Um dia desses você me disse que não sabia dançar. Espremi essa informação dentro de um minipoema que você me recitou pouco antes: não me acostumei a viver sem amor. Não eram essas as palavras, eram muito mais bonitas, perfumadas pelo vinho que dividíamos em uma bela tarde de sol. Imaginei o próprio paradoxo: uma vida do tamanho da minha, com calor e sem dança. Tenho certeza, Ivan, que vocês dançaram pela vida afora, rindo-se dos aforismos, dos moralismos, rodopiando por um salão verde de cetim, esperança de quem não espera, andança cariciosa.
Nos que têm saudade, deve haver, penso comigo, um senso de mission accomplished, de vim, vi e venci. Deve ter cheiro e gosto de vivi e senti algo bom a ponto de ser preservado. O tempo passa e nele pendura-se um mural de memórias que a gente aperta os olhos pra acessar, pra buscar no escuro do fim a sobriedade, a eternidade de um breve soluço dos dias. Agarramo-nos àquele fragmento de lindura que repentinamente nos aquece e ficamos ali, gangorrando pelo passado que escorre vermelho na taça vindoura... Dançamos entre línguas e planetas enquanto arrulhamos sobre novas rolhas; seguimos empunhando, empurrando o car(r)inho das lembranças por mais um logo ali.
Como você, querido Ivan, também não me acostumei a não ser amada - e talvez por isso mesmo seja ainda hoje, desde sempre, tão arisca. Minhas saudades são invisíveis, são impossíveis, difíceis, duras, imaginárias - intraduzíveis. Hoje poso cansada à frente dessa promessa de saúde, de beleza e juventude que numa bela tarde de sol teceu-me juras indizíveis. Por dias me autorizo a não tentar nada que me indignifique ou me perturbe - hoje não; amanhã fico por aqui. Na entressafra da falta o sorriso é tão sincero quanto a vontade de contestar esse mosaico desconstruído, involuído, cacos banais e austeros dos meus (des)afetos perdidos, caídos por aí.
Que samba de uma nota só é enredo pro desalentado; que o sim que não vem já é não em si mesmo; que morrer de amor é papo de desavisado; que sentir saudade é viver a esmo... Feliz daquele que, ao se lembrar, sorri.
De tanto buscar amor no outro me esqueci de amar a mim, e hoje me pergunto se de fato, em algum momento dessa vida tão grande quanto a sua, busquei alguma coisa além da minha própria independência, da descolonização da minha alma colonizada de underdog, escape goat, stray cat, white trash. Sorrisos encantam, mas os olhos não mentem. Nem os vinhos. Lucky me.
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