Um dia desses acordei com um aperto no peito; doía, doía, e não passava.
Um médico me disse que teria que fazer alguns exames, e culpou uma possível arritmia.
Um professor me disse que era stress bravo e culpou os alunos, esse bando de degenerados que não respeitam nada, que um dia vão matar a gente de enfarto fulminante.
Um personal trainer me disse que poderia ser algo muscular, e culpou a falta de alongamento.
Uma cigana disse que certamente haviam feito um vudu, e culpou a inveja alheia.
Um pai-de-santo disse que eu estava carregada, e culpou um espírito obsessor.
Um playboy me disse que era falta de malhar, e culpou minhas prioridades.
Uma mãe me disse que era hora de ter um filho e culpou meu marido, porque homem é foda.
Uma psicóloga me disse que era falta de objetivo e culpou minha inércia.
Um amigo disse que eu tinha bebido de um jeito errado e me ensinou um exercício (culpou os mistérios do corpo humano, as falhas da medicina e as imperfeições de nossa raça).
Uma curandeira disse que era um foco de energia ruim que precisava ser dissolvido e culpou minha falta de pensamento positivo.
Uma astróloga me explicou que isso geralmente acontece perto do aniversário, e culpou meu inferno astral.
Uma amiga me convenceu de que eu havia passado o dia soluçando e culpou minha memória.
Minha mãe me disse que era falta de alimentação e culpou minha correria.
Meu pai disse que eu não tenho mesmo jeito, e culpou minha essência.
Olhei-me no espelho. Ele me examinou com calma. Enxergou a minha mágoa, o meu cansaço. A imagem refletida me olhou com ternura e respirou fundo - abrigou minha alma sozinha. Os olhos me disseram que eu vejo culpa em tudo; a boca sorriu como se isso não fosse importante. Meu coração parou de bater.
Quão imprevisível pode ser uma frase? Quão imprevisível pode ser um texto? Excelente ou mais que isso...
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