Era uma quinta-feira. Já passava das 15 horas e eu procurava aflita uma vaga nas redondezas do consultório. Cheguei esbaforida à portaria; a zeladora sorriu um sorriso de solidariedade (faltou uma palavra melhor) e abriu o portãozinho de ferro para que eu pudesse passar. O elevador chegou logo. Oito andares depois, lá estava eu, em frente ao número 803. Diferente das experiências que me faziam pesar prós e contras, como tomar banho em água fria, pular de ponta na piscina, trocar de roupa no inverno ou nas férias, essa não trazia necessariamente aquele sentimento de "valeu a pena". Falar de mim, tocar nas minhas feridas mais íntimas, senti-las arder e por algum motivo não conseguir tirá-las de lá... nossa, isso pode ser muito martirizante. Carência, solidão, medo, tristeza, desespero, vazio, dúvida... Ei, Érika, tudo bem? Gulp! Nada dá mais medo do que enfrentar o desconhecido quando o desconhecido é você mesmo. O mobiliário não era exatamente acolhedor, mas talvez fosse essa a proposta - nada de relaxar demais: vamos direto ao ponto, for time changes the size of my pocket. O profissional tinha sempre um ar cansado difícil de explicar. Não era cansado do tipo can't stand it anymore; era mais um "você está pra gritar bingo há um ano, minha filha - presta mais atenção ao jogo pelamordideus!". Convencionalidades à parte, adentrei a saleta e busquei o sofá como de costume. Aquela coisa de deitar no divã me dava uma sensação de que eu era uma pobre coitada lamurienta - ainda que eu fosse, o estigma não me caía bem. Tirei os sapatos, cruzei as pernas e recomecei (sim! REcomecei) a listar minhas insatisfações, como a percorrer um caminho conhecido, um labirinto do qual, por algum motivo, eu não podia (ou não queria?) sair. Nadei meus 2000 metros rasos habituais naquela piscina térmica de desgostos e dilemas que vinham bem a calhar, quando o profissional saiu da sua cruzada de pernas passiva, trouxe o corpo pra frente, direcionou um olhar fuzilante ao meu par de olhos pseudoinocentes e disse: você já parou pra se perguntar o que é que você quer? O que você quer? Pergunta boba, pensei. Sabia que não precisava responder naquela hora, que ficar calada e parecer confusa era o esperado, que após 10 segundos no máximo ele diria Semana que vem? e se levantaria devagar pra eu ter tempo de pegar o dinheiro da seção na carteira. Aí então ele guardaria o dinheiro em algum lugar próximo sem alarde e, calmamente, se dirigiria para a porta e repetiria o dia e horário da próxima consulta enquanto apertaria a minha mão breve e cordialmente. Foi exatamente o que ele fez.
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