quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Brancaleone

Mal cheguei e fui abraçada pelas folhas secas que se aninhavam bem na porta de minha casa. Aproximei-me delas porque achei que por algum motivo elas queriam me dizer alguma coisa. Fiquei ali por algum tempo tentando compreender os ruídos que vinham da rua - cães, mães e todos o tipos de parasita ronronavam seus bordões, seus carrões, suas televisões idióticas. Olhei de soslaio para a guarita; pensei em chamar o vigia para um forró ou uma queda de braço. Quis gritar ali mesmo que ler a Ideologia Alemã é imprescindível para se compreender Marx e compreender por que ele está errado, que quem semeia desejo colhe opressão*. Seria um feito memorável, digno de admiração e horror. As opiniões se dividiriam com certeza, mas quem estivesse comigo haveria de estar até o fim. Lutaríamos contra o desrespeito e entregaríamos papeis pregando o amor e a cidadania às mães que estacionam o carro em fila dupla na porta do Instituto da Criança. Mudaríamos toda a sistemática do bairro, e nossos novos irmãos seguiriam conosco rumo à recivilização da avenida Prudente de Morais e arredores. Não tardaria para termos apoio das mídias: restituiríamos à cidade o silêncio, o bom senso à frente do volante e os bons fluidos que serviriam de base para futuros debates sobre a convivência social, o limite do outro e, por último, a educação dos povos. Caminhei trôpega pelos degraus, e ao cruzar a porta já não sabia mais o que vinha a ser uma folha seca. Lembrei-me de Brancaleone - com um copo de leite, meia dúzia de biscoitos e um banho quente, até que ele teria sido um bom sujeito.

*trecho de A elegância do ouriço

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