segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Os onze mandamentos

Julio nasceu assim: pobre, puto e com nome de imperador. Ferrou a vida aos doze, quando decidiu que seria artista de televisão. Fez o que lhe foi possível com muita maromba e pouca instrução: foi bailarino, amante profissional e personal trainer antes de a sorte lhe sorrir: havia sido contratado como gerente operacional de uma campanha política  assaz promissora - a ponte certeira entre ele e a multidão. Deu o sangue que nenhum político jamais pensou em dar, mobilizou mundos e fundos do seu universo particular por um ideal (além da grana) desconhecido. Seu candidato tão aclamado, tão querido, perdeu a eleição, e consequentemente ele simplesmente não recebeu um centavo pelos muitos dias de suor. Rebelou-se e foi para a Praça Sete mostrar ao mundo que não tinha vindo a passeio. Levava na mão uma tocha de fogo; na bolsa restos de material da campanha, a Biblia e um discurso sobre os onze mandamentos. Lembrou-se do pai, da velha história que insistia em contar: primeiro ele explicava cada um dos dez mandamentos em detalhe, para logo depois anunciar o décimo primeiro - seja um político que você pode mandar os outros dez pras cucuias! Seu José dizia isso e ria-se da pilhéria; fazia piada do infortúnio coletivo que há anos se arrastava como uma doença sem cura.  Ele é que sabia viver, agora Julio entendia. Encheu o peito de coragem e aproximou-se dos  irmãos: queria contar sua história, dizer que era possível, organizar a luta. Queria o rádio e os jornais, a fome por justiça tirou-lhe a malícia. Pouco  pôde fazer no entanto - o que é que um camarada forte, bem vestido e por demais bem apessoado fazia ali, falando de política, levantando bandeiras? De modo que alguns cidadãos comuns, tão insatisfeitos quanto temerosos, tomaram de Julio a tocha que levava consigo e o amarraram de costas para o Pirulito, antigo ponto de encontro onde outros cidadãos comuns faziam suas reivindicações. Caçoaram dele, disseram que nem Jesus era tão bonito. Atearam-lhe fogo. Como Jesus, Julio não reagiu. Antes de morrer, com decência e dificuldade, ele olhou para o céu e rogou a Deus: quando se refere à política, perdoai-lhes, Senhor - eles nunca hão de saber o que fazem...

Um comentário:

  1. impressionante como escolhas pessoais e púbicas ainda hoje se misturam... (talvez sempre tenham sido assim, mas enfim...) simplesmente onipresente é o que se espera de um semideus intitulado politico, porque a ele não basta fazer o certo, mas sim convencer a todos que correto é o que foi feito... fanatástica crítica, petulante e revigorante em tempos de aceitação!

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