Depois de tanto rodar pela vida, acabo sempre voltando ao meu esconderijo, meu refúgio, lugar onde eu recarrego minhas baterias e resisto. Resisto à polarização de discursos, à falta de amor, ao desrespeito, ao individualismo. Resisto à incapacidade das pessoas de pensarem em ajudar. Resisto aos abusos já sofridos, às duras verdades, às mentiras que estão na boca do povo, que se espalham a boca pequena. Aqui no interior do interior tenho finalmente o que não tive em duas décadas de trabalho ininterrupto - tempo. Tempo para observações mais demoradas, tempo para autoanálises, tempo para avaliar se as pessoas que te cercam são realmente pessoas que gostariam de te cercar, tempo para entender de que lado você está. Cada conclusão é uma ruptura, e esse ano compreendi, bem lá no começo, que o que eu quero para mim está nas minhas mãos. Decidi por um emprego melhor, por uma vida familiar mais completa, por um companheiro mais companheiro, por uma alimentação mais saudável, por um corpo mais forte, por uma vida mais regrada, mais equilibrada, por uma mente mais quieta, espinha mais ereta. Tudo isso tem sido alcançado desde o momento em que compreendi que a ação é o protagonista da mudança. A gente tira um peso das costas, passa um tempo sacudindo a poeira e um dia acorda melhor, cercado de mudas de sonhos ao redor do peito cansado. Resisto quando rego cada uma delas com a esperança que me mantém viva, e os sonhos se multiplicam. Por entre os discursos que ecoaram pelos meus ouvidos durante a campanha presidencial, a necessidade de autopromoção, de estar com a maioria que quer o melhor - A TODO CUSTO. Nunca me foi tão penoso aguardar pelo fim das eleições. Penoso por ver tantas pessoas queridas com flores no vestido e pedras nas mãos. Questionei o significado do termo "com as melhores intenções". Foi com essas mesmas intenções que outras pessoas não menos queridas vestiram a bandeira do país e foram pedir pelo fim da violência, por melhores condições para os professores, por mais dinheiro nos cofres públicos, por mais oportunidades, pela possibilidade de vislumbrar um futuro com carteira assinada e dias menos ociosos, sem a necessidade de programas de governo que tenham como meta carregá-los nas costas. Quanto feminicídio, quantos ataques aos LGBTS, quantas represálias a meus colegas de profissão - a mim mesma -, quanta inflação e quanta tranquilidade da bandidagem, munida de fuzis ou Black Labels, juntando seus montes de dinheiro bem longe do Leão. Pago minhas contas em dia e há dez anos me mantenho de forma independente - não é fácil. Não ganhei carro nem casa, e o banco é meu melhor amigo quando as coisas não vão bem. Mas eu resisto. Resisto porque sei que em qualquer governo eu serei uma pessoa de bem, um ser humano de luz, alguém que quer demais fazer as coisas do jeito certo. Tenho amigos e familiares gays, negros e pobres que optaram por eleger alguém novo, sem amarras ou alianças criminosas (sim, criminosas). Não são fascistas, não são homofóbicos, não são classicistas. São pessoas também cheias de esperança, que não foram respeitadas por sua decisão. Resisto às altas contas que pago diariamente, resisto ao meu salário líquido, resisto ao imposto de renda, à escravização da minha classe, a cada um que por um segundo quis me convencer de que eu não seria capaz de chegar onde cheguei. Resisto ao pessimismo, às drogas que entorpecem mentes vazias, à inércia de quem fala muito e nem sequer tenta mudar o próprio destino. A um Brasil que sonha com campos mais floridos, não consigo resistir.
Nenhum comentário:
Postar um comentário