Eles haviam sido separados por uma guerra que não deixou nada, a não ser medo e angústia. Foi-lhes tomada a família numa manhã de abril, durante o café, e o pavor fora sufocado pela chuva que caía sem cerimônia.
Quatro décadas depois, ele se lembrava exatamente daquele dia enquanto tomava seu café. Olhou para a aliança que mantivera em sua mão esquerda e sentiu saudade. Fechou os olhos para tentar imaginar o rosto dela. Eram dez horas, e o silêncio da livraria permitia que ele se lembrasse de cada detalhe. Lembrou-se de seus olhos apertados e serenos, muito azuis, de seu sorriso sincero... singelo. Sonhava então, e concentrou-se para sentir seu perfume. Como eram perfumados aqueles cabelos... Queria chegar mais perto, queria sentir o calor de suas mãos, e foi se aproximando lentamente, com muito cuidado para que aquele momento não lhe escapasse.
Ali, no meio dos livros, de olhos fechados, pôde sentir de novo o cheiro doce dos cabelos dela. Emocionou-se. Com paciente e contida euforia, assistiu ao encontro de mãos tão conhecidas. Sentiu o calor de suas mãos tão pequeninas e macias, sentiu o grande anel que ela carregava para selar o amor que um dia batera-lhe à porta. Tinha o coração aos pulos... Abriu os olhos.
Alguém segurava sua mão. Viu aquele anel cintilante brilhar na mão pequena que apertava a sua. Ergueu os olhos. A senhora chorava. Ele recompôs-se devagar e olhou dentro dos olhos dela. Ficaram assim por algum tempo, de mãos dadas, olhando-se com ternura. Abraçaram-se longamente e choraram em silêncio.
A chuva caiu.
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