Antes eu achava que Deus sempre sabia o que estava fazendo. Que mesmo com esse mar de gente ele estava também de olho em você. Você, aquela pessoinha emputecida que acha que tamanho não é documento mas adora gente grande. Você, que quer falar pra todo mundo tudo o que se passa, passaria ou passou pela sua cabeça nos últimos trinta e poucos anos. Você, que à primeira oportunidade de lazer, sai pela rua como um cachorro doido que só passeia uma vez por mês, e quer interagir com todo mundo que aparece. Você tem tanta necessidade de extravasar que acaba se perdendo por aí, pisando nos próprios pés, arrumando calos garganta afora. Você fala em verborreia - eu chamo isso de overdose do discurso.Você fala tanto, mas tanto, mas tanto que um dia tem que parar de falar por uma questão patológica - aquela voz que enche os lugares e modifica as pessoas... acabou. Como consequência, você é obrigado a passar um certo tempinho olhando pra si, ouvindo. Se alguém se convenceu de que o que hoje te impede de falar é o tamanho dos sapos que você engole todo dia, eu te digo que o que eu vejo é a mão de alguém a te tampar a boca, a te olhar nos olhos, a te dizer "não; agora não; ainda não; de novo não - entenda". Você fala em patologias - eu penso em intervenção divina. Numa tarde ensolarada de fevereiro, com vinte e poucos anos e dez reais no bolso, fumei tantos cigarros de uma vez que o dia virou noite de repente. Nunca mais consegui sequer segurar outro - nem pro amigo amarrar o sapato. Pela primeira vez foi-me tirada a voz, e pude ouvir com clareza as batidas do meu coração, a cadência do meu respirar, o barulho da rua, vozes de tanta gente ecoando pela minha cabeça, uma disputa emocionante de sentimentos a inundar-me o peito. Religião e religiosidade à parte, antes eu achava que Deus sempre sabia o que estava fazendo. Agora eu tenho certeza.
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