Foi num domingo não tão distante que te vi pela última vez, olhos aflitos de quem não me veria mais. Não foi como num filme - seu semblante foi tomado pelo medo e eu o lia bem dentro dos seus olhos negros que ainda reconhecia. Num ímpeto, você tomou minha mão e a apertou com força, e por algum motivo entendi que você não queria que eu me fosse porque sabia que não me tornaria a ver. Em tão breves minutos, passaram pela minha frente nossas idas à fazenda, nossas férias animadas com conversas no alpendre e pé de moleque da vovó, a sala cheia de fotos da nossa história, de todos nós, a copa, o seu quarto enfeitado por um mural de momentos em que estivemos todos juntos. Lembrei-me das poucas vezes em que fui à igreja só porque sabia que você estaria lá, pra dizer a todo mundo que te conhecia. Inundaram-me a memória cenas de um tempo fácil ainda quando tudo o mais parecia difícil. Das gandaias às tardes tranquilas, fomos felizes ao nosso jeito. Por que é que pensei que te veria de novo enquanto você me dizia em sonhos que precisava ir? Ainda sinto sua mão frágil apertando a minha com firmeza, e eu me segurando e sorrindo e rezando pelo seu conforto em silêncio, e pensando entre quatro paredes que esse mundo é mesmo injusto, que você não tinha que sofrer assim. Você não. Você é meu avô, um homem forte e bonito... um homem bom. Gostaria de ter te dado a mão, te ajudado a atravessar; gostaria de ter podido te dizer para não ter medo, mas acho que na hora certa você laçou a morte como cavalo bravo, montou em seu dorso resoluto e foi devagarinho rumo à porta do céu, aos braços de Deus. Aqui, fica a saudade. Te amo, vô. Boa viagem.
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