Viver é difícil, sabemos bem. Difícil mesmo, contudo, é não esperar em nada nem ninguém. Criam-se sonhos mudos, segredos parrudos na imaginação; a boca sorri um tudo bem enquanto os olhos falam só que não. Assim é quando a gente aperta dentro do peito o desejo de gostar, quando a gente engole seco a vontade de falar que quer, que vai, que se vê ali depois de amanhã... Chamam de responsabilidade afetiva não permitir que o outro espere em você - mas e se for exatamente isso o que você quer? Planos loucos, projetos descabidos que cabem certinho no seu coração - vontades de corpo, de alma, de amizade sincera, de afeto que espera pra virar lealdade, respeito, liberdade, deveres e direitos, via de mão dupla, perdões e desculpas, doce emoção :) Quem espera sabe que plantou flores de sonho pra colher verdade... e que um belo dia, em pé no alpendre, vai ver lá longe a cor da felicidade. Viver sem esperar é impossível - quem diz estar vivendo sem expectativas está cobrindo seu castelo de cimento com areia invisível.
Esse blog é destinado a compartilhar viagens literárias, e está aberto a seres humanos e afins... Divirtam-se!
segunda-feira, 21 de dezembro de 2020
terça-feira, 27 de outubro de 2020
Com amor e com medo
É assim que eu vivo: uns dias com mais amor, outros com mais medo. Fiquei feliz ao ver que a paranoia do Raul está também (d)escrita pelas linhas da minha vida. Se Deus nos acompanha todo o tempo, como é que a gente respira sem pensar nessa falta de privacidade, que nem no show de Truman tinha pay-per-view sem edição? Se alguma coisa da minha cabeça cai numa folha de papel ou vira recado virtual, bate a angústia de A contar pra B sem a minha permissão. Fico querendo falar de amor com medo de quem vai ouvir, meditando e sonhando sem me dar sequer o direito de me distrair... Quanto amor abrigo no meu ser! E quanto medo de ficar presa em minha própria caverna do dragão... Nesse mundo redondo de tão quadrado, nesse dia curto e espaçado, calor e medo, amor azedo tornam abafada minha intenção de comer bem e dormir cedo, de amar além e trocar - já não é segredo - a culpa pelo perdão. Um dia hei de abrir essa porta que conecta o peso do dia-a-dia ao meu desapego. Até lá, que o medo se agaste, se desgaste e que o amor dê um xeque-mate na insatisfação.
sexta-feira, 23 de outubro de 2020
Dedo de moça
Num sopro de vida, a gente vira a folha, bem sem querer nada... Sente-se cansada, casada, infundada - o fim da discórdia a cada nova rolha. Sol de anestesia, goles de água fria pel'alma gelada... Ao sair da bolha, pílulas avant-garde de cada dia... Terapia que desmonta, desconcentra, abarrota a cabeça tonta desde a placenta até o fim do mundo: reza santa em terra de cego sem rei revolvendo a revolta do mar profundo. A cada partida uma despedida de quem nadou fundo em água cristalina de torpor e mágoa... Do céu cai a água que te purifica, que te mumifica e rola bandida por suas faces ora contidas, simples, rosadas, cheias de fadiga, saídas de um conto de moça boba, pudica, que ao dormir entrega seus cabelos aos mais belos pentes de fadas. Num sopro de vida, a gente se sopra e reza pra cair pra cima; rola, se esfola, volta aos tempos de menina crua, cheia de pureza genuína, que ria e achava que o mundo era baião de dois; que a vida, lá no fundo, era muito mais que baby-liss e pó-de-arroz. Depois o nós vira eu e Deus, esperança de sonhar o sonho que ontem me pertenceu, de calçar um sapato folgado. De apertado chega o nó preso à garganta, a impotência que me afronta diante do mero estar - de me enxergar tão pequena quando o que vale a pena é se entregar. Amar desse jeito crava no seu peito um buraco ateu - sem choro nem vela, despenca singela a fé naquela história, fruto da beleza, do sonho, da glória que Deus prometeu. Coração medonho, rouxinol tristonho a se procurar - guerra inconsciente do que é presente com o que vai passar. Num sopro de vida a gente respira... e sorve o que não fira tato ou paladar.
quarta-feira, 14 de outubro de 2020
Ziggy e eu
sábado, 3 de outubro de 2020
Chama
Vivi felicidade fina
Com jardim, piscina
Sonho de pequena.
Molhei-me dos pés à cabeça
em baldes de água fresca
pel'alma morena.
Sonhei que volitava alto
e bem dentro, de um salto
compreendi enfim
que a vida que nos vem terrena
vai valer a pena
sem jardim, piscina,
sem ouro e sem mina
se eu cuidar de mim.
terça-feira, 29 de setembro de 2020
Borboleta pequenina
Vi uma lagarta escalando a parede
a passos curtos, cheia de pernas -
sem pressa e sem preguiça.
Saiu de sua casa engraçada
querendo virar borboleta
indócil, mestiça.
Sem não e sem pare ela vinha
Deslizava pela pedra fria
Atravessava.
Sem barreira ela não se detinha
Pés descalços em marcha de um dia
Direcionava.
Vai nascer bicho livre na rede,
sem fome e sem sede,
sem vida comum.
Vai-se embora num sopro da noite
sem coro e sem dono
sem pesar algum.
domingo, 27 de setembro de 2020
SubstanDIVA
Olha só que coisa: tive que assistir a umas mais de cinquenta lives, ler uns 8 livros e milhares de comentários no youtube pra entender que é possível listar dez motivos diários para agradecer. Em alguns dias, confesso que é bem difícil chegar ao dez. Lá pelo quatro já começo a espremer cada momento em busca de algo bom. Agora vem o mais intrigante: percebi que na verdade nossos motivos pra agradecer encheriam uma folha em poucos minutos a cada hora em que decidíssemos fazer isso... e a dificuldade está intimamente ligada ao peso que damos às situações ruins, ao que não aconteceu como o esperado, ao que nos tirou do prumo, da tranquilidade que tentamos construir logo de manhã, com uma meditação, uma prece, uma lista de tudo o que faz com que nos sintamos abençoados. A pedra no sapato afeta mais que o vento fresco atravessando uma onda de calor; mais que as roupas leves e os calçados mais confortáveis que contam um pouquinho de você e te levam pra passear do melhor jeito... dói e você se esquece do dia de sol, do chá com bolo, de que você está voando solo porque, diferente da andorinha, você é capaz de fazer verão e correr pro abraço da primavera.
Curioso pensar que fiz terapia minha vida inteira pra tentar me convencer de que sou uma pessoa boa. Esses tais defeitos trucando coerentes julgamentos... Uma vez fui chamada de inofensiva. Até hoje me vejo às voltas com esse adjetivo! É fato que não causo ofensa ou mal aos outros (pelo menos não deliberadamente), mas (será que sou só eu? Pensem aí vocês:) essa palavra me dá um certo desconforto porque me passa a impressão de submissão, de passividade. Minha tranquilidade foi muitas vezes confundida com uma submissividade (submissão + passividade) que não me habita, não me pertence e definitivamente não me representa. Outro dia, durante uma constelação, precipitei-me a responder "quem é você?" com adjetivos - e descobri que a nossa raiz é, de fato, substantiva. Sou filha de alguém, neta de alguém, bisneta de alguém. Sou parte de uma engrenagem que vem girando muito antes de eu entender que precisava nascer e honrar essas pessoas que me abriram o caminho pra crescer na dor e na luta. Não me disseram que seria fácil ou que eu teria que suportar isso ou aquilo. Suportar não me cabe - entala no quadril, aperta o joanete. Suportar não me atende. Em sincerês trivial: tenho vergonha do que já suportei, do que já me permiti viver, e me invade um incômodo pesaroso até cada vez em que penso no que já ouvi, no que deixei acontecer. Engoli o antinatural como alguém sem referência, sem essência de lutadora, vencedora, doadora de boas energias e suaves memórias. Carrego no sangue a escaldante fervura de mulheres à frente de seu tempo que desconhecem suas sete léguas de vantagem. Corro na contramão do improvável procurando pouso, cansada de arremessos, tropeços, contínuos e incansáveis recomeços.
Se chama de dentro, procura sua essência de óculos até encontrar. Olha bem...até se enxergar substantiva aumentativa singular.
quarta-feira, 20 de maio de 2020
Forrest Grump
quarta-feira, 15 de abril de 2020
Enjoei
sexta-feira, 27 de março de 2020
Onze dias
segunda-feira, 16 de março de 2020
Quarentena
segunda-feira, 9 de março de 2020
Medo de flor
E o que você precisa para evoluir? Me diz o que você precisa pra sair daí?
Vejo a forma como a sociedade foi instituída no que diz respeito ao papel de homens e mulheres no mundo, e percebo com espanto o que algumas religiões e ideologias, em pleno século XXI, ainda esperam da mulher: submissão, permissividade, amor incondicional, esforço irrestrito... padecer no paraíso ou florescer no inferno? Não vou ser nem a primeira nem a última a te dizer: o inferno é aqui. Um velho amigo que trabalhou como médico em Moçambique me disse certa vez: I'm in hell. A violência, o ódio, o desprezo, a inveja, a luxúria, a intolerância, a imprudência, a maledicência, tudo isso está bem diante do seu nariz. Opa! Diante do seu nariz se você decidir se olhar no espelho pra início de conversa. Somos todos dignos de um bom nananananão. E de repente as mulheres odeiam os homens, os vilões, opressores, tiranos, feminicidas, fascistas dos homens. A merda do patriarcado é a bola da vez. É uma merda mesmo, e em meio a discursos de ódio, eu me pergunto: as mulheres se amam? De verdade mesmo? Se elas não se amam é culpa dos homens? E elas amam umas às outras quando mandam beijim no ombro prazinimiga? Mais fácil mesmo é legitimar o meu direito de não operar a mudança pelo exemplo. Não acho que o verdadeiro respeito se consegue no grito e acredito que as causas devam ser separadas em movimentos distintos para pessoas com diferentes opiniões políticas e não menos engajadas pela vontade de mudar as coisas poderem participar também. Gostaria de ter estado em uma manifestação pedindo por qualidade de vida para todas as mulheres - pedindo pelo fim da violência, por igualdade de salários, de cargos, pelo nosso reconhecimento, pelo nosso sossego. No entanto, não desejo que o Lula volte a governar meu país, não odeio os homens e acho que tenho - a passos pequenos e constantes - conquistado meu lugar e minha dignidade nesse mundo sem odiar ninguém. Vejo que as coisas estão mudando no momento em que homens se colocam do lado das mulheres e reconhecem que precisam sair do modelo patriarcal de pensamento para serem felizes ao lado delas e para garantirem a elas o direito de coexistir em harmonia nesse mundão de Deus. Não são todos, mas já são muitos. Vejo homens cruéis, de índole ruim, e - pasmem - mulheres também. A proporção não é digna de comparação - ainda tem muito mais homem escroto e psicopata que mulher aí fora, pela própria criação dos papeis sociais, que não se deu hoje nem ontem nem ano passado. A questão é que, antes de sermos homens ou mulheres, somos todos seres humanos que transitam por esse mundo aqui temporariamente, esperando (ou não) aprender alguma coisa. Cada um evolui à sua maneira, e os movimentos sociais precisam refletir seu caráter evolucionista. Sem isso voltamos à era de Moisés, do olho por olho e dente por dente (e salve-se quem puder, deve ter faltado pedra pra ele escrever). Ser mulher pra mim é, por si só, uma virtude, uma bênção e um motivo de orgulho - orgulho por batalhar, por incentivar os meus alunos, meus amigos e familiares a fazerem o mesmo, por si e pelos irmãos espalhados por esse planeta - COM RESPEITO. Respeito não se ganha com tiro, porrada e bomba. Não tenho medo de ganhar flor no dia das mulheres - acho até bem legal, se for dada de coração. O cara que dá flor de manhã e sopapo de tarde é o mesmo que dá o dízimo e maltrata o funcionário; que frequenta a missa e deixa a mãe mofar num asilo; que trai o amigo, rouba do pai e bate no irmão - dar flor não significa ser esse cara, e ficar feliz ao recebê-la não é um convite a ser maltratada e agredida. A criação por si só não pode ser - e não é - desculpa pra esses babacas agirem como pragas e destruírem o que tocam: são seres tóxicos (outra palavra da moda). Precisam ser educados, ensinados, remodelados em termos de ideias e comportamentos. Alguém aí se habilita? Temos muito pelo que lutar - a começar, lutar por mais amor e respeito, pelo sagrado feminino, pelo fim dessa torre de Babel onde raiva é a língua comum. Tóxico é quem não tolera que exista o outro lado da moeda. Não tenho medo de flor - medo mesmo eu tenho é de quem se recusa a receber.