar casa, meiar as contas e ser dependente no plano de saúde. Logo eu, a última romântica, casei sem ter sido pedida em casamento, sem véu, sem buquê, sem saber se aquela era a melhor opção, mesmo amando a dupla e a companhia. No mesmo ano em que eu me casei, exatos oito meses depois, fui assistir a esse filme no cinema. Ao meu redor, caos: havia me tornado hedonista, egoísta, desejosa de toda e qualquer coisa que me anestesiasse e aplacasse a enorme solidão que eu sentia. Não foi culpa de ninguém, nem da nossa ingenuidade em acreditar que o amor seria suficiente. Acostumada desde a adolescência com a reportada semelhança com a Julia Roberts, foi ainda mais incômodo pra mim ver uma pessoa que até eu achava parecida comigo naquele papel, na angústia daquela busca, na dor que envolve toda mudança, no medo do desconhecido, na coragem desequilibrante de seguir em frente sem qualquer ideia de como há de se desenhar uma vida nova a partir de um minuto, de um dia, uma semana, um mês. A gente só sabe que tem que atravessar e vai, chorando, gritando pra ensurdecer o desespero, remando e olhando pra frente, mais magra, desbotada, cansada de procurar por cores em um filme concebido em preto e branco. Medo é combustível, adrenalina, força motriz das maiores reviravoltas - a vontade não dá conta sozinha, não. É o frio na barriga que te impulsiona, é aquela sensação pré-pulo na piscina, seguida do desconforto meio libertador no momento exato em que seu corpo inteiro entra em contato com a água gelada e a temperatura muda e o coração acelera pra, em seguida, você furar o teto com a cabeça e respirar e ver que a vida segue lá fora, e que tudo vai bem. Parabéns: você atravessou a onda de incertezas e agora já pode dizer com convicção que existe vida após uma decisão difícil - uma vida boa, com sol, chuva, tatuagem que fica e ousadia pra fazer verão em outro canto quando o frio se prolongar por tempo demais. Coma, reze e ame com sabedoria - e que mesmo com toda a disritmia, a travessia te traga paz.
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