Hoje meu pai me disse que estava doente. De novo. Me doeu tudo por dentro. Que coisa essa de sentir, né? A gente diz que é primitivo pra não admitir que é involuntário, incontrolável... Ouvi, ouvi, ouvi, desliguei o telefone e comecei a pensar. Fazer sentido de todo aquele sentimento. Ele me ensinou a andar de bicicleta, a ser atleticana, a tomar leite puro gelado. Mas não estava lá enquanto eu crescia e virava uma pessoa. Culpava minha mãe pelo que eu fazia de errado - e nunca ocorreu a ele agradecer a ela pelo que deu certo. Hoje ele tem gota e eu tenho um vício chamado leite gelado puro no copo bem grande. Hoje ele tem diabetes e eu gradualmente tenho gostado mais de doces. Hoje ele não pode beber, enquanto eu ando bebendo um bocado. Hoje os rins dele reclamam enquanto os meus me mandam sutis advertências. Hoje o coração dele anda cansado - e o meu coração dói muito. As vistas dele pedem agora uma operação; as minhas não mais operam milagres. Hoje tudo isso aconteceu, e na falta do que dizer, para quem dizer, eu me aborreci. Fiquei triste, magoada, furiosa por causa desse sentimento inesperado. Pensei no meu pai, no que ele me disse, nas memórias, e fiquei confusa. Minha cabeça doeu tanto que tive que fechar os olhos e pedir a Deus para que, pelo menos aquele dia, conseguisse dormir.
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