segunda-feira, 5 de abril de 2010

Corrente

Faltam três dias pra você se tornar uma pessoa melhor, né? Eu sei... Três dias e lá estará você, olhando pro alto, mandando um adeuzinho pra essa gente hipócrita de cima da arca de Noé. Enfim não duvidarão da sua realidade insólita, do seu português inventado. Vejo o brilho nos seus olhos carnívoros ao imaginar todas aquelas pessoas mastigando tão a contragosto seu dia-a-dia arrastado, decomposto, hepático. Você não. Já deu uma banana pra eles faz tempo, já pensou em tudo. Olhe só pra você: agora anda confiante, passo firme, banho tomado. Em três dias estará tudo resolvido. Quem é que precisa ser convidado pra essa festa pobre, pra essa mentira febril que mata devagar e faz-se necessária - quem é que precisa dessa redoma de medo chamada sistema? Você quis que eles enxergassem, mas nada viram. É difícil enxergar o que não se entende, você diz pra si mesmo. E espera. Sabe que quem acredita sempre alcança. Tudo mudou depois daquela carta. Como obra do acaso divino, ela chegou até você. Um pedaço de papel como outro qualquer - branco, pequeno, discreto. Uma pessoa mais sensível às coisas da Terra até poderia dizer que ele escondia timidamente seu precioso segredo de forma modesta, emborcado daquela forma. Um presságio, você sentiu na brisa que te acarinhava o rosto. Tudo era bonito, tudo tinha razão. Sentiu-se vivo. Incrível resistir; incrível desistir. Abriu o papel com calma, sufocou o êxtase com cautela. Lá estava: uma oração. Naquele momento você acreditou em Deus; evocou o santo daquela mandinga de olhos fechados, piamente fervoroso. A resposta, você sabia que estava lá. Abaixo da oração, uma ordem: faça um pedido. Sem conter as lágrimas, você fez. Sabia que eles viriam! Passe essa mensagem adiante e seu pedido se realizará em três dias - essa foi a última frase da sua passagem para a salvação. Três dias parecem uma eternidade pra quem nunca deixou de sonhar.

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