Sentamo-nos à beira do adeus, eu e ela. Fazia frio, havia chovido e os cabelos dela ainda estavam molhados. Pedi a câmera, queria fotografá-la sob vários ângulos, mesmo que nunca chegasse a ver as fotos. Só queria vê-la dentro daquela lente de longo alcance, enxergá-la pela última vez naqueles jeans surrados, afofada pela quantidade de jaquetas, descabelada como sempre... Aqueles olhos negros, pensativos, ora tão tristes, ora exultantes de delírio, aqueles olhos me diziam tudo, me eram insuportavelmente sinceros. Intoleravelmente ardentes. Quando a vi pela primeira vez, senti algo estranho, um certo incômodo. Aqueles olhos! Ela me fitava sem pudor, como se já me conhecesse. Conheceu-me de fato, e um dia, após receber em mãos uma carta sua, descobri que ela me lia. Via em mim coisas que me deixavam sem ar, abria portas sem pedir licença. Aqueles olhos me dissecavam como se eu fosse um animal raro. Toda ela brilhava. Sem entender, sem conseguir me expressar a respeito, tomado pela surpresa e por um prazer diferente, me deixei levar. Eu a ouvia e achava graça, tentava explicar a ela o que não se explica, me gabava ao notar o fascínio que exercia sobre ela, pobre anjinho torto... Por muitas vezes quis sumir, acabar com tudo aquilo. No dia em que me peguei respondendo a um chamado dela, depois de algum tempo de reclusão, percebi que tudo estava perdido. Ela era minha e eu era dela de alguma forma. Em um dado ponto, de certa maneira, comecei a pensar nela; de um jeito angustiado, indefinido, a contragosto. E agora ela me olhava e sorria. Somos amigos, pensava, e dava mais um gole na cerveja gelada e agradável como a noite. Ela dizia tanta coisa, falava como se o mundo fosse acabar. Eu pensava, tentava lembrar. O tempo passava e ficava a cada dia mais confuso; o tempo passou, eu pensei muito. Pensei tanto que acabei ali, trocando idéia numa mesa de bar, pensando se a cerveja é que estava muito gelada ou se realmente algo me doía por dentro a cada respirar, a cada engolir. Eu gostava dela. Mais do que eu poderia. Porque quis colocar esse sentimento em uma moldura para olhá-lo e suspirar de vez em quando, só o tempo irá dizer. Porque não é certo, porque não daria certo, porque não falamos a mesma língua, porque... Entre o sim e o não estava ela, a me olhar com seus olhos curiosos. Ela gostava de mim, eu quis dizer alguma coisa... O tempo vai tomar conta disso. Seis meses, um ano no máximo, e não passaremos de uma memória distante um para o outro. Foi o que consegui dizer. Precisávamos de mais tempo. O tempo sempre ia contra, um inimigo de peso, nos pregando peças, nos tirando o chão, jogando sujo. Não sei, mas se tivéssemos mais tempo... Abri os olhos e ela me dava um último aceno. Tentei sorrir, tudo doía. Soprei um beijo que levou um segredo. Ela sorriu, beijou-me no ar, ao longe... e se foi. Fiquei preso a uma lembrança, perdido na hora errada... Talvez para sempre.
What can I say?
ResponderExcluirRobson Ebid